quarta-feira, 30 de março de 2011

SUCESSO NA VIDA OU VIDA DE SUCESSO?

Arte digital por Michael Vincent Manalo

Começo, depois de meio século de vida, a fazer natação. Não sei o que é mais engraçado: um homem começar a fazer, já com uma idade madura, algo que deveria ter feito quando criança, ou ouvir as gargalhadas do meu filho, quando fica sabendo dos apertos que estou passando, enquanto ele, do alto dos seus cinco anos, já está quase nadando na segunda aula.
Minha mulher me questiona: por que esse “deveria ter feito”? Começo a pensar no assunto. Na sala de espera da academia, algumas senhoras conversam. “Eu não deveria ter deixado meu marido me dominar dessa forma”, diz uma delas, e continua: “eu tinha passado em primeiro lugar num concurso muito importante, mas, por causa dele, fui obrigada a desistir da nomeação. Daí, fiquei só me anulando, tive depressão. Ah, mas Deus sabe o que faz”. A outra mulher também reclama que, quando nasceu sua segunda filha, foi “obrigada” a deixar de lecionar e abandonou sua “carreira”, o que obriga o marido a trabalhar “como um louco” para poder manter a família.
Quando captamos um assunto, parece que as coisas vão se intercalando e, chegando em casa, leio o comentário do Sylvio sobre o post da violência. Diz ele: “uma violência que me parece cada vez mais comum é a que cometemos contra nós mesmos, quando nos conformamos passivamente em viver uma vida que nos desagrada, sem alegrias ou expectativas a curto prazo que façam valer a pena sair da cama para viver mais um dia ao invés de apenas existir mais um dia.”
Percebendo tanta mágoa e tanto ressentimento, eu vejo que estas pessoas (eu incluído) estamos em conflito, às vezes numa luta constante. Mas, numa luta contra o quê? Contra o “que deveria ter sido”. Ao vivermos nossas vidas, vamos construindo relações, mas não são relações reais: são relações com imagens ideais. Idealizamos, como no caso das mulheres, um cônjuge. E queremos que aquela pessoa seja exatamente da forma como nós a criamos na mente. Mas a pessoa é o que é, não o que gostaríamos que ela fosse.
O passo seguinte é criar uma situação ideal do que gostaríamos de ser na vida, e isso geralmente inclui: dinheiro, posição, prestígio, porque achamos que só as pessoas que possuem esses atributos é que são respeitadas pela sociedade. E o pior é que, na maioria das vezes, isso é verdade. Mas, da mesma forma que o parceiro é o que é, nós também só podemos ser o que somos. Desta forma, se colocamos metas muito altas para nossas realizações, vivemos frustrados.
Aí vem a parte mais louca, mas, curiosamente, uma situação que é difícil um ser humano não vivenciar nos dias de hoje: ora, se eu não consigo conquistar tudo aquilo que eu deveria ter conquistado, então a culpa é do meu parceiro que não é, nem de longe, aquilo que eu gostaria que ele fosse.
A outra ainda vem e diz que Deus sabe o que faz. Como se fosse dele, ou Dele, a culpa pelas nossas escolhas. Justamente Ele que nos dá o livre arbítrio. Ora, podemos escolher entre viver uma carreira profissional promissora e de sucesso, ou em abrir mão disto para ter uma vida familiar enriquecedora e feliz. Uma vez feita a escolha, não podemos, se quisermos ser saudáveis, ficar nessa morrinha de querer ir fazer carreira e reclamar que não tem tempo para os filhos, ou ficar em casa e reclamar que não tem independência financeira.
Tentando ser igual a uma pessoa que nós julgamos ter sucesso, ou viver uma situação ideal, o que estamos fazendo é tentar transformar em realidade, uma ficção. Pois estas nossas idealizações não passam disso: uma bela ficção (às vezes até não tão bela assim). Lembrando que, ao tentar mudar esta situação, e agir de outra forma, estamos criando outra ficção. O que fazer, então? “Nada”, diz minha instrutora, interrompendo minhas divagações durante a aula. “Para de pensar, e age, meu filho!”

