quarta-feira, 29 de setembro de 2010

ELEIÇÕES 2010: A HORA E A VEZ DOS PALHAÇOS



Calma, gente! Quando digo “palhaços”, não estou querendo falar de nós, eleitores. Acredito que tal comparação seria extremamente injusta... para os palhaços! O fato é que, mais uma vez, somos chamados a eleger os nossos governantes, e a mídia está se debatendo com o dilema da candidatura de um palhaço semianalfabeto. Há também uma candidata brotada na rica fauna das mulheres-fruta, também iletrada.
Ora, será que a questão aqui é a profissão dos postulantes? Ou será que é a escolaridade? Não acredito em nenhuma das duas hipóteses. Afinal, o nosso atual presidente é retratado pela imprensa como um homem de poucas letras e, no entanto, atingiu um nível de expressão internacional que nenhum político brasileiro teve antes. E também não acredito que o motivo das restrições seja a profissão, pois não vejo nada indigno na profissão de palhaço, nem de fruta. Então, o que seria?
Sabemos que a política é um jogo de interesses fantásticos e, portanto, se o tal palhaço conseguir a votação que dele é esperada, vai levar junto com ele, via legenda, uns quatro ou cinco deputados de um obscuro partido político. Então, a questão não é a bagagem cultural do palhaço (não vou nem falar da bagagem da mulher-fruta): a questão é que interesses maiores, leia-se aí interesses dos megapartidos, estariam sendo contrariados.
Pois a política se transformou nisto, num continuísmo irritante, num tedioso jogo de cartas marcadas. Em cada cidade que analisamos os candidatos, o que descobrimos? É o Doutor Fulano, ou o Filho do Doutor Fulano, ou o Empresário Tal, ou o Sindicalista Tal. E todos, mas todos mesmo, tentando a re-re-re-re-reeleição. Porque, na verdade, o político é isso mesmo: um político, nada mais. Ou alguém aí pensa que o Lula é torneiro mecânico, ou que o José Serra é médico? Eles podem, quando muito, ter exercido estas profissões, enquanto suas carreiras políticas não decolavam. Ou seja, eles são tão empregados, quanto o Renato Aragão é advogado. Vejam só, de novo, o palhaço!
Eu, a princípio, não vejo nada errado nisto. Em nossos ambientes de trabalho, há pessoas com foco no trabalho, outras com foco nos clientes, e outras com o foco na política, seja a política interna da empresa (eram chamados de puxa-sacos, e hoje de divulgadores do marketing pessoal) ou então a política mais geral. Muita gente, acusa estes políticos de vagabundos (assim como FHC chamou os aposentados), mas eu, por exemplo, que tenho a maior preguiça da militância política, acho que nós precisamos deste tipo de pessoa para fazer as leis e defender nossos interesses no cenário nacional.
Assim como não tenho a menor vontade, nem disposição, para sair por aí fazendo discurso, levantando bandeiras, e fazendo conchavos com meus inimigos, eu me limito a votar. Votar, dirão uns, “mas eu prefiro anular meu voto.” E aí eu não concordo, primeiro porque acho que um adulto anular seu voto é mais ou menos como a gente fazia na escola quando, no dia sete de setembro, inventávamos uma dor de garganta, só para não ir marchar no desfile.
Acho que temos que votar sim, mas, pelo amor de Deus, não temos que votar seis vezes no mesmo deputado, cinco vezes no mesmo senador, ou quatro vezes no mesmo governador, só porque ele é honesto. Se for só por isto, prefiro votar no flanelinha aqui da rua, porque um dia minha carteira caiu e ele devolveu.
É importante saber o que é que esta gente, que vem se perpetuando no poder, vem fazendo. Há um site, é o www.excelencias.org.br que mostra a vida dos parlamentares, com notícias publicadas na imprensa, ocorrências na Justiça e Tribunais de Contas, matérias legislativas apresentadas, como votou nos projetos importantes, a assiduidade, o uso de verbas e outras informações relevantes. Sei que vai dar algum trabalho, mas, às vezes, descobrimos que aquele parlamentar, que está pleiteando seu sexto mandato, votou em projetos contrários a mim (que sou aposentado), além de estar sendo processado e acionado pela Fazenda Pública, e de ter apresentado apenas dois projetos, nos vinte anos em que esteve na Câmara dos Deputados, onde teve um indício de ausências de 30% das sessões.
É claro que podemos continuar anulando os votos, ou votando “nos mesmos de sempre”, mas se assim o fizermos, corremos o risco de ser chamados a concorrer a um cargo na próxima eleição, seja na condição de palhaço, ou iletrado. Fruta, não!

