segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

TYRAUTOSSAURUS REX

Arte digital por Trinidad

Em outubro do ano passado, fui a um encontro de gestores de jardins históricos que, entre informações técnicas, fizeram algumas considerações e reflexões, que mexem com a nossa cabeça, e com o nosso dia a dia.
A verdade é que vamos vivendo a vida como se tudo fosse uma grande maratona e, como não paramos para pensar, muitas coisas, que encaramos como normais, são prejudiciais à qualidade de vida, e até mesmo perigosas.
Um exemplo disto é o espaço que está sendo dado aos automóveis. Sem querer defender nenhuma bandeira, sabemos que muito desmatamento foi feito para dar espaço a estacionamentos e afins. Além disso, muitas praças e ruas largas são “redesenhadas” (leia-se, extintas), só para conseguir mais espaço, para o tráfego de um número cada vez maior de veículos, em uma equação onde o resultado nunca é bom o suficiente, pois a quantidade de veículos produzidos é sempre maior do que a capacidade de ampliação das vias para recebê-los. Aqui em Juiz de Fora, já se cogita a eliminação pura e simples do Largo do Riachuelo, para dar vazão ao trânsito.
Ora, praças e jardins, quando bem planejados e mantidos, demonstram o poder do homem sobre a natureza, modelando-a conforme sua vontade ou necessidade. As praças são espaços destinados à convivência de seres humanos entre si e com a natureza, em centros urbanos cada vez maiores. Os parques deveriam ser praças ampliadas, pequenas florestas com um sistema ecológico sustentável, próximo a centros urbanos, criando um equilíbrio entre as vantagens das possibilidades oferecidas pelas cidades e do contato com a natureza. A vida anda tão rápida e agressiva, que passamos por uma praça e a vemos, mas não a enxergamos, não aproveitamos as oportunidades de relaxamento e convivência que um espaço destes, bem organizado, pode oferecer. Houve tempo em que se namorava nas praças, e em que os parques eram espaços destinados ao lazer das famílias nos fins de semana.
Neste meio ambiente ideal, os automóveis aparecem como modernos dinossauros que, aos poucos, vão dominando espaços e aumentando seu território. Há os pequenos dinossauros, como os carros e motos, e os grandes dinossauros, como os ônibus e caminhões, estabelecendo relações de convivência e dominação, onde os maiores e mais fortes têm vantagem na lei da selva de asfalto. Pode parecer exagero falar em lei da selva mas, em Juiz de Fora, experimentem atravessar numa faixa de pedestres, para ver o que acontece. Ninguém, mas ninguém mesmo, para, mesmo que você esteja com crianças ou seja idoso. E, se alguém de uma pista para, o da outra acelera. Mas, se por um desses milagres fantásticos, os dois automóveis pararem, cuidado, pois as motos (velociraptors?) passam por cima da gente.
Às vezes penso, comigo mesmo, que a luta contra os automóveis parece uma guerra perdida. Nós alimentamos estes bichos, lavamos com carinho no fim de semana, e até compramos brinquedos para eles ficarem mais bonitos. Tratamos os danados como filhos, que vão tomando nosso lugar, sem gratidão. Não é preciso ser nenhum gênio para perceber que as ruas não têm mais calçadas livres: se há pessoas demais, há carros mais que demais.
Vamos, a pé, continuar esta viagem: vejam, da mesma forma que, nos dias de hoje, é comum demolir casa para construir prédio, de modo a caberem mais pessoas, daqui a algum tempo, se bobear, estarão demolindo pequenos prédios (de moradores de baixa renda), para a construção de edifícios-garagem, pois os mais afortunados, e seus filhos, vão precisar colocar o carro novo em algum lugar, e as ruas já não oferecerão espaço suficiente. Se fizermos um levantamento, é bem possível que a sociedade já esteja gastando mais em oficinas (e todos os ramos do comércio ligados a veículos), do que em hospitais. Se descobrirmos que já estamos investindo mais na saúde do automóvel do que na do ser humano, é bem possível pintar por aí um Ministério da Saúde Automotiva. Quem sabe não seria a nossa vingança?

(Crônica: Sylvio Bazote / Adaptação: Jorge Marin)

domingo, 30 de janeiro de 2011

A CASA DA TIA IRINEIA - URGENTE!!!

Arte digital por Schae

Atenção, seguidores !
Na data da publicação do Capítulo 3 do causo A Casa da Tia Irineia, eu fiz a mudança dos arquivos do blog, para um outro computador. Nesta mudança, o texto que já havia sido postado, falando de confusões muito engraçadas ocorridas no dia do jogo do Brasil com a Itália, em 1982, foi substituído, no blog, por um resumo do tal jogo. Como muitos podem não ter conseguido ler a crônica original, sugiro que voltem no arquivo do dia 14 de janeiro, e curtam esses lances, não do jogo, mas daquele angu que foi o terraço daquela casa inesquecível.
Minhas desculpas pela falha, e boas risadas!

Jorge Marin

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A CASA DA TIA IRINEIA


Capítulo 5 - Final

Imaginem vocês na primeira visita na casa da namorada (ou do namorado). Aí pinta “aquela” vontade de ir ao banheiro. Vocês acabam indo – a dor de barriga estava insuportável. Lá dentro, após liberado tudo aquilo que os incomodava, vocês descobrem que... o papel higiênico acabou. Mas, o que tem isso com o nosso causo? É que, provavelmente, vocês usariam a célebre frase:
- Ih, to no c_ do Zé Isteves!
E quem nunca esteve?
Pois até na casa da Tia aconteceu. Pior do que Sexta-Feira Treze. Foi o Dia do C_ do Zé Istevis. Tenho certeza de que muitos ainda se recordam dele!
Tudo aconteceu quando, certa vez, fizemos uma festinha e alguns vieram a ultrapassar um “pouco” os seus limites. Sabem como é: entusiasmo de adolescente pode, muitas vezes, trazer algumas consequências. Mas, voltando ao fatídico orifício, só sei que o nosso encontro social começou a ficar meio fora de controle, e a brincadeira já nem mais se restringia aos limites da casa. Tia Irineia, inocentemente, sem sequer imaginar o trágico desenrolar da história, já havia até se recolhido.
Imaginem a vergonha que sentimos, depois do caso passado. Sempre reclamávamos dos nossos pais, que “nunca nos deixavam fazer nada”. Quando encontramos uma pessoa adulta, que confia em nós, o que fazemos? Pois é, aquilo mesmo!
Apesar dos desencontros, e desacordos, até que tudo estava na mais perfeita ordem. Até que...
Uma pessoa, que se sentiu incomodada, resolveu telefonar para a delegacia, e acionou o temível Jipão (lembram-se dele?). Seria hoje o nosso camburão. Aí, meus amigos, foi que nem inseticida no formigueiro. Foi gente saindo para tudo que é lado. Na verdade, o Jipão, jamais apareceu, ao contrário da galera, que desapareceu como num passe de mágica.
E pra voltar lá depois? E como encarar a Tia?

