quarta-feira, 31 de agosto de 2011

DEPENDÊNCIA OU MORTE

Foto publicada no blog sacraliza.blogspot.com

Alguns fatos, repetidos, podem ser indicadores de alguma tendência. Coroas de hoje, gostamos de ser moderninhos e acompanhar as tendências para não corrermos o risco de sermos chamados de ultrapassados.
Numa festa, fico intrigado por quê uma senhora, magra, recusa os salgadinhos deliciosos, servidos pelo bufê. Ela me explica que não pode engordar. Percebo que ela é bem esguia e, no entanto, afirma que tem feito uma dieta severa porque o marido não admite que ela engorde.
Saindo de uma clínica, encontro com uma médica, conhecida, que está na porta. Aguardando táxi, doutora? – pergunto. Ela me explica que, na verdade, está esperando o marido, que vem buscá-la, no carro dela. Quero deixar claro que, nem no primeiro caso, nem neste, perguntei nada, só fiquei curioso. Mas, em ambos, as mulheres fizeram questão de dar explicações. A doutora me explicou que o carro é dela, que ela tem carteira de habilitação, mas não dirige porque o marido entende que ela ainda não tem a segurança necessária para conduzir um veículo.
O curioso desses fatos é que se trata de casais jovens e, nem o marido do primeiro caso é nutricionista, nem o marido do segundo é examinador do Detran.
Mas, qual é o motivo da minha perplexidade? É o seguinte: nós vivemos um tempo de transição. Entre a figura austera e monolítica dos nossos pais e avôs, e a emergência das mulheres no mercado de trabalho, ficamos no meio de um tiroteio: se agimos à antiga, somos trogloditas e machões, e a esposa reclama. Se ficamos no cê-qui-sabe e esperamos que esta tome as decisões, ela reclama também. Aí, depois de muita discussão, e, às vezes, muita terapia, conseguimos, finalmente, um ponto de equilíbrio: oba, não há mais dependência, as decisões agora são tomadas por consenso.
Aí, quando estou começando a acostumar com essa história de consenso que, por sinal, dá um trabalho danado, vêm essas senhoras contemporâneas, antenadas, com essa história de “meu marido não deixa”. Será que eu vou ter que começar tudo outra vez?
A coisa toda, no entanto, tem uma origem mais profunda. Desde sempre, temos, em primeiro lugar, uma necessidade muito grande de aprovação e, em seguida, uma mania muito estranha (estúpida?) de achar que tem sempre alguma autoridade, algum mestre, algum dotô, capaz de me dizer o que é que eu devo fazer. Assim, saímos de casa, mas, mesmo distantes dos pais que, muitas vezes, até já faleceram, continuamos no joguinho de pedir a benção. E não é por respeito não, é que é mais fácil seguir os conselhos, as instruções de um outro. Se eu me dou bem, está tudo ótimo. Se não, a culpa é do outro. Além do que, ficar dependente de uma pessoa tem a grande vantagem de me permitir reclamar do outro. E vejam bem que eu não perguntei nada para as mulheres, mas elas fizeram questão absoluta de dizer o quão vítimas elas eram de seus maridos.
São Paulo dizia, na primeira epístola aos Coríntios, que, “no Senhor, nem a mulher é independente do homem, nem o homem é independente da mulher”. Outra afirmação nesse sentido, do mestre Buda, diz: “Eu existo porque você existe, você existe porque eu existo.” Fica claro que viver, seja qual for a linha de pensamento empregada, implica em conviver, implica numa interdependência. Mas a dependência, nesse caso, não é aquela da drogadição. Pelo contrário, somos dependentes de nossos cônjuges da mesma forma como dependemos do sol, do ar e da água. É mais significação do que aprovação, é mais sentimento do que ação, é mais paz do que submissão. Isto é uma coisa da qual devemos ter plena consciência. E é por isso que Drummond afirmava que o sofrimento é opcional. Se iludir menos, aconselhava ele, e viver mais.