(Crônica; Jorge Marin)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

CAPELINHA DO SANTO ANTÔNIO



Enquanto, do terreiro de minha casa, ficava a escutar o foguetório vindo da igrejinha do Santo Antonio, fiquei pensando:
- Poxa! Já faz um bom tempo, que não dou uma chegadinha lá em cima pra fazer uma visita à capelinha!
Não sei quantos de vocês, sanjoanenses, devido à distância, já tiveram o privilégio de conhecer o local, mas, para aqueles que ainda não o fizeram, procurem fazer o quanto antes, pois, com certeza, não irão se arrepender. Acho até que muitos poderão até se surpreender.
Mas, antes de começar falar um pouco sobre a capelinha, gostaria primeiramente, de chamar a atenção de vocês para a beleza do lugar: um recanto superacolhedor.
Talvez um dos últimos redutos urbanos da cidade, que ainda nos faz sentir que o tempo não é assim tão rápido, como ultimamente nos parece ser.
E, para todos aqueles que um dia irão se aventurar a subir a colina, vai aí apenas uma dica: quando lá chegarem, procurem, antes de tudo, dar uma breve sentadinha na escada de entrada da igreja. Notarão, de imediato, que uma suave brisa estará à espera de vocês, juntamente com uma paz muito gostosa. Por sinal, ingredientes perfeitos que nos facilitarão também, o encontro com nossa própria paz interior. Confesso achar que existe até certa magia pairando no lugar, pois não há uma única vez em que lá estou, que não me pergunto:
- Será que nunca ninguém pensou, ou mesmo teve a ideia, de se fazer um Mirante neste local? Se aqui existe magia, visual, paz, beleza e historia... Que mais faltaria? Com certeza, ficaria maravilhoso e se tornaria um ponto turístico sem igual. Algo assim como um pequeno recanto ecológico, que se tornaria um lugar perfeito onde famílias inteiras poderiam se divertir ao sabor das pipocas, algodão doce, picolés e tudo mais. Quem sabe até um pequeno parquinho onde, à sombra das árvores, encontrássemos mesinhas para xadrez, damas, umas boas lunetas, além, é claro, de um lugar para saborear aquele refrigerante e fazer um bom lanche.
Um sonho? Enfim o futuro poderá dizer!

Enquanto isso, num passado distante, o fazendeiro Martinho passeava por sua fazenda, juntamente com seu filho, o pequeno Fernando. Incomodava muito ao fazendeiro, a algazarra dos pássaros. Preocupado com a ameaça à colheita deu ordens expressas ao pequeno Fernando, para manter longe os pequenos ladrões.
Correndo e brincando, o garoto continuou brincando naquele local tranquilo, até que, mais adiante, encontrou uma pequena capela. Muito católico, resolveu rezar um pouco, mas logo lhe veio à lembrança, a promessa que fizera ao pai, de enxotar os passarinhos, e, naquele século XIII, não era costume desobedecer ao pai.
Fernando, então, num misto de inocência e altivez, saiu gritando pelo prado, chamando os pássaros, ordenando que o seguissem até uma sala da fazenda. Estranhamente, as aves obedeceram ao garoto, e entraram tranquilamente, pousando por todos os cantos da grande sala. O menino fechou, em seguida, as janelas e as portas, e foi para sua capelinha rezar.
Retornando, o pai ficou preocupado, pois não conseguia achar o filho, até que foi à capelinha, onde encontrou o menino absorto em suas orações. Para surpresa do fazendeiro, os campos estavam em silêncio, sem um único bater de asas, sem um chilreio de pássaros sequer. Fernando tomou o pai pela mão e, levando-o até o salão onde deixara os pássaros, abriu a porta, falou para o pai: “quer ver que coisa bonita?” e, acenando para os pássaros, convidou-os a sair, e estes, como num desfile de cores e sons, voaram por sobre as cabeças dos dois.
Mais tarde esse menino, agora um padre franciscano, vai numa missão suicida, pregar aos sarracenos no Marrocos, mas, chegando neste país, é acometido de grave doença e obrigado a voltar à sua Lisboa natal. No entanto, uma tempestade desvia sua embarcação para o sul da Itália, na Sicília. E, por uma destes caprichos do destino, ou diríamos desígnios de Deus, ali perto, em Assis, seria realizada importante reunião de cinco mil frades. Pois foi nesta reunião, em maio de 1221, que encontraram-se, frente a frente, o líder da ordem, Francisco de Assis, e aquele menino Fernando, agora Padre Antônio. No coração de ambos, uma grande paixão por capelas, e, nas conversas, certamente, muita história de passarinho.

NA PRÓXIMA SEMANA: o final da história sobre como a imagem deste santo, que faleceu nos arredores de Pádua, na Itália, veio parar em São João Nepomuceno, justamente na capelinha que todos conhecemos.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