(Crônica: Jorge Marin)

sexta-feira, 25 de março de 2011

ESCUTANDO O SILÊNCIO - FINAL

Arte digital por Max Mitenkov

Na semana passada, falamos sobre algumas aspectos jurídicos e técnicos sobre a poluição sonora. Sim, porque não podemos esquecer que som em excesso também é poluição e, conforme os especialistas, dependendo da potência, chega a causar danos até a mesmo no sistema nervoso central. Se não estou enganado, existe uma lei municipal, baseada naquela resolução do CONAMA que citamos no último post, que limita o número de decibéis em várias atividades municipais. Como não temos o tal decibelímetro para fiscalizar, e o bom senso de alguns nem sempre prevalece, só nos resta mesmo deixar de lado aquele gostoso e relaxante bate papo num banco de alguma pracinha ou esquina, e procurar ficar dentro de casa.
Existem locais nos quais, “vira e mexe”, dispara o alarme à noite (e de dia também). E, se é no final de semana, não aparece uma santa alma pra desligar. Depois dizem, com toda naturalidade, que foi apenas um passarinho que entrou pelo basculante e passou em frente ao alarme. Isto depois que os moradores da rua inteira, muito dos quais trabalhadores, crianças e idosos, ficaram acordados a noite toda. Só isso. Ainda bem que sou jovem!
Coitada da moradora de um prédio, que teve que implorar quase que de joelhos, para que fosse desativado o sinal de entrada e saída de veículos, pelo menos pela madrugada. Coitada! Coincidentemente, o sinal ficava próximo à sua janela. Não era brincadeira não!
Na nossa época, brincar com barulho era sinônimo de estalinho, bombinha, cabeça de nego ou, dependendo da ocasião e na pior das hipóteses, até mesmo foguete. Dizem as boas línguas que, acima disso, somente se via acontecer com uma turma ali nas proximidades do posto de gasolina, mais exatamente no terreiro da casa dos Picorone na Praça Floriano Peixoto. Por sinal, alguém já viu praça ali?
Hoje, ao ver um desses explosivos, que livremente são vendidos no comércio, e que estão quase sempre nas mãos de crianças, fico estarrecido. Simplesmente, estão usando uma coisa que mais parece trouxinhas de foguetes e que, quase sempre, vão terminar dentro de alguma varanda, quadras de futebol, garagens etc. Uma explosão superpotente e perigosíssima.
Palavra de Pitombense!!!
Pra terminar, ocorreram alguns comentários que um sino de igreja veio a ser incômodo para algumas pessoas. Aí fiquei pensando: daqui a pouco poderá ser um abaixo-assinado contra o cacarejar do meu galo, o canto das maritacas, o som das folhas que estão sendo varridas ao amanhecer ou, quem sabe, até com meu som do Roupa Nova.
Por aí se vê que excessos, de qualquer lado, devem ser evitados. Mas é preciso que todos aqueles que se sintam prejudicados protestem, procurem as autoridades, cobrem de seus políticos (existe um projeto de lei – é o PL-1024/2003 – que trata da poluição sonora e está há onze anos parado na Câmara dos Deputados) e, principalmente, que não desistam do seu direito de ter paz. Afinal, todos devem estar lembrados que aqueles que se incomodavam há vinte anos atrás, com a fumaça dos cigarros, podem frequentar qualquer recinto público nos dias de hoje, com a certeza de não serem obrigados a fumar passivamente. Não só porque é proibido por lei, mas também porque a sociedade se reeducou.
Cidadania dá trabalho, mas vale a pena. Como diz o Millôr Fernandes, “ninguém sabe o que você ouve, mas todo mundo ouve muito bem o que você fala.”

Uma Nota: quanto ao excesso de barulho urbano, gostaria apenas de dizer que jamais passou pela minha cabeça generalizar. Reconheço que a maioria desses fatos que vêm acontecendo na cidade, é oriunda daqueles que só querem mesmo agitar. Alguns profissionais do som, muito dos quais meus amigos, são pessoas sérias, competentes e éticas, que, com seus trabalhos, procuram de uma maneira digna e honesta, respeitando acima de tudo o próximo, ganhar o pão de cada dia.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quarta-feira, 23 de março de 2011