(Crônica: Jorge Marin)

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

NOSSO MUNDÃO E NADA MAIS

Foto publicada no blog poetasindependentes.blogspot.com

Chegamos ao famoso Beco onde, ainda hoje, mora com sua família, o amigo Luiz Paula (Arruda).
Podemos dizer que aquele pedaço de rua era o centro nervoso de nosso Mundão. Nele tudo acontecia. Na época, somente moravam ali: a família do casal Sr. Luiz Paula e dona Terezinha (Totonho, Luiz Arruda, Beto, Marcinho, Quinquinho e Fernandinho), além da casa do Sr. Benjamim. No bequinho menor, moravam o Sr. Laureto e o Sidnei Baptista, o China. Abro aqui um pequeno parêntese pra dizer que guardo na memória, com muito carinho, a família do Sr. Luiz Paula e dona Terezinha, pois teria sido, sem sombra de dúvidas, minha segunda casa na infância.

No espaço onde hoje se encontra o único prédio do beco, havia um enorme terreiro que pertencia ao Dr. Nico. Muitas bananeiras e um imenso pé de eugênia ficavam separados do beco apenas por uma pequena cerca. Ali, algumas incursões atrás de frutas sempre aconteciam.
Ainda não havia calçamento nas ruas, e ficávamos que era poeira pura. E olhem que naquele tempo nem existia maquina de lavar!
Batíamos pelada na calçada marcando as traves com pedras. Cansei de chegar em casa sem a unha do dedão. O Sr. Devolde que o diga!
No porão da casa do Arruda, brincávamos de pique esconde, enquanto, no terreiro, vivíamos atravessando a cerca de bambu para passar para o lado do Renatinho. Lá também, existia, entre uma e outra coisa, um misterioso porão.

Certa vez, comemos espinafre na horta da dona Terezinha.
Nossa intenção era ver, em loco, o efeito mágico daquela hortaliça.
Assim, um de nós foi amarrado no tronco de uma mangueira pelo Renatinho. As horas passavam, e nada... O espinafre não fazia efeito e a cobaia não conseguia, de jeito nenhum, arrebentar a corda. Como a coisa não se manifestava, o Renatinho simplesmente atravessou a cerca e foi embora, deixando sozinho nosso pobre projeto de Popeye pedindo socorro amarrado na mangueira. Se alguém não o desamarrou, possivelmente deverá estar preso lá até hoje.

Na primeira casa do beco, que ficava bem em frente ao Miguel Fan, moravam o Sr. Carlito e sua esposa, dona Geralda. Em seu terreiro, existia um pé de mamão onde ficávamos diariamente, pra pedir alguns talos para que pudéssemos fazer setinhas de papel e poder soprá-las em alguma caixa de marimbondo. Por sinal, era um brinquedo que gostávamos muito. Habilidade é que não nos faltava, principalmente quando enrolávamos as tiras de papel para transformá-las em projéteis. Assim, depois de uma sutil lambida para fazer o acabamento, era só colocar no canudinho e, literalmente, mandar bala. Hoje, vemos o quão perigosa era esta brincadeira, especialmente para os nossos olhos. E o mais interessante é que ninguém nunca se machucou com ela.

Na próxima semana: a mansão Picorone, o Mangueira e o córrego que, naquele tempo, tinha beirada. Não percam!

(Crônica: Serjão Missiaggia)