DE VOLTA AO NOSSO LAR: A QUESTÃO ESPÍRITA



Recebi um e-mail de um leitor que, comentando sobre a crítica ao filme Nosso Lar, me questiona sobre minha posição em relação ao espiritismo, citado em alguns trechos da crítica, com palavras como “fantástico” e “pasmaceira”.
Posso afirmar que achei ótimo este questionamento pois, na maioria das avaliações do filme, os críticos se esquivam de fazer comentários sobre a doutrina espírita, como se se tratasse de um assunto inabordável, indiscutível e tabu. Mas não é. O espiritismo é uma doutrina fantástica (no bom sentido), com cerca de dois milhões e trezentos mil seguidores no Brasil – de acordo com o último censo – além de propagar conceitos muito positivos, como a responsabilidade pessoal pelos próprios atos, a caridade e a tolerância religiosa. No entanto, como toda doutrina, é um discurso de um indivíduo, assim como o catolicismo é o discurso de Paulo de Tarso.
O discurso espírita foi criado pelo professor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail que, já com seus cinquenta anos de vida, entrou em contato com um espírito amigo e muito iluminado (Allan Kardec) que lhe “ditou” as bases da doutrina. Ora, embora o conjunto dos ensinamentos, muito bem elaborados por sinal, não atendam às minhas necessidades pessoais de compreensão do universo, ou do Cósmico, como dizem os místicos, não posso, de forma alguma, até por gratidão, considerar o espiritismo inadequado, ou teologicamente incorreto.
Esta abordagem de uma doutrina religiosa me remete à minha vida acadêmica, onde qualquer apreciação sobre fenômenos religiosos era tida como incorreta e até mesmo anticientífica. O que me faz pensar: não se trata a ciência também de um tipo de discurso?
Por que tem de haver este sério antagonismo entre o homem religioso e o homem cientista? Vejam bem: eu não estou falando do antagonismo entre o fanático e o técnico, mas entre o verdadeiro religioso e o verdadeiro cientista! Se observarmos bem, vamos notar que: ambos são movidos por uma sede insaciável de compreensão, ambos tentam criar uma teoria unificada capaz de explicar a multiplicidade dos fenômenos terrenos, e, finalmente, ambos têm como objetivo uma unidade final.
O discurso científico parte do pressuposto da testagem, mas, na verdade, o foco é sempre na teoria. A coisa funciona assim: o cientista observa que as teorias existentes sobre certo fato relevante não combinam, não “batem”; aí, ele elabora um charmoso modelo matemático que irá embasar a nova teoria. Este modelo fará previsões, que serão testadas por observação. Se as observações confirmarem as previsões, a teoria estará correta? Não, isto só vai “liberar” a teoria para fazer previsões mais complexas, que serão novamente testadas. E, finalmente, se alguma observação não confirmar a teoria, então a teoria deverá ser abandonada.
Isto é o que reza a teoria (da teoria), mas, na prática, segundo as palavras do respeitado Stephen Hawking, “as pessoas ficam relutantes em desistir de sua teoria, na qual investiram um monte de tempo e esforço. Elas normalmente começam a questionar a exatidão das observações.” Ou seja, um “iluminado” da ciência cria uma teoria e passa o resto da vida, junto com seus seguidores, defendendo o seu discurso de possíveis objeções. E depois vão dizer que a religião é que é insana!
Compreendo perfeitamente a desconfiança entre os homens da ciência e da religião, pois, assim como os primeiros “caem de pau” em cima da religião, houve um tempo, não muito distante, em que os religiosos caíam de pau, aqui literalmente, sobre os cientistas. Que o digam Galileu, Giordano Bruno e tantos outros. Com certeza, este ódio histórico aumentou o grau de incerteza e insegurança e, numa ciranda sem fim, vem realimentando a visão obtusa em relação, tanto à pesquisa, como à liberdade de credo e pensamento.
É loucura um religioso afirmar que não precisa da ciência, porque sabemos como a tecnologia melhorou, e vem melhorando, a qualidade de vida da maioria das pessoas, embora não tanto a vida do planeta. Da mesma forma, um cientista não poderá abrir mão de qualidades tão características dos religiosos, como fé, inspiração e intuição.
De uma forma ou de outra, é certo que a única forma de entender o universo é o estabelecimento de um modelo consistente e simplificado que nos permitisse entender a totalidade dos fenômenos universais. Que venha da ciência, ou mesmo psicografado por um espírito de luz, esta será certamente uma grande vitória para a Humanidade.

(Crônica – Jorge Marin)

