quarta-feira, 22 de setembro de 2010

DE VOLTA AO NOSSO LAR: A QUESTÃO ESPÍRITA



Recebi um e-mail de um leitor que, comentando sobre a crítica ao filme Nosso Lar, me questiona sobre minha posição em relação ao espiritismo, citado em alguns trechos da crítica, com palavras como “fantástico” e “pasmaceira”.
Posso afirmar que achei ótimo este questionamento pois, na maioria das avaliações do filme, os críticos se esquivam de fazer comentários sobre a doutrina espírita, como se se tratasse de um assunto inabordável, indiscutível e tabu. Mas não é. O espiritismo é uma doutrina fantástica (no bom sentido), com cerca de dois milhões e trezentos mil seguidores no Brasil – de acordo com o último censo – além de propagar conceitos muito positivos, como a responsabilidade pessoal pelos próprios atos, a caridade e a tolerância religiosa. No entanto, como toda doutrina, é um discurso de um indivíduo, assim como o catolicismo é o discurso de Paulo de Tarso.
O discurso espírita foi criado pelo professor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail que, já com seus cinquenta anos de vida, entrou em contato com um espírito amigo e muito iluminado (Allan Kardec) que lhe “ditou” as bases da doutrina. Ora, embora o conjunto dos ensinamentos, muito bem elaborados por sinal, não atendam às minhas necessidades pessoais de compreensão do universo, ou do Cósmico, como dizem os místicos, não posso, de forma alguma, até por gratidão, considerar o espiritismo inadequado, ou teologicamente incorreto.
Esta abordagem de uma doutrina religiosa me remete à minha vida acadêmica, onde qualquer apreciação sobre fenômenos religiosos era tida como incorreta e até mesmo anticientífica. O que me faz pensar: não se trata a ciência também de um tipo de discurso?
Por que tem de haver este sério antagonismo entre o homem religioso e o homem cientista? Vejam bem: eu não estou falando do antagonismo entre o fanático e o técnico, mas entre o verdadeiro religioso e o verdadeiro cientista! Se observarmos bem, vamos notar que: ambos são movidos por uma sede insaciável de compreensão, ambos tentam criar uma teoria unificada capaz de explicar a multiplicidade dos fenômenos terrenos, e, finalmente, ambos têm como objetivo uma unidade final.
O discurso científico parte do pressuposto da testagem, mas, na verdade, o foco é sempre na teoria. A coisa funciona assim: o cientista observa que as teorias existentes sobre certo fato relevante não combinam, não “batem”; aí, ele elabora um charmoso modelo matemático que irá embasar a nova teoria. Este modelo fará previsões, que serão testadas por observação. Se as observações confirmarem as previsões, a teoria estará correta? Não, isto só vai “liberar” a teoria para fazer previsões mais complexas, que serão novamente testadas. E, finalmente, se alguma observação não confirmar a teoria, então a teoria deverá ser abandonada.
Isto é o que reza a teoria (da teoria), mas, na prática, segundo as palavras do respeitado Stephen Hawking, “as pessoas ficam relutantes em desistir de sua teoria, na qual investiram um monte de tempo e esforço. Elas normalmente começam a questionar a exatidão das observações.” Ou seja, um “iluminado” da ciência cria uma teoria e passa o resto da vida, junto com seus seguidores, defendendo o seu discurso de possíveis objeções. E depois vão dizer que a religião é que é insana!
Compreendo perfeitamente a desconfiança entre os homens da ciência e da religião, pois, assim como os primeiros “caem de pau” em cima da religião, houve um tempo, não muito distante, em que os religiosos caíam de pau, aqui literalmente, sobre os cientistas. Que o digam Galileu, Giordano Bruno e tantos outros. Com certeza, este ódio histórico aumentou o grau de incerteza e insegurança e, numa ciranda sem fim, vem realimentando a visão obtusa em relação, tanto à pesquisa, como à liberdade de credo e pensamento.
É loucura um religioso afirmar que não precisa da ciência, porque sabemos como a tecnologia melhorou, e vem melhorando, a qualidade de vida da maioria das pessoas, embora não tanto a vida do planeta. Da mesma forma, um cientista não poderá abrir mão de qualidades tão características dos religiosos, como fé, inspiração e intuição.
De uma forma ou de outra, é certo que a única forma de entender o universo é o estabelecimento de um modelo consistente e simplificado que nos permitisse entender a totalidade dos fenômenos universais. Que venha da ciência, ou mesmo psicografado por um espírito de luz, esta será certamente uma grande vitória para a Humanidade.

(Crônica – Jorge Marin)

2 comentários:

  1. Amigo Jorge,excelente artigo.Há muito não leio observações tão esclarecedoras sobre este tema polêmico e apaixonante : Ciência X Religião.Concordo inteiramente com suas colocações.Abraços.Nilson Baptista.

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  2. Querido amigo Jorge,

    Quando li sobre esse filme na semana passada, fiquei preocupado. Afinal, apaixonado por cinema, você conhece profundamente dessa arte do século XX... E até iria deixar mensagem questionando essa indústria “globotelenovelista”. Mas pensei que, talvez, você estivesse escrevendo em comunhão ao direito absoluto de cada um ter a religião que quiser (e não em relação ao filme). Agora esse novo texto reafirma seu bom lado cinéfilo.

    Meu abraço,

    César Brandão

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