VIOLÊNCIA TEM SOLUÇÃO? - FINAL

Arte digital por Graham H220

Na semana passada, estávamos deitados na cama, tranquilamente, quando passou um escorpião sobre as cobertas. O resto vocês já sabem, ou imaginam: não rolou pensamento, não rolou questionamento, não rolou nenhuma justificativa. Quem rolou, da cama, fomos nós. Quando falamos sobre lançar um novo olhar sobre a violência, é isso que queremos dizer: um olhar claro, sem julgamentos, e ação rápida. Isto é zen. Muitos acham que não. Que uma atitude zen seria ficar orando, em algum mosteiro, para que a violência tenha fim.
Outros pensam que a solução da violência é praticar a não-violência. Muito bem, mas o que é a não-violência? Um conceito, um ideal a ser atingido, uma utopia. O fato de criarmos um antônimo não vai parar a violência. Exortações de não-violência sempre existiram (a Bíblia e o Alcorão não nos deixam mentir), mas, apesar de todas as palavras pacifistas dos avatares e dos profetas, continuamos violentos. Então, vamos combinar uma coisa: que tal esquecer a palavra e lidar com a violência real?
Para poder entender a violência, em toda a sua plenitude, você só tem uma forma, que é encará-la da mesma forma que encarou aquele escorpião em sua cama, com toda a clareza e sem nenhum tipo de julgamento ou justificação.
Finalmente, mesmo após ter chegado àquele estado de clareza que permite a resolução imediata do problema, temos um vício, que, na verdade, se trata de um condicionamento cultural, que nos impede de agir no ato. Isto é, por mais que estejamos convencidos da justeza dos nossos propósitos, ou por mais certos que estejamos sobre a importância do assunto, para o nosso bem, para o bem de nossos filhos e da sociedade em geral, geralmente pedimos um “tempo” para pensar. “Tá certo, você trouxe um monte de considerações legais, mas eu quero pensar. Quero ter certeza absoluta de que somos realmente capazes de nos livrar da violência. Vou tentar!”
Este tipo de afirmativa é uma das piores coisas que um ser humano pode fazer. Quando vocês ouvirem uma pessoa dizer “vou tentar” ou “vou dar o melhor de mim”, tenham certeza de que nada vai acontecer. Meu avô dizia que “de boas intenções, o inferno anda cheio” e ele estava totalmente certo.
Quando o assunto é sério, e o assunto aqui trata do futuro do planeta, do bem-estar dos nossos filhos, da sobrevivência da raça humana, não existe essa de “tentar”. Ou você age, ou não age. Imaginem, na semana passada, em pleno tsunami (violência da natureza), um japonês parar para verificar, na Internet, a violência do tremor na Escala Richter.
Tudo o que foi dito aqui são palavras. Talvez influenciadas, ou inspiradas em algumas leitura budistas, ou algumas lembranças do John Lennon. O fato é que vivemos sempre como se estivéssemos no cockpit de um carro de fórmula um: o negócio é correr igual louco e ficar dando voltas e voltando ao ponto de partida, mas sempre na frente dos outros. Dentro desta visão de mundo caótica (imaginem se, a 300 por horas, dá para olhar para o lado?), vamos incorporando conceitos, achando que o desrespeito é normal, que a raiva é legítima, e que o amor é mais um tema da novela.
Como disse, uma vez, Drummond, “chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus, tempo de absoluta depuração, tempo em que não se diz mais: meu amor, porque o amor resultou inútil.” Mas, não dá mais para justificar o mundo, dizendo que ele é assim só porque sempre foi assim. Evoluímos, e sinal disso são nossos filhos que, a cada dia, conseguem negociar seus conflitos com maior justiça, mais paz e mais liberdade. Quem não acredita nisso, pare o carro, pare a corrida, e veja! Violência tem solução, e esta passa por nós.
Em resposta aos versos de Drummond, há outros, de Fernando Pessoa: “há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É tempo de travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”

(Crônica: Jorge Marin)

sexta-feira, 18 de março de 2011

ESCUTANDO O SILÊNCIO

Arte digital por Noe V.