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

ÉDIPO 2 - MAIS FUNDO

Arte digital por Kadri Umbleja

Semana passada, falávamos do destino. E muita gente veio me falar que não existe destino, que nós fazemos o nosso caminho, através de escolhas e por aí vai. Eu insisto em dizer que, quando conhecemos a estrutura, o destino acaba sendo mais previsível do que poderíamos supor. Eu falei em nadar sem a pranchinha, e isto é uma escolha que posso fazer. No entanto, pela minha estrutura, posso afirmar, com certeza, que meu destino é não respirar debaixo d’água.
E não precisamos ser tão óbvios assim. Conhecendo, por exemplo, a estrutura do gabinete da presidente Dilma, poderíamos afirmar, também com certeza, que haveria algum tipo de corrupção, talvez não tão cedo quanto ocorreu.
Há pessoas que passam a vida reclamando que o mundo lhes é cruel, que são vítimas de algum tipo de mau olhado ou da possessão de um espírito maligno. No entanto, embora pareça se tratar de um caso único, é, na realidade, um tipo de estrutura em ação.
Conhecemos, em nossas famílias, ou na nossa comunidade, exemplos clássicos de pessoas, cujo destino é totalmente previsível: é o caso, por exemplo, da pessoa boazinha, aquela que faz tudo pelos outros, ajuda todo mundo, carrega, como dizem, os outros nas próprias costas. Invariavelmente, o destino dessa pessoa é a ingratidão. Cada um de nós mesmos, se já assumimos esse papel, certamente nos frustramos.
Há outro caso clássico, que é o da mulher abusada pelo marido. A princípio, a coisa começa com algum tipo de violência verbal, um xingamento, uma proibição ou um grito. Depois, uma agressão leve, um aperto no braço, um empurrão. A mulher reclama, fala com a família (ou não), mas suporta. Nesse caso, também, não é preciso ser adivinho, para saber o que vai acontecer: ela vai apanhar feio, aí vai sair de casa, ou denunciar o marido. E, algum tempo depois, ele vai voltar arrependido, talvez até sinceramente arrependido mesmo. Ela vai aceitá-lo de volta, achar que ele é outro homem, que está diferente, não está mais bebendo, e o ciclo recomeça de novo.
Por que falo sobre isso? É porque muitas pessoas vão seguir acreditando que são vítimas de alguma maldição, de algum “trabalho”. Outras, um pouco mais esclarecidas, dirão que sabem que adotam um comportamento autodestrutivo, mas não têm como evitá-lo. E talvez não tenham mesmo, porque isso que faz os neuróticos agirem dessa forma, vai se repetindo indefinidamente. Como um DVD riscado, cujo destino, sabemos de antemão, é suprimir a imagem quando o leitor chegar naquele setor defeituoso.
A coisa é tão séria, que, até mesmo na terapia, o indivíduo repete os comportamentos: se é uma pessoa compulsiva, vai fazer um monte de “mudanças” só para agradar ao terapeuta; se é uma pessoa histérica, vai falar de suas misérias com uma riqueza de detalhes digna de um filme do Tarantino, serão rios de sangue, dores lancinantes e sofrimento insuportável, porém temperados com uma dose de sensualidade e insinuação.
Mas, afinal, tem solução? E aí vamos dizer que não podemos falar propriamente de uma solução, mas um despertar da consciência naquele exato momento em que somos compelidos a repetir um movimento autodestrutivo. E o primeiro passo, acredito, é não fugir do destino. Édipo teve o triste fim que teve justamente por fugir do próprio destino. E não estamos falando de escrito nas estrelas, mas inscrito na carne, no coração e na fala.
Saber que o espírito maligno, o vudu, o mau olhado, sou eu mesmo no espelho. É entender que o importante, como dizia Sartre, não é o que os outros fizeram de mim, mas o que é que eu vou fazer com aquilo que os outros fizeram de mim.
Enfim, cair na piscina, sem a tal pranchinha, ter consciência de que não vai, nunca, ter guelras lá no fundo. E, no entanto, subir à tona. E respirar...

(Crônica: Jorge Marin)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

NOSSO MUNDÃO E NADA MAIS

Foto publicada originalmente em cultura-adolescente.blogspot.com

Como era bom se esconder naquelas árvores do morro, principalmente quando brincávamos de pique esconde. Isso quando as lacerdinhas nos deixavam em paz. Constantemente, tínhamos que sair correndo e ir até em casa para lavar os olhos com bastante água. Confesso que ardia pra caramba!
Falando em pique esconde, um fato interessante aconteceu certa vez.
Existia um lugar secreto que somente eu conhecia. Era em cima da laje da varanda da minha casa. Impossível alguém descobrir aquele lugar, pois, para chegar nele, somente escalando um muro que ficava dentro de nosso terreno.
Pois bem.
Teve uma noite na qual, ao começar o pique, me escondi, imediatamente, nesse lugar.
Após escalar o referido muro e alcançar o esconderijo, procurei deitar na laje, enquanto aquele monte de gente ficava inutilmente a me procurar. O céu estava incrivelmente estrelado e lembro-me bem que fazia muito frio naquela noite.
E assim, foram passando os minutos e as horas, até que, diante de num silêncio muito estranho, fui perceber, já quase congelado, que a turma havia se mandado há muito tempo. Todos no quentinho de suas casas, enquanto o bobo aqui, permanecia lá.

Também, naquela subida da Matriz, ficávamos fascinados toda vez que, ao se aproximar o Natal, era montado, na varando do Sr. Quincas, por suas irmãs, dona Paixão e Jandira, um imenso e belo presépio. Corríamos todos pra lá e permanecíamos horas e horas, do lado de fora, viajando no tempo diante daquelas imagens.