Mas, como sempre, voltamos. E voltamos muitas vezes, e muitos foram os casos que lá aconteceram, mas que, lamentavelmente, não sou capaz de lembrar. Quem sabe um comentarista me ajuda?
Gostaria também de citar alguns nomes de amigos e amigas que, assim como eu, tiveram o privilégio de viver momentos tão felizes na casa da Tia Irineia. Mas prefiro ficar devendo, pois poderia esquecer o nome de alguém.
Para finalizar, queria apenas dizer que fomos, realmente, uma Grande Família e que, como todo show, tivemos estreia, performances, destaques e, infelizmente, o último espetáculo.
Lembranças ficaram, e ficarão para sempre, pois o tempo não será capaz de impedir que cada um de nós carregue, no coração, um poucochinho daqueles momentos tão felizes.
Foram momentos inesquecíveis. Às vezes, deitado no sofá, esperando as “crianças” voltarem da rua, volto àquela paisagem: Tia Irineia passa de mansinho enquanto estamos ali, tocando violão; Márcio mostra um novo acorde, Euci assiste a televisão, enquanto Ilko rabisca um mangá num caderno de ciências. Vou viajando leve até que o Rajá passa feito uma bala, e eu acordo. Que saudades! Quantas amizades sinceras! Quantas pessoas que verdadeiramente se gostavam...

Carinhoso abraço em cada um de vocês.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

VAMO FAZÊ KAIZEN, NON?

Ilustração do site www.cultura-japonesa.blogspot.com

Aquele texto do Sylvio sobre Vida Medieval me fez lembrar minha carreira profissional. Sim, meus amigos, eu cumpri os tais 35 anos. E, pior, como bancário. Poderiam perguntar: o que leva alguém a querer ser bancário. Hoje, 38 anos depois, eu sei: é porque eu não aprendi a tocar nenhum instrumento. Diferente dos meus colegas do Pytomba, eu não tocava nada, e não cantava nada também. Na verdade eu não queria ser músico: eu queria é pegar aquele monte de meninas que eu achava que eles pegavam. Depois, um dos componentes me disse que não pegava mulher por causa da música, e sim porque tinha carro. Naquela lógica, esta sim bem medieval, pensei: todo bancário tem carro. Logo...
Bem, a dura realidade foi que tive que vender o carro pra comprar casa, comida, fraldas, estas coisas.
Um dia, sentado na minha mesa (depois inventaram as bancadas), chega o meu gerente com uma novidade:
- Agora vamos fazer o Kaizen.
Ficamos intrigados com aquela palavra. E o gerente, com toda aquela pose, começou a nos explicar que era uma palavra japonesa que significava “mudança para melhor”. Um gaiato perguntou: vamos ter aumento? Mas o gerente continuava, maravilhado, sua explanação. Meu padrinho, Manuel Florindo, que viveu na época dos escravos, me dizia que gerente é o mesmo que feitor, ou seja, aquele cara que toma café com o coronel e depois vai “gerenciar” os escravos. Em suma, é o que suja as mãos.
A partir daquele momento, teríamos que nos habituar, pois o banco adotara a Teoria dos 5 S. Então, tivemos que decorar que faxina chamava Seiton, eliminar o desnecessário era Seiri, manter limpo era Seiso, higiene era Seiketsu, e a disciplina era Shitsuke. Introjetei tanto aqueles princípios que arrumei até uma seitoneira para fazer faxina lá em casa. Um gozador, sempre tem um, dizia que, para ele mudar pra melhor, os 5 S seriam: sexo de manhã, sexo de tarde, sexo de noite, sexo casual e sexo domingo à tarde (depois do futebol).
Mas, como sempre fui muito obsessivo, fui escolhido para ir a Belo Horizonte, treinar a teoria, sob a assessoria de um mestre japonês, legítimo, vindo direto do Japão. Este mestre não falava uma palavra de português, mas tinha uma tradutora que o acompanhava em todas as palestras. Eu só o encontrei sozinho uma vez, e justamente no refeitório. Como não havia lugar, tomei coragem e resolvi sentar junto com o mestre. Cheguei meio reticente, e, pra ele não achar que eu era muito burro, tentei arranhar um inglês:
- May I sit?
O cara levantou-se, olhou firmemente pra mim (pensei, ih, falei esta droga errado!). Mas, para minha surpresa, ele levantou-se, fez aquela genuflexão que os orientais fazem, sorriu, e disse:
- Itada Kimasu, Itada Kimasu!
Para retribuir a gentileza, fiz o mesmo que ele e me apresentei:
- Jorge Marin, Jorge Marin!
Este ritual se repetiu mais uns dois dias, até que, comentando com um colega nissei que o velho mestre teimava em se apresentar todos os dias, o amigo me explicou que, na verdade, itadakimasu era “bom apetite” em japonês.
Envergonhado, mas disposto a reparar a minha gafe internacional, parti no dia seguinte para o refeitório, mas... Decepção, o mestre não estava lá. Quando eu já estava quase terminando minha refeição, para minha alegria, ele apareceu meio esbaforido e eu, com minha esperteza verde e amarela, levantei correndo da mesa, fiz a genuflexão, e lasquei:
- Itadakimasu, Itadakimasu!
Ele ficou muito surpreso, sorriu aquele sorrisinho amarelo dos japoneses, colocou o seu prato na mesa e, curvando-se, respondeu, num português meio enrolado:
- Jorge Marin, Jorge Marin!

