Arte digital por !ottoman611
Entre notícias das enchentes (terríveis) e as últimas novidades do cenário econômico, vamos vivendo nossas vidas provisórias, como se fosse possível deletar o que já foi vivido, e seguindo um roteiro já escrito, personagens de uma novela – Nossa Vida – em que somos meros coadjuvantes. Mas, não tem que ser desta forma: existem opções, e há pessoas que não se sentem incomodadas em fazer o que a maioria considera reprovável por algum motivo.
Acredito que vale uma reflexão sobre as “exigências do mercado” ou o “preparo profissional contínuo”, como se ambos fossem algo real, concreto, um conjunto de pessoas que cedo ou tarde você vai encontrar e, quando o fizer, é melhor ter seguido a maioria das regras para não passar vergonha ou ter prejuízo. A sensação que tenho é que não basta apenas saber uma ou duas línguas estrangeiras, saber usar computador ou conhecer programas específicos que facilitem o trabalho, isto dentro de área que se atualiza constantemente, a uma velocidade impressionante. Não basta ser educado, ter noção de trabalho em grupo e saber respeitar os colegas: o ideal é que você seja um aglutinador (líder magnético) não ditador, que tem o raro dom de agradar a maioria das pessoas na maior parte do tempo. Deve-se praticar algum exercício físico e ter algum hábito artístico (pintura, poesia, etc.) para valorizar seu perfil profissional, dizem, embora sejam atributos desejáveis em qualquer pessoa que queira aprimorar sua sensibilidade como ser humano. Se fizer algum serviço voluntário, então melhor ainda! Todas estas expectativas, que não sei informar a origem ou veracidade, me cansam só de pensar. Quem embarcar nesse modelo pode separar uns 30 anos de vida para se preparar para entrar no mercado de trabalho. Eu, particularmente, prefiro me aposentar depois dos 30 anos, ao invés de finalmente estar com meu currículo pronto.
Me atrai, cada vez mais, a ideia de uma existência simples, onde eu identifique, e não abra mão, do que é essencial para ter qualidade de vida. O objetivo é evitar perder tempo e energia com coisas e pessoas inúteis. Não é derrotismo ou conformismo. Eu realmente estou aprendendo a viver bem, com cada vez menos e isto está me fazendo um bem enorme.
O que entendo por “vida medieval” pode ser traduzido como “vida simples”. É concentrar-se nas coisas essenciais para viver, como realizar uma atividade para ganhar dinheiro, ter um lugar digno (com higiene e tamanho adequado) para morar, comida saudável em quantidade suficiente para ter saúde e conviver com pessoas que gostem de você e que você goste delas. Só preciso destas quatro coisas, o resto é consequência ou turbulência, dependendo da hora e local.
Pode ser idealização, mas gosto de imaginar que, na Idade Média, as pessoas tinham noção de que sua vida provavelmente não seria longa (doenças, guerras, etc.) e,por isso, não “viviam para a aposentadoria”, uma vez que esta nem existia. Viviam para as realização e prazeres próximos. Aprendia-se uma atividade para viver (fazer calçados, roupas, ser pintor, agricultor, e por aí vai) e fazia-se isso a vida inteira, sem preocupar-se em cursos de especialização, MBA, mestrados ou outros aprimoramentos, a menos que fossem necessários para ganhos imediatos. Geralmente, encontrava-se uma pessoa para dividir a cama e a vida, comia-se, conseguia-se um lugar para viver, tinha-se filhos (aos quais era repassado o ofício) e fugia-se da morte enquanto fosse possível. As incertezas e as preocupações de autorrealização eram próximas das atuais, levando apenas em conta que, obviamente, um cotidiano diferente cria necessidades e soluções diferenciadas. Gosto da idéia desta vida tranquila e simples.
Talvez eu me arrependa no futuro, percebendo que segui um raciocínio e caminho errados, mas não vou gastar boa parte do tempo da minha jornada, neste lugar, entrando por caminhos que não me interessam, só para atender às expectativas de um conceito abstrato, como “sucesso profissional e pessoal”.
Após pensar sobre o assunto durante algum tempo, cheguei à conclusão que, para me sentir satisfeito e tranquilo, são necessários apenas os 4 aspectos que falei. Sugiro que cada um pense se realmente quer o que deseja (ou está tão somente indo junto com os demais), ou se precisa realmente do que quer. Se chegar à conclusão que, ao invés de uma vida medieval, você prefere uma vida digital, compre carro, casa e aparelhos que considera necessários para seu conforto e prazer, mas sabendo que foi você que escolheu aquele ritmo e direção, ao invés de seguir a manada por hábito.
Um último lembrete: a receita pode mudar com o tempo, acrescentando ou tirando ingredientes. Se o resultado estiver gostoso para você, cada um que busque o tempero que lhe agrade.
(Crônica: Sylvio Bazote / Adaptação: Jorge Marin)
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