Na primeira casa da subida, morava tia Dalva e Vó Pina e, onde hoje é a casa do tio João, era somente terreiro.

Ao lado deste terreiro, moravam o Sr. Cléber e a dona Maura, juntamente com as filhas Maria e Suely, esta última colega de minha irmã.
Muitas vezes, chegamos a ser desafiados pelas meninas que moravam nas imediações, pra bater uma Bandeirinha naquela ponte da subida da Matriz ou mesmo jogar bola na calçada. Pior que quase sempre perdíamos.

Como não existia ainda a casa dos Mattos, fazíamos, naquele local, o nosso campinho de futebol. Somente depois, após a construção da casa, é que fomos ter como amigos o Zé Márcio e o Marquinho.

A seguir vinha a casa do Sr. Miguel Fan. Juntamente com sua esposa, que agora me foge à memória, morava também seu filho Miguelzinho e suas irmãs: Norminha, Eliane e Maria da Graça.

Na semana que vem, o famoso Beco.
(continua)

(Crônica: Serjão Missiaggia)

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

ÉDIPO, OU MERGULHANDO DE CABEÇA

Arte digital por Kadri Umbleja

Feliz, vou buscar o meu filho na escola, e me perguntam: por que esta cara ótima? Se estivesse triste, perguntariam: por que esta cara feia? Mas, como estou feliz, não vou complicar as coisas, e vou dizendo logo que é porque, aos 53 anos, consegui a “proeza” de nadar sem a pranchinha. A mãe de uma aluna comenta: é, tem algumas coisas que a gente deve fazer quando novo. E lascou uma pergunta impertinente: por que é que você resolveu nadar só agora? “Só agora” deve significar “depois de velho”. Respondo, na lata: é porque resolvi mudar meu destino. Uai, mas eu pensei que destino a gente não muda, diz a horrível.
A esta altura, eu já havia colocado a tal mulher entre parênteses, e comecei a viajar nessa história de destino. Não sei bem porque foi que eu disse aquilo, mas pode ser que ela tenha razão, que a gente não possa mesmo mudar o destino. Mas, afinal, existe a tal coisa chamada destino?
Na Grécia antiga, as Moiras, três barangas de um olho só (um olho só para as três) determinavam o destino, tanto dos homens, quanto dos deuses: giravam um tear chamado Roda da Fortuna, para tecer o fio da vida de cada ser. Cloto tecia o fio, Láquesis determinava o tamanho e, finalmente, Átropos, crau... cortava o fio, e mandava o sujeito para o mundo dos mortos.
Aí, começo a acreditar nessa coisa de destino. Vamos raciocinar: como seres humanos, estamos destinados a morrer. Isto é certo, não dá para mudar. A boa notícia, que também não dá para mudar, é que estávamos destinados a nascer, porque estamos aqui. E aí muitos vão me questionar: nada disso, o que eu quero saber é se eu estou destinado a ganhar na mega-sena. Só que, neste caso específico, não se trata de destino, mas sim consequência de uma ação, porque, primeiramente, para ganhar você precisa jogar. Se estivesse escrevendo em inglês, diria que essa coisa de ficar milionário é fate, enquanto nascer e morrer são destiny. Talvez pudéssemos traduzir fate como “fado”.
Na psicanálise, falamos muito no mitológico Complexo de Édipo, e todo mundo comenta: ah, aquele cara que matou o pai e transou com a mãe? Mas a coisa é bem mais profunda do que esta supersimplificação: se formos pensar bem, Édipo é um exemplo claro de que, quanto mais tentamos mudar nosso destino, mais enrolados ficamos. Talvez a maioria não se lembre, ou se lembre só da novela Mandala, mas, quando Édipo nasceu, o pai dele, o rei de Tebas, Laio, consultou o oráculo de Delfos e ficou sabendo que a criança tinha um destino terrível: matar o pai e se casar com a mãe. Cruz credo, disse o rei, e mandou pendurar o bebê numa estaca para que morresse. No entanto, ele foi salvo por um pastor que o levou para Corinto, onde o pequeno foi adotado pelo rei Políbio. Por aí se vê que o garoto possuía mesmo um destino terrível, mas tinha um bom fado: nasceu filho de um rei e, condenado à morte, foi adotado por outro rei. Ali pelos dezoito anos, resolveu, ele mesmo, consultar seu destino no tal oráculo, e não deu outra: matar o pai e casar com a mãe. Assustado, e pensando que era filho de Políbio, resolveu, para proteger o pai, viajar. O resto todo mundo já sabe: sem saber, pois não o conhecia, acabou matando Laio no caminho, derrotando o monstro chamado Esfinge, na entrada de Tebas, e casando-se com quem? Com a rainha Jocasta que havia ficado viúva há pouco.
Sou obrigado a concordar com os psicanalistas, e entendo que, assim como o herói Édipo, carregamos traços estruturais, que vão determinar, com um alto grau de acerto, o nosso destino.
Será que eu deveria voltar a usar a pranchinha? Vejam na próxima semana.