(Crônica: Jorge Marin)

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

VIDA MEDIEVAL

Arte digital por !ottoman611

Entre notícias das enchentes (terríveis) e as últimas novidades do cenário econômico, vamos vivendo nossas vidas provisórias, como se fosse possível deletar o que já foi vivido, e seguindo um roteiro já escrito, personagens de uma novela – Nossa Vida – em que somos meros coadjuvantes. Mas, não tem que ser desta forma: existem opções, e há pessoas que não se sentem incomodadas em fazer o que a maioria considera reprovável por algum motivo.
Acredito que vale uma reflexão sobre as “exigências do mercado” ou o “preparo profissional contínuo”, como se ambos fossem algo real, concreto, um conjunto de pessoas que cedo ou tarde você vai encontrar e, quando o fizer, é melhor ter seguido a maioria das regras para não passar vergonha ou ter prejuízo. A sensação que tenho é que não basta apenas saber uma ou duas línguas estrangeiras, saber usar computador ou conhecer programas específicos que facilitem o trabalho, isto dentro de área que se atualiza constantemente, a uma velocidade impressionante. Não basta ser educado, ter noção de trabalho em grupo e saber respeitar os colegas: o ideal é que você seja um aglutinador (líder magnético) não ditador, que tem o raro dom de agradar a maioria das pessoas na maior parte do tempo. Deve-se praticar algum exercício físico e ter algum hábito artístico (pintura, poesia, etc.) para valorizar seu perfil profissional, dizem, embora sejam atributos desejáveis em qualquer pessoa que queira aprimorar sua sensibilidade como ser humano. Se fizer algum serviço voluntário, então melhor ainda! Todas estas expectativas, que não sei informar a origem ou veracidade, me cansam só de pensar. Quem embarcar nesse modelo pode separar uns 30 anos de vida para se preparar para entrar no mercado de trabalho. Eu, particularmente, prefiro me aposentar depois dos 30 anos, ao invés de finalmente estar com meu currículo pronto.
Me atrai, cada vez mais, a ideia de uma existência simples, onde eu identifique, e não abra mão, do que é essencial para ter qualidade de vida. O objetivo é evitar perder tempo e energia com coisas e pessoas inúteis. Não é derrotismo ou conformismo. Eu realmente estou aprendendo a viver bem, com cada vez menos e isto está me fazendo um bem enorme.
O que entendo por “vida medieval” pode ser traduzido como “vida simples”. É concentrar-se nas coisas essenciais para viver, como realizar uma atividade para ganhar dinheiro, ter um lugar digno (com higiene e tamanho adequado) para morar, comida saudável em quantidade suficiente para ter saúde e conviver com pessoas que gostem de você e que você goste delas. Só preciso destas quatro coisas, o resto é consequência ou turbulência, dependendo da hora e local.
Pode ser idealização, mas gosto de imaginar que, na Idade Média, as pessoas tinham noção de que sua vida provavelmente não seria longa (doenças, guerras, etc.) e,por isso, não “viviam para a aposentadoria”, uma vez que esta nem existia. Viviam para as realização e prazeres próximos. Aprendia-se uma atividade para viver (fazer calçados, roupas, ser pintor, agricultor, e por aí vai) e fazia-se isso a vida inteira, sem preocupar-se em cursos de especialização, MBA, mestrados ou outros aprimoramentos, a menos que fossem necessários para ganhos imediatos. Geralmente, encontrava-se uma pessoa para dividir a cama e a vida, comia-se, conseguia-se um lugar para viver, tinha-se filhos (aos quais era repassado o ofício) e fugia-se da morte enquanto fosse possível. As incertezas e as preocupações de autorrealização eram próximas das atuais, levando apenas em conta que, obviamente, um cotidiano diferente cria necessidades e soluções diferenciadas. Gosto da idéia desta vida tranquila e simples.
Talvez eu me arrependa no futuro, percebendo que segui um raciocínio e caminho errados, mas não vou gastar boa parte do tempo da minha jornada, neste lugar, entrando por caminhos que não me interessam, só para atender às expectativas de um conceito abstrato, como “sucesso profissional e pessoal”.
Após pensar sobre o assunto durante algum tempo, cheguei à conclusão que, para me sentir satisfeito e tranquilo, são necessários apenas os 4 aspectos que falei. Sugiro que cada um pense se realmente quer o que deseja (ou está tão somente indo junto com os demais), ou se precisa realmente do que quer. Se chegar à conclusão que, ao invés de uma vida medieval, você prefere uma vida digital, compre carro, casa e aparelhos que considera necessários para seu conforto e prazer, mas sabendo que foi você que escolheu aquele ritmo e direção, ao invés de seguir a manada por hábito.
Um último lembrete: a receita pode mudar com o tempo, acrescentando ou tirando ingredientes. Se o resultado estiver gostoso para você, cada um que busque o tempero que lhe agrade.

(Crônica: Sylvio Bazote / Adaptação: Jorge Marin)

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A CASA DA TIA IRINEIA

Arte digital por Enri Colonghin

Capítulo 4 - O Quarto do Pânico

NA SEMANA PASSADA, acho que ninguém conseguiu esquecer o fato, estávamos no terraço, perdendo para a Itália. Era uma dor, mas, de certo modo, não era um sofrimento, se é que vocês me entendem. Éramos jovens, estávamos em bando, fazendo uma bagunça louca, rindo.
Enquanto isso, na parte inferior da casa, uma pessoa sofria. Tia Irineia, pitando seu cigarrinho, olhava para a Igreja do Rosário e via algumas pessoas, poucas, descendo a rua e reclamando, alguns choravam. Ela sabia que, dali a pouco, aquele bando desceria e estaria na sua cozinha, procurando café, mexendo nas panelas e fazendo alvoroço. É extraordinário como algumas pessoas fazem com que a gente se sinta em casa, mas ela fazia mais: fazia com que desejássemos que a nossa casa fosse igual à dela.
A tia adorava nossas reuniões musicais. Aquelas mesmas que começavam no terraço, passavam para a escada, desciam para a varanda, chegavam à sala, à cozinha, escada do terreiro, para, no final, a gente nem mais saber pzra que estávamos reunidos. Deixávamos tudo para ser resolvido numa próxima reunião que, possivelmente, já estaria sendo agendada para o outro dia. E ela morria de rir!
E, por falar em escadas, por diversas vezes, a tia Irineia, chegou a comparecer em bailes do conjunto Pop Som, no Operário. Ficava sentada junto com a turma, bem ao lado daquela escadinha de acesso ao palco. E ali, enquanto se divertia, ficava acompanhando cada detalhe do conjunto.

Quem lê, nem pensa no Lado Negro da Força... Mas vocês se lembram do dia em que o Guilherme Bellini entrou no quarto do Márcio e viu que ele estava dormindo? Pois é, este nosso amiguinho, simplesmente, acendeu um rojão e arremessou debaixo da cama. E que explosão!!! O Rajá, ou Lobo, que estava também tirando uma boa soneca aos pés do Márcio, sem mesmo acordar, pulou a janela em um único salto, e foi parar no meio da rua. O violão voou longe e, por pouco, nós também. Digo nós, porque, até que se provasse o contrário, todos seriam suspeitos. Ainda bem que a tia não estava em casa nesta hora, pois o quarto chegou a tremer. Ante aquela fumaceira danada, que saía debaixo da cama, confesso nunca ter visto o Márcio tão bravo. Levantando alucinado, e ainda meio abobado, por pouco não deu uns bons “catilipás” no primeiro que encontrasse. Merecidos, diga-se de passagem.