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

ALEGORIAS E ENDEREÇOS



Capítulo 3 (FINAL) – Morro no Burro

NA SEMANA PASSADA, falamos sobre a tristeza das antigas mudanças. E, sobretudo para o criador da chamada Análise Mudançológica, como foi humilhante se ver, equilibrando-se no topo de um caminhão descoberto, exibindo a todos o seu inconsciente e particular colchão furado e sua parabólica desconjuntada.
Mas, ao contrário do que muitos possam pensar, não chegamos ainda ao fundo do poço. Para variar, cheguei também, a presenciar, certa vez, quando uma velha carroça, puxada por um burrinho, tentava a todo custo subir o morro da Igreja do Rosário.
Na oportunidade, este já quase extinto meio de transporte estava carregando uma pequena mudança, ou parte dela, que aparentava estar muito pesada. Foi superengraçado, mas confesso que fiquei com muita pena do bichinho.
Assim, sem imaginar que poderia estar prestes a me envolver naquela cena, fiquei, a principio, após sentar-me no murinho do Adil, somente a observar de longe. Dava pena!
A carroça mal conseguia chegar próxima à portaria dos Trombeteiros, quando, começava a retornar. Algumas pessoas passavam pelo local e, também sensibilizadas com aquela cena, resolveram arregaçar as mangas e começaram a dar uma força. O negócio era evitar, a todo custo, que ela retornasse. Por duas vezes, tiveram até que jogá-la de encontro a uma árvore, para que não pegasse embalo de volta.
No afã de poder ajudar, tinha gente até escorregando na calçada, de tanta força que fazia na tentativa de segurar a carroça. Enquanto panelas e vasos começavam a rolar morro abaixo, fazendo aquela barulhada na calçada, algumas pessoas ficavam em vão tentando colocar pedras debaixo das rodas. Alguns, mais exaltados, não queriam nem saber, e insistiam em ficar empurrando o animal pelo traseiro. Quando dei por mim, lá estava eu no meio da rua, bem de frente da carroça, com uma imensa corda do arreio na mão. Quem diria: eu, que nunca fui muito chegado a equinos, estava ali, tentando puxar o burro morro acima de qualquer jeito. Virou questão de honra. Não só para mim, mas também para aquela meia dúzia de heróicos voluntários.
De tanto patinar, cheguei a arrebentar meu chinelo em dois lugares. Isso depois de quase perdê-lo no meio da confusão. Numa dessas descontroladas descidas, um senhor quase ficou entalado entre a carroça e um poste. (Olha aí nosso amigo Poste! Lembram?)
Só sei que, por muito pouco, não teria acontecido uma tragédia. Se bem que, o próprio episódio, em si, já havia se tornado uma.
Era muito peso para o pobre animal que, infelizmente, teria que, mais uma vez, ser estacionado em frente à Força e Luz. Um breve descanso pro bichinho seria o mínimo que poderiam fazer, antes de recomeçar outra dolorosa subida.
E assim aconteceu, até que, depois de várias tentativas, tivemos a brilhante ideia de dar uma aliviada na carga. Retiramos a geladeira e a deixamos na calçada, para que eles a resgatassem numa segunda viagem.
E, dessa forma, aconteceu: enquanto um monte de gente começava empurrar a carroça morro acima, já se podia observar que um mundo de gente começava aparecer nas janelas!
Estava um calor sufocante e suor começava escorrer em quantidade pela testa.
Somente já quase no meio do morro é que fomos informados que o conteúdo da mudança era constituída de doações e que iríamos descarregá-la no Hospital São João.
Agora, cá pra nós, que foi engraçado chegarmos à portaria empurrando uma carroça, isso foi!
Ali, fomos orientados que as doações teriam que entrar pelo portão lateral, próximo onde é hoje o Pronto Socorro. Danou tudo! Imaginem ter que encarar mais um tanto daquele morro!
Começando então a temer por minha integridade física, dei-me por vencido, pedi desculpas, e abandonei o fronte.
Enquanto descia, ainda tive que ir dando informações àquelas pessoas da janela, que, numa curiosidade sem fim, queriam saber a todo custo, se havíamos alcançado o nosso destino ou não.
Afinal de contas, tinha gente até começando a achar que seria eu, o dono da doação ou do burro com a carroça.
UMA HOMENAGEM:
Enquanto escrevia este causo da carroça, foi inevitável não ter me lembrado de nosso heróico Dadá Lixeiro. Pena que muitos não chegaram ao menos a conhecê-lo. Era uma pessoa extremamente simples e trabalhadora, que marcou muito uma época. Com sua estatura baixa, pernas arqueadas, andar campesino, sob a proteção de um imenso chapéu de palha, e com uma enorme botina no pé, seguia com sua velha carroça e um burro, a recolher, de porta em porta, o lixo da cidade. Pendurada na carroça, seguia com ele uma inseparável vassourinha, pois, enquanto caminhava, varria cantinho por cantinho das ruas e praças por onde passava. E nem o mal tempo o impedia de realizar seu trabalho, pois, sob a proteção de uma enorme capa de chuva amarrada sobre os ombros, seguia sempre em frente, como se nada estivesse acontecendo.
Se ainda não há uma rua em seu nome, vai aí uma sugestão!

(Crônica: Sérgio Missiaggia)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