(Crônica: Jorge Marin)

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

NOSSO MUNDÃO E NADA MAIS

Foto publicada no site www.sjonline.com.br (Morro da Matriz)

Continuando nosso trajeto, passamos pela casa do Sr. Gunga e Dona Ivonilde. Ali, naquele lugar onde foi construída a casa do Dr. Geraldo, existia um terreirão com um frondoso pé de manga (espada) e muitas galinhas. Poucas vezes ali entramos. Andando um pouco mais, precisamente naquela esquina do Sr. Gunga, funcionou por um bom tempo a padaria do Manezinho. Chegar ali pra comprar brevidade, caçarola e paçoquinha era tudo de bom.
Seguindo em direção à farmácia do Devolde. morava o Ricardinho e, naquele bequinho, o Fausto. Ambos também faziam parte da trupe.
Falando em farmácia do Devolde, era pra lá mesmo que nos dirigíamos nos momentos de alguma doença ou machucado. As famílias faziam do lugar, juntamente com as demais farmácias, o porto seguro nos momentos de aflição. De lá, quase sempre saíamos com aquele famoso xaropinho pra peito cheio, uma pomadinha pra machucado ou, simplesmente, algum fortificante. Fazíamos nossos curativos e morríamos de medo de ter que tomar injeção. Depois, era só pedir pra colocar tudo na conta do pai. Ir para hospital nesta época, somente quando a coisa tava brava mesmo.
Próxima parada: A casa do Sr Gastão e sua esposa dona Menininha, que moravam com seus filhos, entre eles o amigo ao qual agora me dirijo.
Confesso que ficava fascinado com a sua coleção de indiozinhos e soldadinhos. Aqueles mesmos que eram encontrados nas embalagens do chocolate Toddy. Comprei várias latas e nunca consegui encontrar o danado daquele apache. Também, somente o amigo possuía, na coleção de maços de cigarros, o famoso Beverly vermelho. Ninguém mais!!! Só mais tarde é que ficaríamos sabendo que tudo não passava de um truque: após passar sabão naquele maço amarelo, a reação química o transformava em vermelho. A maneira com a qual os acondicionávamos nas caixas de fósforo, e também a forma com que os manuseávamos entre os dedos nos momentos das barganhas, era mais que criativa. Marcas como Beduíno, Fulgor, Oriental, Fio de Ouro, Everest e outros eram caçados como raridades nos cantos das calçadas.
Posteriormente, o Sr. Gastão veio a adquirir aquela antenazinha externa que sintonizava a TV Rio canal 13. Em pouquíssimas casas existia uma dessa. Algumas vezes, para lá nos dirigíamos, pois era ruim perdermos o Nacional Kid.
Próximo a esquina da Rua Joaquim Murtinho, moravam o Sr. Jair e dona Evelina. Eram pais do Jairzinho, Salete e Jairo, este também componente da nossa turma.
Bem ao lado, na subida da Matriz, morava o Major Edson e dona Marilda, tendo como filhos: Jairzinho e dois outros irmãos cujos nomes agora me fogem a memória. Era raro, mas, vez ou outra o Jairzinho, vinha brincar conosco.
E, por falar em morro da Matriz, era nele que descíamos com nossos carrinhos de rolimã. Quantas e quantas vezes disparávamos morro abaixo devido, entre umas e outras coisas, à notável deficiência de nossos freios. Com a velocidade que alcançávamos na descida, não conseguíamos fazer a curva e, quase sempre, passávamos reto. Íamos parar no meio da rua. Interessante é que, nesta hora, pensávamos em tudo, menos em ser atropelados por um carro.
Muitas vezes construíamos nossos próprios carrinhos, sendo que cheguei, com o auxilio de meu pai, a fazer um com rodas de madeira. Depois, era só colocar óleo queimado no eixo, e ficar curtindo o rastro e cheiro de fumaça deixados pra trás...
(continua)