Este quarto do Márcio, que era também do Ilko, sempre foi superdiferente, e chamava muita atenção. Pra começar, grandes pinturas foram feitas em quase toda a extensão da parede. Geralmente desenhos enormes, que eram feitos com muito carinho pelo Ilko. Verdadeiros trabalhos artísticos que despertavam a admiração de todos. O Ilko, desde muito jovem, foi abençoado por este belo dom. Um artista nato que, felizmente, ainda hoje, vem emprestando seu talento em vários trabalhos profissionais.

Assim vivíamos nossas vidas, com leveza, alegria e até às vezes acusados, injustamente, de irresponsabilidade. Hoje, vendo nossos filhos, a pergunta que devemos fazer é: como acusar os jovens de querer direcionar seus afazeres rumo à felicidade? O adolescente é, antes de tudo, um ser que coloca o corpo na frente. Não quero nem saber, dizem, fui... E vão. Quebram a cara às vezes (como quebramos), mas este é o momento certo de fazer as coisas erradas.
Mas, falando em coisas erradas, há um episódio que merece ser contado, e ficou conhecido como O C_ do Zé Isteves. Sinistro!!! Mas fica para a próxima semana.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

ENJOADINHOS

Cena do filme A Vida em Preto e Branco, da New Line Cinema

Filhos em férias e chuva. Existe uma receita melhor para enlouquecer?
Farelo de biscoito pra todo lado, DVDs esparramados, com a face de gravação para baixo (desespero de qualquer pai obsessivo), lápis de cor e de cera pelo chão só esperando alguém escorregar. Sem falar na briga para usar o computador. “Não é justo”, “sacanagem” e “já vou” são as expressões mais faladas.
Afinal, o que é isto chamado “ser pai” ou “ser mãe”? Dizem que é divino porque, na realidade, é a única coisa que fazemos igual a Ele lá, ou seja, é quando somos criadores também. Mas insisto que não é a mesma coisa, pois Ele, na primeira teimosia, deu logo um cartão vermelho pro casal. Eliminados! E sem paredão...
Não vamos tirar a razão do Pai, pois, se fosse hoje, com o preço das mensalidades escolares, querer adiar a entrada dos “figuras” no mundo do conhecimento até que seria plenamente justificável.
Mas, voltando ao assunto. Já que tive que parar três vezes até este parágrafo, primeiro para colocar um filme do Homem-Aranha, depois para consertar a espada laser do Luke Skywalker (desculpem, a espada é azul; então é do Ben Kenobi) e, finalmente, para conferir se aquela arcada dentária de uma dúzia de dentes está bem escovada.
E ainda tem aquela história do politicamente correto, que vem sendo abordada pelo Sylvio nas segundas-feiras. Hoje é muito comum, ouvirmos dos pequeninos: “se você me bater, eu ligo pro 190!” O fato é que aqueles de nós que andam pela casa dos cinqüenta já passamos momentos difíceis nesta história de maus tratos. Como vivíamos numa época em que as coisas eram resolvidas na base do cassetete, já levamos algumas bordoadas que, sinceramente, talvez fosse a passagem ao ato daquele ódio que normalmente habita em todos os lares.
Ódio? Espera aí, mas quer dizer que tem ódio dentro dos nossos lares? Felizmente, a resposta é sim. Os lares são formados, em sua maioria, por pessoas normais, pelo menos de longe. O resultado disso é um amontoado de sentimentos e desejos e frustrações e, lógico, muita alegria, espontaneidade e amor. O problema aí é o seguinte: sentir ódio de um filho, ou de uma mãe, ocasionalmente, é um atributo humano comum. Só que, naqueles tempos, os pais, respaldados pela autoridade (autoritária) que governava o país, achavam por bem tirar o pé do lodo (do ódio, das frustrações) e “virar a mão na orelha”.
É lógico que toda ação violenta gera uma reação de mesma intensidade e a geração seguinte adotou padrões de comportamento extremamente liberais. É o chamado tempo da Psicologia, embora eu nunca tenha estudado, dentro daquela matéria, nenhuma proibição expressa do pai exercer o seu papel, de expressar sentimentos e de agir com firmeza.
Assisti a um filme de 1998, chamado A Vida em Preto e Branco, onde dois jovens, o homem-aranha Tobey Maguire e a loura Reese Whiterspoon, são arremessados dentro de um antigo seriado americano chamado Papai Sabe Tudo (muita gente aí vai dizer que não lembra pra não dar bandeira da idade). A confusão é grande, a começar pelo conflito das cores, pois o seriado é em preto e branco, e os dois adolescentes são coloridos. Estes acabam implantando, no fictício mundo certinho, além das cores, uma boa dose de sabor, desejo e pecado.
Talvez nossa missão, nós do tempo do “Papai Sabe Tudo”, seja o de trazer um pouco de ordem, de limites e de seriedade para a cena familiar atual. Mas, lógico, sem abrir mão das cores, das nuances que já estão por aqui.
Afinal, sabemos, como Vinícius de Moraes, que “chupam gilete, bebem xampu e ateiam fogo ao quarteirão. Mas que coisa, que coisa louca, que coisa linda que os filhos são.” Mas haja paciência!

(Crônica: Jorge Marin)

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

GLOBA(NA)LIZAÇÃO

Arte digital por Chris Larson

Continuando a reflexão sobre o “politicamente correto” ou “politicamente (in)correto”, ficamos algumas vezes órfãos, já que é um campo muito vasto em situações concretas e hipóteses, tanto engraçadas quanto sérias. O que não devemos fazer é nos deixar levar pelo “comportamento de manada”, sem refletir. Identidade cultural ou de geração não é algo sem importância, que se abre mão como se fosse uma roupa fora de moda, para agradar as tendências modernas e modernistas. Temos que agir baseados em reflexão e escolha, não culpa e desinformação.

