quarta-feira, 15 de setembro de 2010

FILMES QUE EU NÃO VI NO CINE BRASIL



NOSSO LAR

Acredito que o cinema é uma das manifestações artísticas mais acessíveis e mais necessárias. Constantemente, estamos às voltas com tendências, romances, aventuras e comédias que, com certeza, jamais iremos viver, não só porque estaremos vivendo nossos próprios roteiros (que é sempre o mesmo, mas muitas vezes não sabemos), mas também porque, no cinema, o nível de acuidade da produção, é incompatível com o nosso dia a dia, por mais que caprichemos.
O que dizer, então, quando o cinema, além de divertir e encantar, resolve mostrar uma doutrina cultuada por grande parte da população? Este é o caso do filme “Nosso Lar”, que pretende levar às telas, o mundo do além túmulo, retratado pelo médium Chico Xavier, no livro de mesmo nome, com mais de dois milhões de exemplares vendidos. O resultado, como filme, pode não ser dos melhores, embora, como discurso espírita, seja bem didático.
O roteiro e a direção ficaram a cargo de Wagner de Assis, que havia feito um filme pouco assistido, chamado “A Cartomante”, com Déborah Secco, além do roteiro do horroroso “Xuxa e os Duendes”. É um desafio muito grande apresentar ao público interessado apenas em um bom filme, uma narrativa aceitável sobre as experiência pós-morte do médico André Luiz (vivido – ou morrido? – por Renato Prieto), e iniciar os leigos numa senda que muitos não conhecem.
André Luiz é retratado como um pai de família amoroso e esposo dedicado que, no entanto, por conta de seus excessos, que o filme sugere que seja de bebidas (não conheço o livro), acaba contraindo uma doença e morre. Após o falecimento, este hábito, que as pessoas têm a tendência de julgar absolutamente normal, leva André a ser considerado um suicida, e cair na lama, literalmente, de um lugar sombrio, chamado Umbral, repleto de seres malignos que o castigam todo o tempo, e de outros que parecem saídos, ainda bêbados, de algum baile de carnaval. Neste ponto, uma voz em off narra tudo o que está acontecendo, de forma desnecessária, já que estamos vendo a cena, e a narrativa acaba causando ruído na trilha sonora, por sinal muito boa de Philip Glass, já indicado por três vezes ao Oscar.
Resgatado de seu sofrimento por espíritos iluminados, André é levado para um hospital da cidade espiritual Nosso Lar onde, sob a orientação de Lísias (Fernando Alves Pinto), começa sua adaptação a esta nova etapa de sua existência, embora tenha, como verdadeira obsessão, a busca de um contato com sua família.
A chegada de André ao mundo espiritual acaba sendo, para nós, espectadores, muito cansativa, pois todos os diálogos se concentram na tarefa de explicar o funcionamento do lugar, dando pouca chance ao personagem de fazer aquilo que se espera num lugar como aquele, ou seja, evoluir. Parece que estamos num city tour com um guia bem chato e repetitivo.
É uma pena, pois há personagens muito interessantes, como a mãe de Lísias, dona Laura (Ana Rosa) e a sobrinha dele, Eloísa (Rosane Muholland), que não aceita, de forma alguma, o fato de ter morrido noiva, antes de se casar. Acho até que o filme, quem sabe uma sequência, deveria ser sobre esta moça que, de uma forma rebelde e agressiva, como é próprio dos jovens, questiona a forma como foi tirada da Terra e até mesmo a pasmaceira reinante no mundo espiritual.
O elenco às vezes soa meio formal demais, talvez pela grande responsabilidade de atuar e doutrinar: Renato Prieto e Fernando Alves Pinto parecem meio tensos, com uma rara risada na parte final do filme. Lógico que há gratas exceções, como o excelente Paulo Goulart, totalmente relaxado e iluminado na figura de um dos ministros mais importantes da cidade. A citada Rosane Muholland também está ótima no papel de bad girl, levando-nos a “torcer” por ela. Othon Bastos, no papel de governador do local, imprime tanta respeitabilidade e serenidade ao cargo, que até nos leva a ter vontade de votar em outubro.
A parte técnica do filme é considerada um avanço nas produções do cinema brasileiro na direção de um padrão de qualidade internacional. Os efeitos de computação gráfica foram produzidos pela empresa canadense Intelligent Creatures, responsáveis por filmes como Babel e Watchmen, e estão bem integrados com a realidade fantástica da história.
As viagens sobre a paisagem futurista devem ter dado alguma ideia a Oscar Niemeyer sobre o seu futuro daqui a alguns anos, e esta divisão entre vida terrena e vida espiritual foi bem aproveitada pela direção de arte que, ao sair do planeta, mergulha fundo no mundo virtual. Há numerosas referências a outras religiões, até mesmo a judaica, sem qualquer crítica ou menosprezo com nenhuma delas.
O balanço de tudo isto, e a resposta à pergunta inicial sobre o que dizer do cinema que pretende doutrinar, é que, neste caso, sobraram efeitos especiais e explicações, em detrimento do que poderia ter sido um bom filme, com mais cenas emocionantes, como é o encontro entre André e sua mãe (Selma Egrei). Mas, não deixa de ser uma bela realização e, como dizem os espíritas, e creio que estejam certos, a vida continua.

(Crítica: Jorge Marin)

Um comentário:

  1. Jorge! Ótimo comentário do filme! O verei o quanto antes!
    Parabéns pelo Blog de vocês, pois alem de nos transmitir leveza, nos arremessa a muitas e emocionantes viagens.
    Seguidor de carteirinha.

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