(Crônica: Serjão Missiaggia)

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

TRABALHANDO O PSICOLÓGICO

Arte digital por Monika Skalak

Conversando outro dia com o Mazola, colega de ginásio e também comentarista aqui do blog, chegamos à conclusão que, por mais que tentemos nos atualizar, acompanhar os filhos, twittar, facebookar e outros, esbarramos com alguns conceitos que, simplesmente, não conseguimos entender. Não é por burrice, nem por preguiça. São alguns termos que, em nosso tempo tinham uma conotação, e hoje tem outra totalmente diferente.
E olhem que eu não estou falando sobre gírias, não! Vejam o caso, por exemplo, de um participante de um reality show, chamado “A Fazenda”, que declarou, na semana passada que se considerava preparado para vencer pois, antes de ir para o programa, trabalhou muito o seu psicológico. Foi eliminado.
O técnico do Cruzeiro disse, também, que o time não estava acertando porque o técnico anterior não estava trabalhando bem o psicológico da equipe.
E, finalmente, nesta semana, num caso policial em que uma menina, rejeitada pelo namorado, supostamente se jogou de uma ponte, a família pediu a prisão do namorado que, segundo a parentada, “matou o psicológico” da moça.
Acho que o uso contínuo do computador tem gerado essa confusão, de que, a exemplo da máquina, também nós, humanos, possuímos um hardware e um software, sendo que este último pode ser trocado e até “trabalhado”. É como se existisse uma região chamada “psicológico” que pudesse ser malhada ou fortalecida. Nesse aspecto, o psicólogo surgiria, talvez, como um personal trainer, que pudesse orientar um fortalecimento desse conjunto de... comportamentos?
Ora, mas não é isso mesmo que um psicólogo faz? E eu respondo: absolutamente não. Primeiro, porque o trabalho do psicólogo não se restringe apenas aos comportamentos. A Psicologia tem um pé na Filosofia, que foi de onde ela saiu. Psicólogo não treina: ele estuda, ele investiga, e tenta compreender (e eventualmente explicar) o comportamento do indivíduo dentro de um contexto social.
Depois, porque não existe essa coisa de “psicológico”, como se fosse um dente siso, ou uma vesícula biliar. Somos seres humanos integrais, completos e complexos. Iluminados por uma centelha de vida, que cada qual vai explicar de acordo com sua crença, não somos fragmentados a ponto de ter nosso lado psicológico roubado, ainda que seja para fortalecê-lo.
Preocupo-me com esse novo conceito de “psicológico”, porque a maioria das pessoas acaba comprando a ideia, e se descuida de coisas básicas, como, por exemplo, ensinar os filhos a ter, e a defender, sua dignidade. Moças, que são constrangidas por seus namorados a adotar determinados comportamentos restritivos, não estão tendo o seu “psicológico” atacado: elas estão, na verdade, abrindo mão de sua dignidade. Se um namorado exige, como condição para continuar o namoro, que a namorada se comporte assim ou assado, vista roupas de um determinado padrão e até desista de certas amizades, e a namorada aceita essa imposição, não foi porque o namorado matou o psicológico dela, mas porque ela aceitou essa condição. É claro que a aceitação da chantagem muitas vezes se dá em virtude de imaturidade da pessoa. Nesses casos, seria legítima uma intervenção da família, orientando, corrigindo e mesmo coibindo um relacionamento doentio do tipo insegurança com baixa estima.
Seres humanos são o que são: às vezes divinos, às vezes diabólicos, mas, acima de tudo, donos de suas escolhas, do seu livre arbítrio. Este é o nosso maior legado, o que dá riqueza às nossas vidas.
A preocupação não deve ser com o psicológico, que vai, algumas vezes, bem; outras, mal. A preocupação deve ser, sempre e sempre, com o patológico.