FILMES QUE EU NÃO VI NO CINE BRASIL



NOSSO LAR

Acredito que o cinema é uma das manifestações artísticas mais acessíveis e mais necessárias. Constantemente, estamos às voltas com tendências, romances, aventuras e comédias que, com certeza, jamais iremos viver, não só porque estaremos vivendo nossos próprios roteiros (que é sempre o mesmo, mas muitas vezes não sabemos), mas também porque, no cinema, o nível de acuidade da produção, é incompatível com o nosso dia a dia, por mais que caprichemos.
O que dizer, então, quando o cinema, além de divertir e encantar, resolve mostrar uma doutrina cultuada por grande parte da população? Este é o caso do filme “Nosso Lar”, que pretende levar às telas, o mundo do além túmulo, retratado pelo médium Chico Xavier, no livro de mesmo nome, com mais de dois milhões de exemplares vendidos. O resultado, como filme, pode não ser dos melhores, embora, como discurso espírita, seja bem didático.
O roteiro e a direção ficaram a cargo de Wagner de Assis, que havia feito um filme pouco assistido, chamado “A Cartomante”, com Déborah Secco, além do roteiro do horroroso “Xuxa e os Duendes”. É um desafio muito grande apresentar ao público interessado apenas em um bom filme, uma narrativa aceitável sobre as experiência pós-morte do médico André Luiz (vivido – ou morrido? – por Renato Prieto), e iniciar os leigos numa senda que muitos não conhecem.
André Luiz é retratado como um pai de família amoroso e esposo dedicado que, no entanto, por conta de seus excessos, que o filme sugere que seja de bebidas (não conheço o livro), acaba contraindo uma doença e morre. Após o falecimento, este hábito, que as pessoas têm a tendência de julgar absolutamente normal, leva André a ser considerado um suicida, e cair na lama, literalmente, de um lugar sombrio, chamado Umbral, repleto de seres malignos que o castigam todo o tempo, e de outros que parecem saídos, ainda bêbados, de algum baile de carnaval. Neste ponto, uma voz em off narra tudo o que está acontecendo, de forma desnecessária, já que estamos vendo a cena, e a narrativa acaba causando ruído na trilha sonora, por sinal muito boa de Philip Glass, já indicado por três vezes ao Oscar.
Resgatado de seu sofrimento por espíritos iluminados, André é levado para um hospital da cidade espiritual Nosso Lar onde, sob a orientação de Lísias (Fernando Alves Pinto), começa sua adaptação a esta nova etapa de sua existência, embora tenha, como verdadeira obsessão, a busca de um contato com sua família.
A chegada de André ao mundo espiritual acaba sendo, para nós, espectadores, muito cansativa, pois todos os diálogos se concentram na tarefa de explicar o funcionamento do lugar, dando pouca chance ao personagem de fazer aquilo que se espera num lugar como aquele, ou seja, evoluir. Parece que estamos num city tour com um guia bem chato e repetitivo.
É uma pena, pois há personagens muito interessantes, como a mãe de Lísias, dona Laura (Ana Rosa) e a sobrinha dele, Eloísa (Rosane Muholland), que não aceita, de forma alguma, o fato de ter morrido noiva, antes de se casar. Acho até que o filme, quem sabe uma sequência, deveria ser sobre esta moça que, de uma forma rebelde e agressiva, como é próprio dos jovens, questiona a forma como foi tirada da Terra e até mesmo a pasmaceira reinante no mundo espiritual.
O elenco às vezes soa meio formal demais, talvez pela grande responsabilidade de atuar e doutrinar: Renato Prieto e Fernando Alves Pinto parecem meio tensos, com uma rara risada na parte final do filme. Lógico que há gratas exceções, como o excelente Paulo Goulart, totalmente relaxado e iluminado na figura de um dos ministros mais importantes da cidade. A citada Rosane Muholland também está ótima no papel de bad girl, levando-nos a “torcer” por ela. Othon Bastos, no papel de governador do local, imprime tanta respeitabilidade e serenidade ao cargo, que até nos leva a ter vontade de votar em outubro.
A parte técnica do filme é considerada um avanço nas produções do cinema brasileiro na direção de um padrão de qualidade internacional. Os efeitos de computação gráfica foram produzidos pela empresa canadense Intelligent Creatures, responsáveis por filmes como Babel e Watchmen, e estão bem integrados com a realidade fantástica da história.
As viagens sobre a paisagem futurista devem ter dado alguma ideia a Oscar Niemeyer sobre o seu futuro daqui a alguns anos, e esta divisão entre vida terrena e vida espiritual foi bem aproveitada pela direção de arte que, ao sair do planeta, mergulha fundo no mundo virtual. Há numerosas referências a outras religiões, até mesmo a judaica, sem qualquer crítica ou menosprezo com nenhuma delas.
O balanço de tudo isto, e a resposta à pergunta inicial sobre o que dizer do cinema que pretende doutrinar, é que, neste caso, sobraram efeitos especiais e explicações, em detrimento do que poderia ter sido um bom filme, com mais cenas emocionantes, como é o encontro entre André e sua mãe (Selma Egrei). Mas, não deixa de ser uma bela realização e, como dizem os espíritas, e creio que estejam certos, a vida continua.

(Crítica: Jorge Marin)

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

ALEGORIAS E ENDEREÇOS



Capítulo 2 - COMO TRAÇAR O PERFIL PSICOLÓGICO DE UM CIDADÃO, ATRAVÉS DA ANÁLISE DETALHADA DOS ITENS DE SEU CAMINHÃO DE MUDANÇA