Para concluir o assunto, e seguindo nesta linha, temos outro conceito que virou religião: globalização. Assunto sério. Lendo uma matéria sobre história, adorei um jogo de palavras sobre o assunto. O texto falava sobre TRADUÇÃO X TRADIÇÃO no que diz respeito à globalização. Tradução seria incorporar conceitos que se tornaram “universais” sem perder a essência das ideias e hábitos da cultura local. Tradição seria o enfrentamento deliberado de novas influências, por considerar suas ideias e modo de vida bons o suficiente para que não queira se tentar viver de outra forma.
Ambos têm desdobramentos: a TRADUÇÃO pode ser ruim, a partir do momento em que uma sociedade, como entendo ser o caso do Brasil, é aberta a toda influência que é mostrada como da moda ou moderna. Nesse caso, a falta de questionamento acaba levando a uma despersonalização, que torna esta sociedade fragilizada e manipulável, perdendo uma base de valores morais e práticas cotidianas que possibilitam uma vida social mais estável e tranquila (os valores tradicionais passam a ser encarados como antiquados e desvalorizados). Na Tradução, bom mesmo é viver constantemente uma vida com a agitação do cinema, onde, em duas horas, a pessoa viaja pelo mundo inteiro, mata dezenas, anda por terra, mar e ar e, se bobear, ainda conhece outros planetas e dimensões. Nesse contexto, aquela receita de família ou dança típica da cidade é “coisa de velho”, que descarta-se sem perceber e pensar, buscando sempre os próximos lançamentos (de filmes, roupas, valores), uma vez que tudo é, de algum modo, questionável e descartável.
A TRADIÇÃO também pode ser ruim, se for motivada pelo radicalismo da ignorância motivada por política ou religião. Outra possibilidade é a arrogância de sentir-se superior ao que é novidade, como, por exemplo, um americano recusar um remédio apenas porque este tem origem na Bolívia ou em algum país africano.
Resumindo: a globalização (modernização) não pode ser usada como uma cruzada, onde tudo tem que ser abandonado ou tudo tem que ser evitado. Na relação entre tradição ou tradução de novas ideias e tecnologias, temos que ter o senso crítico (individual), de sabermos o que somos e do que precisamos. Se meu celular antigo atende à minha necessidade, por que me envergonhar por não possuir um 3G ou 3D?
Se a roupa com a qual me sinto confortável é feita com algodão e boca de sino, não vou ter que usar bermudas de nylon com 10 bolsos, só para me sentir um cara de primeira idade, apesar de estar na terceira. Antes, existiam carros novos e usados. Globalizaram tudo e “usado” virou “seminovo”. As pessoas passaram a não querer mais envelhecer, nem que para isso tenham que abrir mão da sua alma (essência), à base de plásticas desnecessárias e comportamentos nos quais não se acredita, mas que são adotados porque a maioria (será?) afirma serem os mais corretos. Com 60 anos, não serei uma pessoa seminova, serei um velho! Espero que um velho saudável, produtivo e “sapeca” (termos regionais também são incompatíveis com o dialeto globalizado). Mas faço questão de me declarar velho. Não há nenhuma vergonha em envelhecer, como a mídia mostra (e os medíocres acreditam). Envelhecer é inevitável, mas parece que só fica velho quem não investiu em plásticas e roupas corretas. Se a pessoa gosta de andar devagar ela não é mais vista como tranquila e sim ultrapassada, lerda. No mundo da banda larga, parece que a sensibilidade está cada vez mais estreita.

(Crônica: Sylvio Bazote / Adaptação: Jorge Marin)

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A CASA DA TIA IRINEIA

Capa do Jornal da Tarde de 5 de julho de 1982

Capítulo 3: Chora, Toninho Cerezzo!

NA SEMANA PASSADA, era jogo do Brasil na Copa da Espanha, e a Tia Irineia, seu cigarrinho e seu cachorro, esperavam o desenrolar do jogo Brasil e Itália. Pra quem não se lembra, o ano era 1982, nosso técnico Telê Santana. O Brasil havia vencido a Argentina (como é bom!) por 3 x 1, e, como a Itália também havia vencido os hermanos por 2 x 1, jogávamos contra a Azurra pelo empate. Mas, logo aos cinco minutos, vem um cruzamento da esquerda e o maledetto Paolo Rossi (que tinha 1,77 m e nasceu no mesmo mês e ano que eu) cabeceou dentro do nosso gol. Partimos pra cima, e empatamos com um gol do Doutor Sócrates. Mas aí, Cerezzo toca para o lado, Falcão não vai na bola achando que o Luisinho ia, e este também não vai, mas o Paolo Rossi vai e, 2 x 1 para a Itália.
Fim do primeiro tempo e aqui começa nossa escatológica história: nessa hora angustiada, um torcedor, agoniado, resolveu dar uma descidinha para ir ao banheiro. Quando estava sentado no vaso, dando aquela “relaxada”, sentiu uma fumaça estranha que vinha meio que assim debaixo dele. Naquela altura do campeonato (e olha que era copa do mundo), já com a adrenalina à flor da pele, imaginem o susto do nosso nobre colega. Segundo ele, que por sinal, ficou bastante assustado, seria normal a “coisa” ser arriada meio quente, mas com fumaça certamente era um exagero. E o que é pior, com odor de parafina. Nem se eu tivesse engolido um dos nossos foguetes, pensou ele, já em pânico.
Final da história, para não atrapalhar o andamento do jogo: atrás do vaso sanitário, foi encontrada uma imensa vela que, ainda acessa, tentava a todo custo secar o atacante Paolo Rossi. Suando em bicas, e carregando a vela na mão, nosso amigo cagão subiu rindo as escadas, a tempo de ver o gol do Falcão. Num ataque patriótico de alegria, jogou a vela pra cima, e deu no que deu: seis minutos depois, Rossi, aquele que deveria ser secado pela vela, desvia uma bola do escanteio e engana Waldir Perez. 3 x 2 para a Itália. Nosso amigo lembra até hoje: sei que a culpa foi minha, mas aquela vela, que era para secar o ataque da Itália, quase sapecou a minha retaguarda, justifica.
Normalmente, o time de futebol do Pytomba se concentrava na casa da Tia Irineia. Principalmente, se algum jogo fosse no campo do Operário ou Polivalente. Era lá que aconteciam memoráveis preleções: muita música, cafezinho, bate-papo, uma boa cochilada e tal. Só não falávamos de futebol. E, se desse mole, era bem possível esquecermos até do jogo. Se bem que, normalmente, quase sempre chegávamos atrasados. Confesso que, em algumas vezes, era bem melhor ficarmos na sombra assistindo à sessão da tarde, do que sujeitar-nos a subir a pé o resto do morro debaixo daquele sol escaldante. Após o jogo, ao descermos a colina do Rosário, ainda dávamos outra passada por lá, e por lá muitas vezes ficávamos. Se o Papa estiver lendo o nosso blog, vai querer beatificar a Tia, com certeza!
Além dos violões (interessante é que, mesmo havendo um no local, gostávamos sempre de levar os nossos), o Márcio, vez ou outra, “sequestrava” o contrabaixo do conjunto Popsom, juntamente com aquele famoso aparelho Tanderson da Giannini, para ficar ensaiando em casa. Numa dessas vezes, aproveitamos e montamos uma bateria, bem no quarto da Tia Irineia. Aí vocês já imaginam! Essa já dava canonização!
Interessante era que os nossos ensaios, acidentalmente, sempre aconteciam em horários de colégio. Pura coincidência, mas isto sempre acontecia!
Se não estou enganado, esta mesma bateria que, teria sido comprada pelo Márcio em Cataguases, foi ainda, novinha em folha, fazer sua estreia em Argirita, na Fazenda Vitória. Com a grana do baile, pagamos uma ou duas prestações. O restante... Bem... Esta é uma outra história. A única coisa que tenho certeza é que teria sido a primeira e última vez que ela foi usada. Ah, e eu não consigo esquecer a defesa impossível que o Dino Zoff fez naquela cabeçada do Oscar!