Capítulo 3

NA SEMANA PASSADA, focamos os jovens como responsáveis pela “barulhada”. É verdade que crianças e adolescentes já fazem aquela arruaça natural, e que os jovens, que pensam que são gente grande, também adoram fazer as suas anarquias nas portas de boteco, até mesmo pra chamar a atenção, e dizer: “vejam, olha que legal eu aqui no boteco!” (já tivemos disso também).
Hoje, no entanto, vamos deixar claro que o barulho, aquele infernal mesmo, que tira qualquer um sério é provocado, na sua maior parte, pelos adultos, pelos crescidinhos, pelos cavalões.
Senão, vejamos: e as motos sem silencioso? O negócio é retirar tudo aquilo que possa impedir que o escapamento libere barulho. Depois, em alta velocidade, saem em disparada pela rua acelerando desnecessariamente só para aumentar, ainda mais, a agressão aos que estão próximos. E põe barulho e velocidade nisso!!!
Outro barulho produzido por gente grande são os carros de propaganda. Estas banheiras sonoras já ultrapassaram, e muito, os limites de som. Lógico que nem todos, pois alguns deles são profissionais capacitados, cadastrados e conscientes.
Mas é preciso que fique claro o fato de que o silêncio é um DIREITO do cidadão. Ao contrário do que alguns barulhentos possam pensar, a poluição sonora não é somente um problema de desconforto acústico. Não, o excesso de ruído é, hoje, um dos principais problemas ambientais das cidades e uma grande preocupação para as autoridades responsáveis pela saúde pública. Na semana passada, falamos aqui sobre os perigos da perda de audição, mas esta é apenas uma, entre as inúmeras conseqüências que podem advir da poluição sonora. Entre estas, estão a diminuição da capacidade de comunicação e memorização, insônia, envelhecimento prematuro, distúrbios neurológicos, cardíacos, circulatórios e gástricos.
Por isso, a OMS (Organização Mundial da Saúde) passou a considerar a poluição sonora como uma das três prioridades ecológicas para a próxima década. E mais: lembram-se de que falamos no nível de segurança de 85 decibéis? Pois a OMS afirma, com todas as letras, que o ruído acima de 70 decibéis pode causar dano à saúde, e que aquele acima de 85 decibéis já começa a danificar o sistema auditivo. Podemos pensar: mas, felizmente, isto só ocorre durante o dia, pois, à noite, dormimos e não percebemos nada, certo? Errado! O ouvido é o único sentido que não descansa durante o sono, ou seja, mesmo que não acordemos com a barulhada, nosso cérebro vai estar sendo sacudido e perturbado.
Quem tiver interesse em conhecer os detalhes jurídicos sobre este assunto, basta pesquisar a Resolução 001 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Esta resolução tem “apenas” 21 anos e adota padrões técnicos estabelecidos pela ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, nas NBR (Normas Brasileiras Regulamentares) de número 10.151 e 10.152. Para se ter uma idéia, esta última fixa em 50 decibéis o nível máximo de ruído de um restaurante.
Esse conselho, logo em seguida, editou a Resolução 002, que instituiu o Programa Nacional de Educação e Controle da Poluição Sonora – Silêncio. Alguém já ouviu falar? Certamente que não, pois uma das coisas mais difíceis, hoje em dia, é ouvir o silêncio. De qualquer forma, vale a pena, aproveitar, e fazer uma visitinha ao site do Ibama, no endereço http://www.ibama.gov.br/silencio/home.htm .
Na próxima semana, encerramos esta matéria, mas é muito importante que esta reflexão se faça de forma clara e sincera. Não precisamos ficar com vergonha, ou sem graça, de dizer que o excesso de barulho e o descaso das pessoas (dos perpetradores às autoridades) estão acabando, criminosamente, com a nossa paz.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quarta-feira, 16 de março de 2011