NA SEMANA PASSADA, como bem recordam, falávamos de mudanças. Afinal, todos reconhecem que as mudanças são necessárias, que o mundo e a sociedade estão passando por mudanças profundas. Mas, esperem um pouco, será que mudar é preciso mesmo? Um amigo meu afirma categoricamente que “mudança é a pior coisa do mundo, algo que eu só faria obrigado e, entre mudar num caminhão aberto e morrer, prefiro a segunda opção.”
Mas o mundo, como dizem os Melhores do Mundo, o mundo é uma caixinha de surpresas, e, numa bela tarde de outono, enquanto descansava da sesta na varanda da minha casa, eis que surge um daqueles reveladores caminhões de mudança. Do jeito que eu e meu amigo analista gostamos: aberto, bem sambado, lento e... para completar, um pneu estoura, ali mesmo, na minha frente. Era muita emoção, algo assim como se o Loco Abreu parasse em frente à minha casa e perguntasse onde era o Mangueira.
Sei que muitos não acreditarão, mas... quem estava na carroceria? Sufocado no meio de uma parafernália de coisas? Sentado num botijão de gás, entre a geladeira e o fogão?
Ele mesmo! Simplesmente, meu velho amigo das esquinas, e gabaritado analista de mudanças.
E... lá estava ele, totalmente indefeso, fisionomia transtornada e pálida, com cara de quem iria, de uma hora para outra, desmaiar.
Estava de olhos arregalados, como quem não acredita no que estava acontecendo... E o coitado ainda nem havia me visto!
Se tal acontecesse, certamente iria se sentir num carro abre-alas, parado em frente aos jurados e o que é pior... de pneu furado!
Então... como amigo fiel que sempre fui, um tanto sensibilizado, deixei a emoção de lado e fui cumprir minhas obrigações (acho que meu amigo faria o mesmo por mim): escondendo-me parcialmente num canto da janela, imparcialmente, comecei a fazer meu julgamento, enquanto o pneu era trocado.
Infelizmente, tive que tirar-lhe um ponto no quesito ADEREÇOS, pois não havia sequer uma única gaiola a bordo e, como sabemos, isto é fundamental.
Quanto aos outros quesitos, por sinal, ele até que se saiu muito bem. Passemos à análise.
- COMISSÃO DE FRENTE: antenas de televisão bem posicionadas, com uma parabólica sufocando tudo.
- BATERIA: dois botijões de gás, servindo de banco.
- HARMONIA: colchão de casal já bem maltratado.
- ENREDO: plantas e vasos em profusão, com belas samambaias. Se fosse nos dias de hoje, provavelmente seria “Marina Selva, Orgulho e Glória da Política Ambiental do Brasil”.
- ALEGORIA: aquele espelhão, duplicando ainda mais as coisas.
- EVOLUÇÃO: crianças sentadas alegremente no sofá brincando de automóvel.
Nota máxima ficou para o quesito MESTRE-SALA, pois o meu amigo passava naquele momento, uma felicidade de dar inveja.
Irradiava, do seu rosto, uma paz interior de tal grandeza que, qualquer semelhança que lembrasse suicídio, seria mera coincidência.
Imagino os tantos e bons pensamentos que, provavelmente, passavam pela sua cabeça naquele momento:
- o que é que to fazendo aqui?
- só mudo agora se for para o cemitério (e olhe lá!)
- antes ter ficado onde estava!
- já pensou colocar tudo no lugar novamente?
- merda de caminhão, o barato sai caro!
- bem feito, língua fala, língua paga!
- só falta o Serjão chegar e me pegar no flagra...

Finalmente, já de pneu trocado, lá se foi meu velho amigo, aliviado, virando a esquina, com seu pesadelo prestes a terminar.
Afinal de contas, fica registrado aqui: mais uma família que se muda, ou mesmo, mais um casal que se separa.
São as idas e vindas da vida, nas quais, sinceramente, respeito, admiro e, pessoalmente, acho o maior barato...
Meu velho amigo, coitado, que me perdoe!
NA PRÓXIMA SEMANA: uma mudança ainda mais triste, e uma dica para se evitar burrices. Não percam, pois, com certeza, todos sairão do blog com uma nova visão sobre as mudanças. Até sexta!