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

SOBRE O ÓCIO

Arte digital por Shauna

Domingo, meio-dia, com o som do Emmerson Nogueira no MP3 player, estamos, eu e minha esposa, trabalhando febrilmente num projeto: empacotando chup chup para o filho em férias. Meus filhos mais velhos chegam e me corrigem: trabalhando? Mas você não trabalha desde que você se aposentou. Isto que você está fazendo é pura diversão. Paro o meu trabalho (porque é trabalho!) para explicar, primeiro, que aposentadoria não tem nada a ver com parar de trabalhar. Aposentadoria é um acordo pelo qual eu pago mensalmente uma determinada quantia ao estado e este, se o Fernando Henrique não estiver na presidência, me remunera também mensalmente até o fim da minha vida. Ou seja, só porque me aposentei, não significa que eu deva parar de trabalhar. Até mesmo na minha antiga empresa eu trabalhei aposentado.
A segunda observação é que trabalho não tem nada a ver com salário, ou com patrão. Fazer a sobremesa é um trabalho, levar os filhos ao shopping é um tipo de trabalho (e como dá trabalho!). Às vezes, fico impressionado com aquelas chamadas donas de casa, ou do lar: passam o dia lavando, passando, varrendo, arrumando o marido e os filhos, cozinhando, fazendo feira e, se por acaso, não têm um trabalho remunerado, as pessoas perguntam: mas você não trabalha não?
Depois que me aposentei (já avisei ao Serjão para se preparar), são muitas as pessoas que se aproximam de mim e perguntam: você aposentou mas não vai fazer nada? Como se fosse imoral não ter que produzir alguma coisa que gere lucros. O escritor italiano Domenico de Mais criou o conceito de ócio criativo, que é um conjunto de atividades que conseguem congregar descanso, lazer, trabalho e aprendizagem. Na verdade, a pessoa que vive bem, não diferencia muito entre trabalho e lazer, entre estudo e recreação, e até mesmo, segundo o referido autor, entre amor e religião. Ou seja, busco fazer o melhor. Definir se sou trabalhador ou vagabundo, é problema dos outros.
Esta confusão toda tem sua explicação na Grécia Antiga que separava o trabalho intelectual do trabalho braçal. O trabalho intelectual era próprio aos cidadãos gregos, e incluía a dedicação às artes, ao governo, às ciências e ao lazer. Este tipo de trabalho era denominado ócio porque não envolvia nenhuma atividade braçal. Esta, como negava o ócio, era chamada de negócio, e envolvia toda esta história de produção, salário e toda a ralação envolvida. Eram atividades destinadas às chamadas classes inferiores, aos não-cidadãos e aos escravos.
Conclusão: cinco pra meia-noite e eu escrevendo o blog. É trabalho? Eu mesmo não sei: às vezes é pura diversão, mas é uma alegria que vem justamente da realização deste trabalho. E, enquanto vou exercendo este ócio, vou aprendendo e me divertindo. Aqui, no cinema, num teatro, ou lendo um livro, tudo é trabalho, mas também é diversão, e aprendizagem.
Um filho de carpinteiro, que conhecia também do ofício, além de ser profeta, pescador, mestre (Jesus) e, nas horas vagas, salvador da Humanidade dizia: “Tudo o que a sua mão encontrar para fazer, faça-o com todo o seu coração.” Portanto, mãos à obra, mas com muita calma nesta hora!

(Crônica: Jorge Marin)

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

BIODESAGRADÁVEIS

Arte digital por Air'yn Cochrane

Na semana passada, falei aqui sobre a questão do “politicamente correto”, ou incorreto. É lógico que, a esta altura da vida, não vou assumir uma postura de ser contra tudo e todos. Mas acho muito importante termos em mente que, face a tantos discursos que se dizem corretos, é vital exercermos a arte da crítica, e não nos deixarmos levar por modismos criados em nome do bem-estar global, paz mundial e outros.
Por exemplo, uma coisa, que entendo séria e preocupante, são os “fiscais da sustentabilidade”. Antes eram os “fiscais do Sarney”, que se sentiam no direito de apedrejar qualquer um que estivesse como uma etiqueta na mão, por considerá-lo um antipatriota. Esse é um assunto que mereceria em enfoque engraçado e um sério, para causar reflexões sobre o radicalismo e desrespeito que isso pode gerar no presente e no futuro. Se bobear, daqui a algum tempo, os “xiitas do Greenpeace” vão se sentir no direito de realizar “atentados ecológicos” contra essas pessoas que insistem em lavar a calçada. Não tenho nada contra o trabalho do Greenpeace, mas tudo contra qualquer tipo de radicalismo em nome de uma causa.
Me preocupa o fanatismo: quem soltar um “pum” pode ser apedrejado por estar aumentando o buraco na camada de ozônio, com emissão de gases (pelo menos não vão queimar o porcão – ou porcona - como na Idade Média, porque isto estaria contribuindo para o aquecimento global). A ecologia tem certamente um importante papel na preservação da vida e até mesmo no relacionamento humano, mas corre um sério risco de estar se transformando numa espécie de religião. Teríamos “cruzadas verdes” ou “cruzadas ecológicas” para converter, à força, aqueles que não estão a fim de salvar o planeta, trocando “Deus” por “natureza” e “divino” por “sustentável”.
Repito que as preocupações com as mudanças no planeta são válidas e importantes, mas a falta, ou distorção, de informações é um campo vasto e fértil para que nos deixemos coibir ou enganar. Hoje, tudo se diz “sustentável”. Já pago impostos para caramba (até demais) e querem me obrigar a tomar banho rápido e fechar logo a água. Eu sei que o desperdício é ruim para todos, mas, por favor, deixem-me relaxar um pouco. Quero ter o direito de exercer o meu bom senso!
E, vamos combinar: é muito exagero e muitas regras. O que aparece de gente dos mais diversos tipos, com todo tipo de solução e modos de vida (para a vida alheia) é brincadeira. Já inventaram que o correto é urinar dentro do box, para economizar a água da descarga. E o que virá a seguir? Será que o uso do papel higiênico, após as necessidades (naturais), será considerado antiecológico porque está gerando uma grande quantidade de papel que não pode ser reciclado? Teremos de lavar as “partes”? Mas aí não vamos gastar mais água?
Já sei o que me dirão os militantes da causa verde: Afinal, não custa um pequeno sacrifício em nome de uma causa maior! Vejam o perigo dessa afirmação, pois ela já justificou grandes equívocos na história da Humanidade. Imaginem a quantidade possível de situações, ao mesmo tempo, sérias e engraçadas, que surgem deste politicamente correto sustentável. Daria para escrever um livro inteiro. Coisas do tipo: lave suas camisinhas e dobre-as para o futuro, pois elas demoram 1000 anos para serem absorvidas pela natureza (posso afirmar 10.000 anos, pois a maioria das pessoas não terá interesse ou condição de comprovar a informação), mas se sentirão, de algum modo, pressionados (será que eu sou culpado inadequado neste mundo de pessoas sustentáveis?).
O preocupante é que, como a causa ecológica é nobre (e é mesmo), qualquer sugestão, por mais estúpida que seja, é recebido como uma ideia revolucionária, a ser seguida fielmente, e sem questionamento, por todos. Mas, temos que pensar que, entre toda multidão de moralistas, existem os fanáticos, os infelizes, os frustrados e até os perversos, loucos por uma desculpa para exercitar o seu ódio. Uma causa que é maior do que um individuo isolado, é um excelente álibi para ferrar o próximo.
Para finalizar, dando minha contribuição à causa da sustentabilidade, prometo me manter o mais longe possível de qualquer tipo de pessoa biodesagradável que cruzar o meu caminho. Mas, sem radicalismo: eu até votei na Marina!