VIOLÊNCIA TEM SOLUÇÃO? - III

Arte digital por Paolo Domeniconi

Alguns e-mails e comentários vêm questionando esta abordagem sobre a violência. Eliminá-la em nós não nos tornaria vulneráveis demais? Ou: será que a raiva não faz parte da natureza humana, da mesma forma que a necessidade de oxigênio? Ora, ao fazermos estas afirmações, estamos justificando a raiva e, consequentemente, a violência em nós. Se queremos, sinceramente, resolver este problema, não podemos encará-lo, nem justificando-o, nem condenando-o. Não adianta tentarmos solucionar velhos problemas não resolvidos, utilizando os mesmos métodos que sempre usamos, e esperar soluções diferentes.
Há necessidade de aprender. Aprender como olhar, sem julgar e sem condenar. E isto não se aplica apenas à violência, mas também como olhar a nós mesmos, aos nossos companheiros e companheiras, aos nossos filhos. É preciso também saber ouvir. Isto fica claro, por exemplo, quando estamos numa campanha eleitoral e, ao invés de sermos objetivos, ficamos todo o tempo julgando os políticos, de acordo com as nossas preferências, de acordo com os nossos afetos.
Este hábito de justificar e condenar também não é uma característica humana: é uma peça da estrutura social na qual vivemos, e serve para nos condicionar. Para que, no lugar de questionar os “mestres” que nos governam, fiquemos o tempo todo dizendo: “ele fez isso por causa disso” ou “ele não devia ter feito isso”. Enquanto condenamos e justificamos, o mal se instala.
Para aprender esse novo olhar, é fundamental termos a capacidade de mergulhar na questão. E, para ir fundo, é preciso estar com o nosso instrumento (a mente) bem afinado. O fantástico Walter Franco já dizia que “viver é afinar o instrumento, de dentro pra fora, de fora pra dentro, a toda hora, a todo momento”. Se a nossa visão vai até ali, na tela de plasma de nossa TV, então não dá pra mergulhar mesmo.
Mas, como é que eu posso adquirir este tipo de visão? Como é que eu faço para olhar para as coisas de forma desapaixonada? Primeiro, é preciso querer, mas é preciso querer muito, da mesma forma como desejamos um copo d’água após uma caminhada no sol. E também eliminar aquela sensação de segurança que todos temos: ah, mas comigo não vai acontecer, nem com a minha família. Sabem aquela sensação, da música do Raul Seixas, de estar sentado “no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar”?. Pois é...
Quero voltar ao assunto, e lembrar que o tema principal aqui é: violência tem solução? Isto é, eu consigo eliminar a violência que está dentro de mim? Não se trata aqui de dizer: poxa, mas você aprendeu tudo isto e não fez nada. Ou: por que você não mudou? Esta cobrança seria, ela mesma, mais uma forma de violência. Esta crônica não tem objetivo de convencer ninguém a mudar de comportamento. Cada um tem a sua própria visão de vida e esta visão é um assunto muito particular.
Muita gente já incorporou a violência como parte do dia a dia. Por causa do terremoto no Japão, temos visto imagens das explosões das duas bombas atômicas, e o que podemos perceber é que nem aquele horror foi capaz de aproximar os seres humanos. Pelo contrário, a quantidade de tribos hoje é imensamente maior do que há sessenta e seis anos atrás.
Bem, mas, e quanto àqueles que se preocupam? Que querem se ver livres da violência de uma vez por todas? O que fazer? Só analisar, sozinhos ou com a ajuda de um profissional, sem nenhuma atitude, não resolve. Vamos imaginar que estamos deitados em nossa cama, tranquilos, quando passa, de repente, sobre a coberta, um escorpião (a violência). É claro que só vamos vê-lo se estivermos despertos. E aí? Ficamos nos questionando: será que é venenoso? Mas o escorpião também não parte do ecossistema? Ou, simplesmente, saltamos feito loucos, e saímos em busca de uma vassoura?
(continua)

(Crônica: Jorge Marin)