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

AINDA A INCIVILIDADE



Agradeço, inicialmente, a manifestação dos leitores que postaram comentários, ou daqueles que enviaram e-mails, pois serviram para reforçar minha percepção de que não estou sozinho nas minhas queixas, que não se trata apenas de rabugice. Algumas pessoas entenderam que o fenômeno poderia estar restrito ao meu universo de relacionamentos, mas o fato é que se trata mesmo de um mal maior dos dias atuais.
A incivilidade nos obriga, a cada momento, a testemunhar cenas variadas de grosseria pela disputa acirrada de espaço. Há poucos dias, na porta da UFJF, um carro particular tocou, de leve, a traseira de um táxi: o taxista, imediatamente, saiu do veículo, armado com um cano, e partiu pra cima do motorista do carro que, providencialmente, já o esperava com um reluzente revólver na mão.
Na entrada da escola do meu filho, ele foi beber água e, como havia um coleguinha no bebedouro, ensinei que ele deveria esperar até que o colega saciasse a sede. Enquanto estava doutrinando o meu baixinho, chegaram dois alunos maiores e, simplesmente, entraram na nossa frente. É claro que, num caso desses, eu consigo ser bem assertivo e, sem desrespeitar os direitos dos garbosos jovens, mas já colocando ostensivamente meu cotovelo na frente dos dois, fui falando educadamente:
- Pode beber, meu filho, pois seus dois colegas estavam distraídos e não viram a gente. E os dois ainda ficaram brigando entre si, para ver quem iria beber em seguida.
Ou seja, num mundo em que os adultos, muitas vezes bem idosos, perderam a vergonha de xingar os outros descaradamente, imaginem os jovens que são naturalmente mais impetuosos! A regra de ouro, que antigamente era “não faças a outros o que não queres que te façam”, passou a ser, ao que parece, cada um por si próprio, e também contra todos.
Dessa forma, perdemos a noção do direito do próximo e cada um sai, loucamente, em busca do seu próprio direito, da sua felicidade, do seu prazer, do seu objeto de consumo e... danem-se os outros. Não é por acaso que as instâncias mantidas pelo poder público e que supostamente defendem os direitos individuais, como Procon, Juizado de Pequenas Causas e outras, vivem apinhadas, com pessoas discutindo, desde abusos contra consumidores a xingamentos mútuos no Orkut.
Nestes dias, com a campanha eleitoral em marcha, multiplicam-se as cenas de incivilidade ocorridas entre aqueles que, infelizmente, serão nossos próximos dirigentes. Também nas empresas, é comum que estes novos capatazes, chamados de gerentes, expressem abertamente seu descontentamento com seus colaboradores aos gritos, enquanto os subalternos, irritados, descontem sua insatisfação nos clientes.
Nas escolas, mais do que furar filas, é comum o fenômeno conhecido como “bullying”, em que alguns estudantes de má índole praticam um verdadeiro terrorismo contra seus colegas. Sem contar as inúmeras agressões – até mesmo físicas – aos professores. Temos a tendência a ficar afirmando que tudo não passa de falta de limites, mas, na verdade, ao infligir constrangimento físico e psicológico aos mais novos, não estariam os alunos repetindo um ritual do mundo adulto?
Eu me lembro de uma aula do Betto Vampiro, no Ginásio do Sôbi, que nunca saiu da minha memória, e que venho sempre repetindo para os meus filhos. Ele chegou com o seu costumeiro abrigo esportivo e propôs a seguinte pergunta: quanto tempo seria necessário para se varrer a cidade de Londres? Depois de várias tentativas e de muita discussão, ele deu a resposta:
- Apenas quinze minutos – e, ante diversos protestos, completou – se cada um varrer em frente à própria casa.
Esta pode ser uma boa pista para o começo da resolução do problema da incivilidade. É na casa de cada um de nós, e também na escola, que pais e professores temos que repensar e reescrever o conceito de cidadania. Para isso, é preciso que cada um escolha adotar as boas maneiras no convívio social, mesmo se provocados, mesmo se nosso carro for fechado, mesmo se o motoqueiro arrancar nosso retrovisor.
A única forma de reconhecer o direito alheio é praticando, nós mesmo, as boas maneiras: ser cortês sem subserviência e ensinar aos mais novos de forma clara e objetiva. Não se trata de moralismo, mas de sobrevivência social. E, como vivemos em sociedade, não vejo outra alternativa.

(Crônica: Jorge Marin)

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

ALEGORIAS E ENDEREÇOS



CAPÍTULO 1 - Um cachorro na bacia

Abram alas!!!
E lá vem mais um daqueles caminhões de mudanças, desfilando discretamente pela cidade. Sem chamar a mínima atenção, vai, como num passe de mágica, com tudo aquilo e tudo mais a que tem direito, a virar em segundos, por cada esquina.
Neste momento tão solene e único, procuro, na oportunidade, achar um adjetivo, que venha caracterizar tão nobre momento. Na realidade, não sei definitivamente defini-lo. Pessoalmente, misturo uma forte tendência hilariante, com uma grande conotação de sentimento de tristeza, onde podemos sorrir, ou mesmo chorar e, se o caminhão for de carroceria aberta, o bom mesmo é ficar num canto da calçada, vendo o bonde passar.
Há uma grande diferença entre as mudanças atuais e as mudanças de uns 30 anos atrás. Naquela época, as mudanças eram sempre em caminhão aberto, às vezes até em carroças e, se vocês pensam que o Big Brother expõe a vida dos participantes, precisavam ter visto uma daquelas mudanças da década de 60: era um amontoado de badulaques e panos, pois praticamente inexistiam eletrodomésticos (quando muito uma geladeira Frigidaire). Por cima de tudo, alguns tachos e bacias e, às vezes, por cima das bacias, um vira-lata assustado. Imaginem, para um cachorro criado em quintal, o que representava uma viagem pelas ruas da cidade, equilibrado em cima de uma bacia, ao lado do penico (que ficava amarrado pela alça), ouvindo aquela barulheira do caminhão, e vendo aquela multidão ao redor.
Lembro-me, como se fosse hoje, quando solteiro, nos bate-papos das esquinas, um velho amigo me confessava que seria a maior desgraça de sua vida, se um dia tivesse que fazer uma mudança, e ter que sair à rua, na carroceria aberta de um caminhão.
- Fico apavorado só de imaginar! Prefiro a morte, que a isto me sujeitar! - dizia ele.
Era uma daquelas pessoas que ficava em pânico quando tivesse que se expor de alguma forma, principalmente em situações que, para alguns, se tornaria cômica.
Essas pessoas possuem em comum, a interessante característica de serem super-divertidas, principalmente em situações que dizem respeito ao próximo. Ele não fugia à regra!
A cada caminhão de mudança que porventura passasse, lá estava ele, com todo seu sádico humor, analisando-o minuciosamente. Estudava todos os seus detalhes e até notas, que variavam de um a dez, eram dadas criteriosamente.
Por exemplo: grau de dificuldade, simpatia e esportiva dos envolvidos, situação do transporte (quanto pior, maior a nota), distribuição visual da mudança na carroceria, grau de atenção que despertasse aos pedestres, fisionomia dos responsáveis (a simples sugestão, mesmo bem acondicionada, de um penico, era um deizão na hora!).
Foi uma época realmente muito divertida e, mesmo depois que, o tempo nos distanciou, ainda levaríamos conosco, as lembranças de um passado feliz.
Um belo dia, o impossível e inacreditável aconteceu.
Estava eu, na janela de minha casa, quando, no início da rua, um velho caminhão de mudanças, começou a passar.
Quanta emoção! Principalmente, quando, quase em frente à minha varanda, estoura um de seus pneus.
E agora? Como avaliar? Será que eu me lembro dos quesitos criados pelo meu amigo sacana? Não percam, na próxima semana, o tema palpitante: COMO TRAÇAR O PERFIL PSICOLÓGICO DE UM CIDADÃO, ATRAVÉS DA ANÁLISE DETALHADA DOS ITENS DE SEU CAMINHÃO DE MUDANÇA. Ah, e para finalizar, é bom que se esclareça que não temos nada contra os penicos.