(Crônica: Sylvio Bazote / Adaptação: Jorge Marin)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A CASA DA TIA IRINEIA

Arte digital por R. E. Schultz

Capítulo 2: Um baile bom pra cachorro

NA SEMANA PASSADA, estávamos na paz: após filar aquele cafezinho, filávamos também um cigarro e até o violão do Márcio.
Por falar desse violão, que era um Rei, coitado dele! Vocês acreditariam se eu dissesse que um de seus bichinhos estimação, que era o cachorro Rajá, quase que devorou um pedaço dele. Ou era o Lobo Bobo? Aquele mesmo cãozinho de rabo branco, e o resto do corpo também. Por sinal, o grande sucessor do Rajá.
Bem, só sei que de dentadas em dentadas, um de nossos caninos ia, homeopaticamente, a cada dia, roendo um pouquinho mais. Eu nunca havia visto cachorro brincar de cupim, mas o Rajá (ou o Lobo) brincava! Garanto que não era fome, pois sou testemunha de que os bichos eram muito bem tratados.
Riamos muito também, quando o mesmo Rajá, após sair em disparada morro abaixo, geralmente atrás de um gato, ao chegar à esquina não conseguia frear e muito menos fazer a curva. Cantando pneu (raspando o bumbum no passeio), continuava em linha reta e, após atravessar a rua beirando uns cem por hora, ia parar quase na portaria dos Trombeteiros. Um autêntico mascote pytombense!
Por sinal, esta família do Rajá era o maior barato, pois chegaram até a nadar na bacia que estávamos usando para lavar os copos, em uma das vezes em que o Pytomba fez um baile no terreiro.
Falando em baile, modéstia à parte, esta noite foi uma sensação e motivo de comentário por muitas semanas. Tudo foi superorganizado, apesar do nosso descuido em deixar que os cachorros nadassem na bacia dos copos. Ninguém é perfeito!
Chegamos até a adaptar nas árvores vários spots, o que deixou o terreiro com um tremendo visual. Deixamos o ambiente todo colorido.
O lugar ficou lotado e, se tivéssemos cobrado ingresso, teríamos faturado uma boa grana naquela noite. Pintou gente de tudo quanto é lugar. Até um barzinho foi improvisado logo abaixo do pé de ameixa, pois lá era servida uma deliciosa batida de limão.
Também foi nesta noite que tivemos a infeliz idéia de montar um palco com o tablado da dona Mariana. Este hilariante episódio, que deu muito o que falar (e ouvir), já foi abordado em um dos posts no inicio do blog.
Tia Irineia vivia achando graça de nossas maluquices, mas também era superdivertida. A única pessoa da qual não filávamos nada era o meu cunhadão Élcio, o filho mais velho da tia que, nesta época, morava em Belo Horizonte. Pessoa muito querida e presente sempre que possível, saiu de casa ainda jovem para buscar a vida profissional na capital. Ainda bem, para ele, pois não teve que aturar nossas invasões.
E bota invasão nisso... Se era dia de jogo do Brasil na Copa do Mundo, aí é que a coisa pegava fogo mesmo. Ficava sem lugar. Enquanto subíamos todos para o terraço, a tia ficava sozinha, dentro de casa, andando de um lado ao outro, sempre acompanhada de seu inseparável cigarrinho, além, é claro, do Rajá. Ou seria o Lobo? E desta forma ela permanecia: da cozinha pra janela e da janela pra cozinha, até que o jogo terminasse.
NA PRÓXIMA SEMANA: Brasil na copa da Espanha 82, a tragédia lá, no Sarriá, e outra tragédia aqui, no banheiro... Não percam!!!

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

QUE FALTA ME FAZ O XODÓ!