sexta-feira, 11 de março de 2011

ESCUTANDO O SILÊNCIO

Arte digital por Carl Bryden

Capítulo 2

NA SEMANA PASSADA, tive meu despertar domingueiro interrompido pela ação de um decidébil mental, como um dos comentaristas do blog classificou a ação destas pessoas que trafegam pelas ruas com o som do carro no último volume, sem se importar com o local ou a hora.
Uma vez, li, no blog da psicóloga Rosely Sayão, uma frase que bem reflete nossa situação de ouvinte passivos: “os ouvidos não têm pálpebras, por isso não podemos nos proteger dos barulhos que não queremos ouvir."
Se a perda auditiva ocorresse apenas entre aqueles que querem se expor aos barulhos, tudo estaria resolvido: as pessoas estariam simplesmente sofrendo as conseqüências dos seus atos. Isto não é algum tipo de praga ou maldição; é uma realidade. Segundo o Instituto Nacional dos Surdos, na Inglaterra, três quartos dos frequentadores assíduos de boates e danceterias correm o risco de perda – irreversível – da audição. No Brasil, a situação não é diferente: somos, também nesta área, campeões mundiais. Obtivemos o primeiro lugar na frequência de perda auditiva ocupacional induzida pelo ruído. Sabem quantos brasileiros têm deficiências auditivas? Cerca de quinze milhões, sem contar uma população de 350 mil surdos.
Estamos falando aqui dos que não escutam e não ouvem. Mas, e quanto àqueles que escutam, mas não ouvem? Sim, estou me referindo aos jovens (nós também já fomos assim). Confesso que, a cada dia que passa, fico mais encucado com o perfil desses meninos. É, sem dúvida, uma geração ruidosa. São movidos ao barulho, barulho de verdade e na mais nobre concepção da palavra. Parece que querem dizer pro mundo: “Eu existo! Eu estou aqui”.
Virou mesmo um paradigma urbano. Uma verdadeira simbiose coletiva. E, coitado daquele que venha emitir um paradoxo aos fatos. Muitas pessoas alimentam uma realidade de achar que aquele que gritar mais alto é quem irá levar o troféu. Se repararmos bem, esse negócio de “armar barraco” se tornou coisa chique para alguns. Estaríamos vivendo a Era do Ouvido Lascado?
Dias atrás, alguns garotos estavam marretando seus skates numa pracinha. Digo marretando porque, andar naturalmente sobre rodas, é o que raramente fazem.
É aquele barulho de tábua rachada socando a calçada, e as nossas cabeças também.
Temos um uma bela pista de skate na cidade, onde este esporte é praticado com total segurança e liberdade. De minha parte, nada contra e muito pelo contrário. Acho até um belo esporte. Na minha época, cheguei a tomar uns bons puxões de orelha por causa do barulho de meus carrinhos de rolimã. Mas aprendi que, para tudo, tem LUGAR E HORA.
Certa vez, questionei a um desses garotos se não seria possível, no lugar da madeira, construir, ou, pelo menos, tentar revestir os skates com material meio emborrachado, pois com isso evitaria, no atrito com o chão, aquele barulho estressante. Foi quando, de imediato, me respondeu: “Aí não tem graça, tio! Sem barulho não dá!” Outro morador, bem mais exaltado e estressadíssimo com esta galera, gritou: Então porque você não vai pular com ele em frente à sua casa? E o garoto respondeu: “Lá, minha mãe não quer!” Moral da história: “BARULHO NO OUVIDO DO OUTRO PODE”. Ou seja, o correto, hoje em dia, é dizermos: “SUA LIBERDADE TERMINAVA ATÉ ONDE COMEÇAVA A DO PRÓXIMO”. O filósofo Rousseau e os liberalistas diziam que, quando as ações de determinada pessoa prejudicam ou cerceiam os direitos dos demais, então é hora de fazer leis. Quem sabe é um caminho?
Bem, pelo menos, entre mortos e feridos, o garoto, foi educado comigo!

NA PRÓXIMA SEMANA, mais barulho (abaixo dos 85 decibéis). Aguardem...

(Crõnica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quarta-feira, 9 de março de 2011