(Crônica - Serjão Missiaggia / Adaptação - Jorge Marin)

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

INCIVILIDADE



Cada dia que passa, vou me tornando mais recluso e evitando mesmo a maioria dos contatos sociais. Não sei se é um fato relacionado ao avanço da idade, ou se é uma piora considerável que venho percebendo no convívio com as pessoas. Sei que é meio chato terminar a leitura e fazer comentários no blog, mas sobre este assunto eu gostaria, sinceramente, de saber a opinião de alguns leitores, até para analisarmos melhor este fenômeno e até, quem sabe, podermos dar alguma contribuição, no sentido de facilitar nossas vidas.
Fato é que, nos dias atuais, é muito difícil lidar com pessoas. Por exemplo: convidamos uma pessoa para almoçar em nossa casa; esta pessoa, que esperávamos que viesse só com a esposa, vem acompanhada de um outro amigo que teria chegado sem avisar. Pior: este amigo – não convidado – ainda trouxe a namorada, com dois filhos. Como preparamos almoço para quatro pessoas, estamos às voltas com um dilema parecido com o de Jesus Cristo no Sermão da Montanha. Como não conseguimos multiplicar a comida milagrosamente, acabamos ficando constrangidos porque não tem comida para todo mundo. Hoje, já sou capaz de agir como os ingleses que, num caso desses, simplesmente pedem que os não convidados aguardem na sala de espera, enquanto almoçam com os convidados. Mas este é um fato que acontece muito, a ponto de, numa festa em um bifê, os anfitriões solicitarem uma cota extra de convites, só para os “penetras”. Ou, durante um churrasco, os donos da casa terem de sair sorrateiramente de casa para, escondidos, comprarem mais carne e cerveja.
Outra coisa irritante é emprestar. Pessoas pedem emprestados livros, DVDs, CDs, até mesmo o seu pen drive, e não devolvem. Alguns pedem um terno emprestado e, passados dois meses após o evento, devolvem sua roupa, após você pedir desculpas e dizer que está precisando daquele traje que, aliás, volta todo amarrotado e até sujo. Como faço para convencer meu filho de que ele, por estar em sociedade, deve emprestar seu joguinho de videogame ao seu coleguinha?
Chegamos ao cúmulo do empréstimo do celular, que eu achava que era uma coisa pessoal. Funciona assim: a pessoa liga para você e, quando você atende, a ligação cai. A cena se repete umas cinco vezes até que você, preocupado, liga para a pessoa:
- O que está acontecendo?
- Eu estou querendo falar com você, mas estou sem crédito, responde o bicão. E, se por acaso, você desliga, ou tenta argumentar que, como é ele que quer falar com você, pode, por exemplo, comprar um cartão telefônico (ainda existem!) e ligar de um orelhão. Geralmente, a pessoa se irrita e responde:
- Poxa, mas você é “boca ruim” mesmo!
É por isso que estou trazendo este assunto. Já começo a desconfiar que eu é que estou errado. Estava outro dia na fila do cinema e, depois de uns quarenta minutos de espera, quando eu já era o terceiro da fila, chega um adolescente que, educadamente (?), me aborda:
- Ô tio, será que o senhor poderia fazer a gentileza de comprar um ingresso para mim e para a minha namorada? É que o filme já vai começar e a fila está grande.
Também educadamente, respondo:
- Meu jovem, converse, por favor, com os demais componentes da fila e, se todos concordarem em que você fure a fila, eu compro os ingressos.
O jovem fica agressivo:
- Mas eu não estou furando fila, só estou pedindo um favor!
Eu ainda consigo me manter educado e respondo: NÃO!
Parece que é uma pandemia: ninguém respeita as normas de vida comum, não observam a cortesia nas relações interpessoais, gritam, ofendem grosseiramente, não sinalizam no trânsito, jogam cigarro na rua, falam palavrão alto. Será que é o advento de um detestável mundo novo? Será que a incivilidade é o novo pacto social? Gostaria de saber a opinião dos leitores e, se for o caso, voltar ao assunto.

(Crônica: Jorge Marin)

BRIGADU, GENTE!

BRIGADU, GENTE!
VOLTEM SEMPRE, ESTAMOS ESPERANDO... NO MURINHO DO ADIL