Digital art por Kyuubidreams

Semana passada, quando o Serjão relembrou o som do Yes, me veio à mente um outro ponto de encontro, muitas vezes omitido de nossas paisagens passadas. O Bar Xodó, ali na Rua Duque de Caxias, em frente à Padaria do Hildebrando, foi onde surgiram, em nossas vidas, todos esses sons fantásticos. Foi lá que eu conheci o Yes, o Jethro Tull, o Emerson Lake & Palmer, o Genesis, o Pink Floyd e tantos outros.
Dia sim, outro também, lá estávamos, junto com o Vicente, conhecendo algum novo LP (que saudade do vinil!). Eu era tão fanático que saía emprego, na hora do almoço, e dava uma passadinha por lá, com meu amigo Gilberto Bertolini, para escrevermos poesia nos guardanapos.
À noite, éramos uma só tribo, com camisetas curtas, calças jeans e botinas. As meninas não vinham tão “armadas” como vão hoje aos bares. O look era simples, cabelos soltos, pouca maquiagem e também bebiam menos. Apesar de serem para quatro pessoas, todos circulavam pelas mesas dos outros e iam até o toca-discos substituir o som. O Bellini, como sempre, fazia a coreografia das músicas, e sabia qual era a faixa boa.
Escrevo este post da mesma forma como nos comportávamos no Xodó: sem planos e sem pretensões. Engraçado é que eram os Anos de Chumbo, mas éramos tão leves. Alguns chegavam a voar e tínhamos de levar em casa, bater na porta, deixar a “encomenda” e sair correndo, para não levar esculhambação das mães, que achavam, como hoje, que os excessos dos filhos eram culpa nossa, das más companhias.
Para não voltar rápido para casa, traçávamos rotas totalmente bizarras, como passar em frente ao cinema, ao tiro de guerra, dar aquela esticada na pracinha do Coronel, bater um papo no murinho do Adil, outro no Correio e até na beira do córrego, em frente à casa do Serjão.
Era muita conversa, muito riso e muitos sonhos.
Hoje, nestas lembranças, percebo que não há motivo algum para não continuarmos leves. Se falta juventude (e vejam que não falta porque nossos filhos estão por aí) sobra-nos humor; se falta aventura, sobra-nos conhecimento e, se falta dinheiro, naquele tempo também faltava. Talvez nos falte Xodó. E um pouco mais de vinil, quem sabe?

(Crônica; Jorge Marin)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

POLITICAMENTE (IN)CORRETO

Digital art por Irene Pakhomoff

Para início de conversa, quero dizer que, aqui no blog, me sinto em casa: adoro rock, sou baterista de uma banda que, a exemplo do Pytomba, também foi sem nunca ter sido e gosto de reviver os momentos do passado, sem saudosismo, mas com aquela certeza de que, se chorei ou se sorri, é porque sou humano mesmo.
Porém, uma ideia que eu gostaria de discutir aqui é a minha convicção em ser “politicamente (in)correto”. Por isto entenda-se a minha absoluta falta de vontade em me conformar com os modismos que considero inúteis, como:

- Reforma ortográfica (não vi nenhuma vantagem, mas quem quiser fazer concursos, terá que estudar esta palhaçada de intelectuais que não têm nada melhor para fazer). Cada país tem sua língua e não percebo a Inglaterra e os EUA preocupados em padronizar isso ou aquilo no inglês. Pelo contrário, parecem gostar de mostrar suas diferenças e características.
Na carona da reforma ortográfica, vem a mudança desnecessária de nomes de parte do corpo humano. Maxilar virou mandíbula, o osso do joelho e alguns outros mudaram de nome. Chatice inútil.

- Já se tornou ridícula esta mania de aumentar cada vez mais a maneira de se dizer uma mesma idéia, com a finalidade de não ofender. Poderia se criar algumas situações ótimas sobre isso. Exemplo: antes, você falava que uma pessoa era cega (e isso não era uma ofensa, apenas uma forma de definir). Depois, o “cego” tornou-se “deficiente visual”, depois, “pessoa com necessidades visuais especiais”, depois, mudando seis por meia dúzia, tornou-se “portador de necessidades especiais visuais” e por aí vai. Tem outros casos parecidos. O que antes era definido com uma ou duas palavras, em breve será necessário uma frase ou pequena redação, algo do tipo:
“cego” = “ser humano que, a princípio, demonstra algum tipo de necessidade ou pequena deficiência visual que, a qualquer momento, pode não mais existir e merece tratamento especial, porém igualitário e respeitoso, visto que sua atual condição em nada o desmerece”.
Chamar alguém de “preto” ou “criolo (crioulo)”, no atual momento “afro-brasileito”, revisionista e desculpista, então, tornou-se, literalmente crime, tanto legal, como moral e talvez espiritual. É capaz de você apanhar e ser excomungado, como se estivesse entre as pessoas mais vis e desprezíveis da raça humana. Ficaria algo assim: se alguém lhe pede informação onde seria tal lugar e, como referência, tem um negro na porta, ao invés de você, despretensiosamente, falar: “ali onde está aquele negro na porta”, seria politicamente correto talvez dizer: “ali onde está aquele afro-descendente que tanto contribuiu e contribui para a formação da identidade nacional e fortalecimento da nossa economia, às custas do sangue e suor de seus antepassados e sofrimento desnecessário e injusto de seus contemporâneos, na porta”.
Também não vou deixar por menos! Se algum crioulo me chamar de branco, vou meter-lhe um processo judicial no nariz largo, para ele aprender a não insinuar que a menor quantidade de melanina na minha pele deprecia minha condição de ser humano, considerando que há, nesta afirmação, uma nítida conotação subentendida de que meu órgão sexual é menor do que o dele e de que algum parente distante meu, no passado, deve ter sacaneado, de alguma forma, sua avó ou bisavó, o que causou o empobrecimento de sua família atualmente e diminuiu a capacidade intelectual de seus filhos devido a uma alimentação inadequada.

Na semana que vem, quero falar de uma outra imbecilidade, chamada “sustentabilidade”.

(Crônica: Sylvio Bazote)

FELIZ BLOG NOVO!!!

Digital art por Annalisa

Iniciamos o ano de 2011 com uma certeza absoluta: quanto mais envelhecemos, mais dúvidas temos. Quando iniciamos o blog, em abril de 2009, não tínhamos certeza da forma que iria ter, nem da ordem das matérias, nem nada.
Quando o blog completou 20.000 visitas, no final do ano passado, ainda não sabíamos para onde estávamos indo.
Agora, no comecinho de 2011, relaxamos, adotamos, de vez, o let it be e vamos que vamos!
Resolvemos dar uma repaginada, e lançar mais uma sessão, que começa hoje: PALAVRA DOS SEGUIDORES. Afinal, quando fizemos aquela alusão sobre 20.000 pessoas que vinham tomar um cafezinho conosco, era mais do que justo que fizéssemos o que é usual; OUVIR NOSSOS INTERLOCUTORES.
Vamos ouvir, nas próximas semanas, ideias do Sylvio Bazote, um dos nossos primeiros seguidores, que faz, segundo suas palavras, “um trabalho de arqueologia intelectual”, onde trata de temas presentes em nosso dia a dia, que, às vezes, nos incomodam e que acabamos incorporando como “normais”.
Pretendemos manter este espaço que, reiteramos, É ABERTO A TODOS os que nos ajudam a construir este blog.
FELIZ 2011!!

BRIGADU, GENTE!

BRIGADU, GENTE!
VOLTEM SEMPRE, ESTAMOS ESPERANDO... NO MURINHO DO ADIL