sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

VÓ SÓ


Eram umas sete pessoas mais ou menos, na casa.  No entanto, descontados os computadores, i-pods, celulares, tevês e quetais cibernéticos, ela estava na mais absoluta solidão.

Todos falavam ao mesmo tempo, consigo mesmos, nenhum entre si, numa espécie de esquizofrenia em banda larga de mega alienação.

Mãe, vó, bisa, cabelos ralos e brancos, levantou-se, com um pouco de dificuldade e foi para a cozinha.  Sentou-se na mesa baixa onde tomavam o café, mas não acendeu a luz.  Na cozinha, único lugar da casa no qual ela tinha conhecimento e controle, podia viver a plenitude dos aromas e temperos e saborear um pedaço de broa de fubá.

Sentia, na verdade, muitas saudades.  Do rádio, do marido, das missas, dos circos e do trem de ferro.  Pensou, por um momento, ter ouvido seu pai entrando e batendo a porta com estrondo.  Provavelmente, algum filme na tevê.

Lá pela meia-noite, a sinfonia foi se apagando: aparelhos desligados, desconectados, cabeças off line, silêncio e penumbra.

Lá na cozinha, esquecida, a vó de olhos fechados (com lágrimas), no escuro.  Dorme?

Conto curto: Jorge Marin
Foto: Slavko Pavlovic, disponível em http://www.flickr.com/photos/slavkopavlovic/3524458029/ 

5 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigado, amigo Nilson, bom saber que não estamos sozinhos.

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  2. Lindo, Jorge!... O melhor texto que já li de sua autoria. Continue. Sintético, preciso, verdadeiro... Você está se revelando um excelente contista. Escreva mais contos, que ajudo a você publicar um livro.

    Abraços de seu irmão,

    César Brandão
    www.cesarbrandao.com

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    1. Sou eu que tenho que agradecer, meu irmão. Porque, vendo vc criar as suas maravilhas, percebi a grandeza da linha, da linha (incor)reta, como um espaço permanente ao desejo do outro. Você me deu mais lições sobre pontuar do que a minha professora de Psicanálise.

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  3. Dá vontade de chorar... chorar porque é verdade... chorar porque assim está.
    Mika

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