VIOLÊNCIA TEM SOLUÇÃO? - II

Arte digital por Matthew Johnathan

Na semana passada, tentávamos identificar o fenômeno da violência, esta praga que nos cerca, nos ameaça e da qual temos enorme dificuldade em nos livrar. Mais do que um estudo psicológico, ou uma avaliação de comportamento, o que queremos é descobrir a forma de nos livrarmos completamente da violência, e de estar atentos para evitá-la sempre.
A primeira coisa a fazer é: não se destacar da humanidade. Estamos tentando, o tempo todo, nos destacar do “resto”, dizendo que as pessoas são assim ou assado, têm este ou aquele defeito, mas eu, não, eu não sou igual aos outros. Digo, por exemplo, “sou católico”, como se este fato me atribuísse algum tipo de superioridade em relação aos outros seres, crentes ou não. Ao me destacar dos demais, crio, através do conflito e do preconceito, condições propícias para a violência. E o pior é que eu nem me dou conta disso.
Psicólogos e outros estudiosos do comportamento humano têm dividido opiniões: uns dizem que as pessoas já nascem violentas, outros dizem que as pessoas se tornam violentas conforme o contexto sócio-cultural em que são criadas. O fato é que, independente de sua origem ou de seu motivo gerador, somos todos seres violentos.
E isto fica claro no dia a dia. Quantas vezes experimentamos uma das expressões da violência – a raiva – como se fosse uma coisa corriqueira, e até justificável? Se um motorista me “fecha” no trânsito, fico com raiva, e entendo que é uma raiva justa, natural. Se meu chefe me destrata em público, ou se uma pessoa critica minha religião, experimento uma raiva que classifico como lógica. Mas, será que existe raiva justa, raiva natural, raiva lógica? Ou tão somente raiva?
O problema é que estamos sempre justificando a raiva (que é uma forma de violência), dizendo: “tenho que proteger meus direitos” ou “tenho que dar meu testemunho” e outras justificativas. Ou, por outro lado, mergulhamos na culpa, e nos penitenciamos, dizendo: “não devia ter ficado com raiva da minha mãe” ou “que idiota eu fui em ter deixado minha raiva aflorar!”
Mas, enquanto estamos condenando ou defendendo o sentimento, não conseguimos olhar para ele, de forma clara, desperta, desapaixonada. Este é o problema: nós temos condição de avaliar, de forma imparcial, uma pessoa a quem amamos, ou uma a quem odiamos? Pois o mesmo acontece com a raiva, e com qualquer outro sentimento: por ser parte de mim, é muito difícil avaliá-la sem atribuir-lhe nenhum afeto. Mas, é preciso ser objetivo: aqui estou eu, brasileiro, ou americano, ou árabe, olhando para a raiva, e tentando me livrar dela, tenha ela nascido comigo, ou sido herdada da minha família.
Para fazer isto, eu não posso, simplesmente, reprimir a violência, negá-la, dizendo: “sei que ela faz parte de mim, mas eu não a quero”. Negar a violência é como negar o umbigo. Não adianta fazer de conta que ela não existe. Ou, também, que ela é uma coisa natural. O câncer também é uma coisa natural, e nem por isso, desejável. Para tratar da violência, é preciso estar em contato com ela, estudá-la, sem preconceitos.
(continua)

(Crônica: Jorge Marin)

sexta-feira, 4 de março de 2011

ESCUTANDO O SILÊNCIO

Arte digital por Joshua Neshavok

Capítulo 1

E o garnisezinho Pavarote, mais uma vez, me desperta com suas primeiras cacarejadas. Foi no domingo passado: acordei mais cedo e, já um tanto enjoado de ficar na cama, resolvi aproveitar aquele momento de alvorecer para dar uma chegada no computador. Era uma típica manhã de verão e um lindo céu, totalmente azul, começava a trazer consigo tímidos raios de sol.
Há muito que eu não despertava com um dia tão inspirador, e até mesmo nosso pé de caqui amanhecera congestionado de pássaros. E eram muitos, e de várias espécies que, cantando numa sonoridade bela, traziam muita paz e muita poesia ao momento.
Lá fora, ouvia-se o barulho de folhas mortas sendo arrastadas pelo varredor de rua que, trabalhando alegremente, ia tentando assoviar canções de Roberto Carlos. Alguém, montando um cavalo de trotar cadenciado e lento, começava a passar em frente à minha janela enquanto, ao longe, os sinos da Igreja, em dobrados ritmados e constantes, chamavam os fiéis para a missa.
Uma verdadeira sinfonia a nos transmitir alegria e serenidade.
Interior tem dessas coisas. Que bom que ainda seja assim!

Neste momento, minhas janelas começaram a tremer! Uma pressão sonora estranha, vinda de um veículo que começava passar em frente a minha casa, fez acordarem, assustados, todos da família. Aquele ruído estranho, que mais parecia o estrondo de um trovão, acabava de invadir a privacidade de um espaço que, até então, eu imaginava ser só meu.

Antes que alguém pense que se trata apenas de um coroa chato reclamando do barulho, lembro que anos tocando em bandas me ensinaram alguma coisa sobre som e, principalmente, sobre o que é suportável e o que não é. Como sabemos, a potência do som é medida em decibéis e existe um nível considerado seguro para os nossos ouvidos, que é 85 decibéis. Para termos uma ideia do que isso significa, vamos lembrar que um toque normal de telefone é igual a 30 decibéis; uma conversa normal (sem briga), 60 decibéis; uma sirene de ambulância, 120, que é mais ou menos o mesmo que apresentam esses carros de som.
Cinquenta e cinco decibéis já são considerados como uma fonte sonora incômoda, entre 60 e 75 já há stress físico. E as doenças resultantes dessa agressão ambiental não se limitam aos ouvidos, mas atingem vários outros sintomas, como pressão alta (chegando ao infarto) e úlceras do aparelho digestivo.