(Crônica: Jorge Marin)

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

NOSSO MUNDÃO E NADA MAIS

Foto do mini-encontro realizado no Ginásio do Sô Bi, em fev/74.

Caro amigo Bete,
Esta croniqueta, em forma de carta, é apenas para falarmos um pouco mais sobre aquele agradável encontro que tivemos. Não sei se o amigo se recorda, mas foi no início deste ano quando, na oportunidade, eu estava descendo as escadas da varanda de minha casa e você, juntamente com sua simpática esposa, vieram até mim.
Antes de tudo, gostaria de dizer que fico sempre muito feliz quando reencontro amigos de infância, principalmente aqueles que já não vemos há um bom tempo.
Confesso que fiquei bastante sensibilizado quando o amigo veio, com muita humildade, nos agradecer (a mim e ao Jorge Marin) pelo blog. Disse também que, sempre quando pode, procura acompanhar cada postagem. Afinal de contas, saudade não tem idade, mesmo com o amigo morando longe da terrinha já há um bom tempo, pois reside em Itanhandu.
Difícil foi fazê-lo entender, naquele curto espaço de tempo, que pessoas como você é que nos fazem permanecer acesos para cada vez mais seguir em frente.
Nós, na verdade, é que temos muito a agradecer, pois ter seguidores assim como você é algo que muito nos orgulha.
Diante disso, surgiu uma ideia e gostaria agora que compartilhasse comigo, ou seja, a de fazemos juntos um pequeno passeio no tempo. Mais precisamente na década de 60.
Vamos tentar aterrissar com a nossa imaginação naquele mágico espaço de nossa infância. Num lugar que era, antes de tudo, recheado de amigos, brincadeiras e fantasias: o famoso circuito em volta do córrego.
Relembremos então:
Saindo de minha casa, em direção a sua, que tal darmos antes uma parada na residência do Sr. Wilson e dona Pompeia? Se não estou enganado, foram eles que compraram a primeira televisão da redondeza e, possivelmente, uma das primeiras da cidade. Não sei se o amigo recorda, mas era para lá que todos nós nos dirigíamos para assistir, entre outros, os inesquecíveis seriados Perdidos no Espaço, Rin-Tin-Tin, Vigilante Rodoviário, Bonanza e, principalmente, o desenho animado do marinheiro Popeye. Não perdíamos os programas humorísticos Pandegolândia, Rua do Ri Ri Ri e éramos fascinados pelo Tele-Catch Montila, onde nossos heróis, em belos saltos, aplicavam as famosas tesouras voadoras. Teve uma noite em que mal dormi, devido a uma derrota do Verdugo pro Rasputim Barba Vermelha. E o juiz foi o pequenino Crispim.
Somente saíamos quando começava Diário de um Repórter ou o Repórter Esso.
Assim, lá pelas seis da tarde, começávamos a bater na porta, e o Sr. Wilson, sempre muito solícito, nos convidava a entrar. A sala, com as luzes apagadas, virava um verdadeiro mini cinema, diante daquela criançada toda sentada no chão.
Uma breve pausa para acertar o vertical ou o horizontal da TV era comum, além, é claro, daquela retorcidinha básica no cano da antena externa para melhorar a direção da torre (montanha onde se encontrava o transmissor). Isso tudo acompanhado por pequenos estalos que eram dados pelo estabilizador de voltagem na tentativa de corrigir, especialmente nos momentos de pico, as constantes variações de energia. Não sei se recorda, mas, nos horários de banho, a tela praticamente se fechava e, se o estabilizador não fosse dos “bão”, seria melhor desligar a TV.
Aquele monte de comerciais é que nos deixava malucos. Duravam mais de dez minutos e, quem quisesse, teria tempo até pra dar uma chegadinha em casa e voltar. Embora até gostássemos de alguns deles, como aquele dos três porquinhos dançarinos das Casas Banha (vou dançar o tcha-tcha-tcha) e o dos Cobertores das Casas Pernambucanas.
E que bons amigos foram as crianças da casa: Nozinha, Maria Áurea, e Badeco, sendo que o Wilsinho era bem mais novo. (continua)

(Crônica: Serjão Missiaggia)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