Voltando à minha (antes calma) casinha, fui até a janela observar o impacto daquele estrondo no (antes tranquilo) domingo: a pressão sonora foi tamanha, que fez disparar o alarme de dois carros que estavam estacionados na calçada. Os sons se misturaram e o caos se instalou.
Já não pude mais escutar o silêncio, ou melhor, silenciaram os pássaros, o trote vagaroso do cavalo, os sinos da Igreja, as canções assobiadas e até o cantar do galinho. Silenciaram não. O débil mental que promoveu toda a balbúrdia conseguiu acabar com tudo, até com a minha inspiração.
E assim, o silêncio se perdeu ante os apelos frenéticos de motores e alto-falantes que, desvairadamente, começavam a desfilar pela rua, brincando de fazer barulho e a correr contra o tempo.
Desliguei o PC e fui tomar meu café!
NA SEMANA QUE VEM, quando o barulho acabar, vamos continuar esta prosa.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quinta-feira, 3 de março de 2011

VIOLÊNCIA TEM SOLUÇÃO?

Fotomanipulação por Mimi Habsburg

Abrimos a Internet, e as notícias vêm aos nossos olhos, e sentimos sua repercussão diretamente no estômago: é um motorista que resolve acabar com uma manifestação de ciclistas atropelando todo mundo, ou é uma mulher que resolve enforcar a filha do amante para se apoderar de uma quantia de dois mil reais. E por aí vai.
O pior é que a maioria de nós acaba se acostumando à violência, e até banalizamos estas atos que deveriam nos repugnar.
Mas, será que é possível encontrar as causas da violência? Será que há uma forma de encerrar esse ciclo de agressões, que parecem nunca ter fim? A maioria das pessoas afirma que “estamos no fim dos tempos” ou “a violência nunca terá fim”. Vamos convir que estas são justificativas mais fáceis, que permitem que cada um possa se acostumar com a violência e, eventualmente, até desfrutar do direito de utilizá-la também.
Então, se estas pessoas resolverem se acomodar, certamente que não haverá jamais um fim ao ciclo de violência. Mas, que fique claro, não haverá fim da violência para elas. Para todo aquele que desejar, sinceramente, compreender o mecanismo da violência, e mais, erradicar toda e qualquer forma de violência em sua vida, isto não só é possível, como também necessário à manutenção da vida no planeta.
No entanto, sair por aí dizendo: “não seja violento, não seja violento!”, além de ser inútil, acabaria sendo uma outra forma da violência, já que tal reação teria, forçosamente, que vir de dentro. E, por que de dentro? Porque a violência está dentro, e não fora apenas. Falamos em violência no trânsito, nas escolas, nos esportes e em muitos outros locais do mundo externo, mas temos que iniciar a busca dentro de cada um de nós. Somos, cada um de nós, violentos.
Ah, vão dizer, mas se eu não for violento, o mundo me engole, pois o mercado de trabalho é concorrido, a escola é concorrida e há concorrência até dentro de casa, entre marido e mulher, entre pais e filhos e até entre amigos. Para esta pessoa, eu só posso entender que ela não vai estar em paz em nenhum momento de sua vida. Porque sua situação é a mesma de um soldado no campo de batalha: vai, através da violência, eliminar muitos inimigos, mas, se o conflito não tiver fim, ele vai acabar levando um tiro.
Entretanto, este argumento é útil para que cada um de nós reconheça: eu sou um ser violento. De fato, sou violento quando estou com raiva (e parece que a maioria está sempre com raiva), sou violento na minha vida conjugal, sou violento com as pessoas que atravessam o meu caminho, com os meus vizinhos. A violência não é só uma manchete de jornal, ou um post num blog. Ser violento é um fato, uma característica humana.
Acostumamo-nos a achar que violência é apenas assassinar pessoas, matar e esquartejar a namorada, jogar a filhinha pela janela ou mandar estourar os miolos dos pais. Mas a violência também é usar uma palavra maldosa, fazer um gesto de desdém, e até mesmo obedecer por medo, mas com raiva. Ela não é, pois, só a matança patrocinada pelos países, e endossada pelas religiões: ela é bem mais sutil e bem mais complexa e, para realmente entendê-la, temos que fazer, devagar, este caminho, de dentro para fora. (continua)

(Crônica: Jorge Marin)

BRIGADU, GENTE!

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