PLURIVERSOS

Arte digital por Bleihn Micer

Acordo, e o dia está maravilhoso: claro, temperado, não muito frio e nem muito quente. Exatamente o tempo que eu gostaria que fizesse num lugar que eu fosse morar para o resto da vida. Minha esposa discorda: que, pena, hoje não dá pra lavar roupa! Esta situação se repete, principalmente dentro da cena conjugal: muitas vezes, o marido chega em casa, todo pimpão, cheio de amor pra dar, e é recebido pela esposa com cara de Dilma em fim de mandato (imaginem a cena!) que está sentida por algo que o marido fez – e a magoou – e ela não fala porque entende que ele deveria saber a besteira que fez. Só que, se soubesse, provavelmente não teria feito.
Lacan dizia que o mal-entendido é inevitável, e até mesmo que a psicanálise só faz explorá-lo... o mal-entendido. Mas, acabo chegando à conclusão de que a coisa vai além do mal-entendido: nesta convivência nossa do dia a dia, é como se não existisse universo. Já ia dizer um único universo, caindo assim num pleonasmo vicioso, pois a palavra universo já significa “tornado um”. A coisa me parece como se cada um tivesse seu próprio universo; por isso, o título “pluriversos” da postagem.
Senão, vejamos: vamos combinar que, tudo, mas tudo mesmo, na vida, só diz respeito a nós mesmos, concordam? Quem não concordar, pode tentar perceber alguma coisa com um sentido que não seja seu. Ah, mas quando eu vejo a Mona Lisa, estou vendo uma forma de beleza vista pelos olhos de Leonardo da Vinci. Nada disso: quando vejo a Mona Lisa, vejo minha leitura de uma forma criada por Leonardo para representar a percepção que ele teve, naquele dado momento, de uma pessoa, que dizem que pode até ter sido ele mesmo no espelho.
Mas, por que se preocupar então com uma questão tão eminentemente filosófica quanto esta, que mais parece um enunciado budista? A questão é que, como achamos que outras pessoas, que entendemos mais sábias, mais santas ou mais famosas, emitem opiniões sobre a visão delas, do universo delas, incorporamos aquelas palavras, belas ou não, como se fossem nossas. Ora, ora, mas como existem centenas, talvez milhares de pessoas que aprendemos a cultivar com adoração, vamos carregando milhares de universos nas costas, e como estamos o tempo todo a pensar nessas galáxias virtuais (eis que são virtuais mesmo!) não nos resta tempo pra nada, e ficamos reclamando da falta de tempo.
A esta altura da reflexão, uma questão alarmante nos assalta: se é verdade, então, que tudo não passa de um bando de leituras do universo, que cada um faz, ou, se é verdade que tudo não passa de ilusão, então não existe nada? E é aí que a coisa pega, porque ilusão não significa que a coisa não exista, mas somente que está sendo percebida de uma forma incorreta, ou grosseira, ou até mesmo... pouco inteligente.
Vou dar um exemplo prático: fui ao médico, há uns vinte anos atrás, e este senhor, considerado na cidade onde eu morava, como o melhor na sua área, me disse que eu poderia estar com um câncer no pescoço. Saí do consultório arrasado, me descabelei (há vinte anos, ainda possuía um pouco de cabelo) e chorei muito. Até que um mestre – na verdade um coroa que ficava num boteco tomando campari e comendo torresmo – me falou: olha, rapaz, isto que esse cara falou é uma opinião pessoal dele, baseado num ensinamento que ele entendeu da fala de um professor que, por sua vez, leu num livro uma opinião de um cientista que se baseou numa observação estatística que pode ou não ter sido corretamente observada num tempo em que podia ser ou não válida. Não consegui acompanhar completamente o pensamento do meu amigo bebum, mas o fato é que, graças a Deus, o médico estava errado.
O fato é que o filósofo de botequim estava correto: até mesmo quando estamos seguindo uma religião, sei que este assunto é polêmico, mas estamos seguindo uma opinião pessoal de um sacerdote baseada num livro escrito por um determinado escritor que resolveu destacar uma frase ou ideia que ele afirma que um avatar falou.
A solução para esse problema, ou o busílis, como gostava de dizer o meu avô é o seguinte: primeiro, esquecer tudo o que foi lido aqui; depois, botar esse tanto de universos alheios no chão, e viver o seu próprio. Com muita calma. E atenção.

(Crônica: Jorge Marin)

BRIGADU, GENTE!

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