sexta-feira, 11 de março de 2011

ESCUTANDO O SILÊNCIO

Arte digital por Carl Bryden

Capítulo 2

NA SEMANA PASSADA, tive meu despertar domingueiro interrompido pela ação de um decidébil mental, como um dos comentaristas do blog classificou a ação destas pessoas que trafegam pelas ruas com o som do carro no último volume, sem se importar com o local ou a hora.
Uma vez, li, no blog da psicóloga Rosely Sayão, uma frase que bem reflete nossa situação de ouvinte passivos: “os ouvidos não têm pálpebras, por isso não podemos nos proteger dos barulhos que não queremos ouvir."
Se a perda auditiva ocorresse apenas entre aqueles que querem se expor aos barulhos, tudo estaria resolvido: as pessoas estariam simplesmente sofrendo as conseqüências dos seus atos. Isto não é algum tipo de praga ou maldição; é uma realidade. Segundo o Instituto Nacional dos Surdos, na Inglaterra, três quartos dos frequentadores assíduos de boates e danceterias correm o risco de perda – irreversível – da audição. No Brasil, a situação não é diferente: somos, também nesta área, campeões mundiais. Obtivemos o primeiro lugar na frequência de perda auditiva ocupacional induzida pelo ruído. Sabem quantos brasileiros têm deficiências auditivas? Cerca de quinze milhões, sem contar uma população de 350 mil surdos.
Estamos falando aqui dos que não escutam e não ouvem. Mas, e quanto àqueles que escutam, mas não ouvem? Sim, estou me referindo aos jovens (nós também já fomos assim). Confesso que, a cada dia que passa, fico mais encucado com o perfil desses meninos. É, sem dúvida, uma geração ruidosa. São movidos ao barulho, barulho de verdade e na mais nobre concepção da palavra. Parece que querem dizer pro mundo: “Eu existo! Eu estou aqui”.
Virou mesmo um paradigma urbano. Uma verdadeira simbiose coletiva. E, coitado daquele que venha emitir um paradoxo aos fatos. Muitas pessoas alimentam uma realidade de achar que aquele que gritar mais alto é quem irá levar o troféu. Se repararmos bem, esse negócio de “armar barraco” se tornou coisa chique para alguns. Estaríamos vivendo a Era do Ouvido Lascado?
Dias atrás, alguns garotos estavam marretando seus skates numa pracinha. Digo marretando porque, andar naturalmente sobre rodas, é o que raramente fazem.
É aquele barulho de tábua rachada socando a calçada, e as nossas cabeças também.
Temos um uma bela pista de skate na cidade, onde este esporte é praticado com total segurança e liberdade. De minha parte, nada contra e muito pelo contrário. Acho até um belo esporte. Na minha época, cheguei a tomar uns bons puxões de orelha por causa do barulho de meus carrinhos de rolimã. Mas aprendi que, para tudo, tem LUGAR E HORA.
Certa vez, questionei a um desses garotos se não seria possível, no lugar da madeira, construir, ou, pelo menos, tentar revestir os skates com material meio emborrachado, pois com isso evitaria, no atrito com o chão, aquele barulho estressante. Foi quando, de imediato, me respondeu: “Aí não tem graça, tio! Sem barulho não dá!” Outro morador, bem mais exaltado e estressadíssimo com esta galera, gritou: Então porque você não vai pular com ele em frente à sua casa? E o garoto respondeu: “Lá, minha mãe não quer!” Moral da história: “BARULHO NO OUVIDO DO OUTRO PODE”. Ou seja, o correto, hoje em dia, é dizermos: “SUA LIBERDADE TERMINAVA ATÉ ONDE COMEÇAVA A DO PRÓXIMO”. O filósofo Rousseau e os liberalistas diziam que, quando as ações de determinada pessoa prejudicam ou cerceiam os direitos dos demais, então é hora de fazer leis. Quem sabe é um caminho?
Bem, pelo menos, entre mortos e feridos, o garoto, foi educado comigo!

NA PRÓXIMA SEMANA, mais barulho (abaixo dos 85 decibéis). Aguardem...

(Crõnica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

3 comentários:

  1. Como tão bem já foi colocado em uma das postagens do Blog percebo também que esta palavrinha chamada CIVILIDADE já vai cada vez mais se perdendo no tempo.

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  2. Serjão! Dessa sua crônica tira-se que:a "mulecada" de hoje DEIXOU para trás a educação,o amor, a gentileza e a principal coisa que DESAPARECEU: o RESPEITO. Mas sempre presentes temos a ganância
    ( nada chega, nada está bom),a falta de humanidade ( que só existe mesmo nas telas de TV),a falta de calor humano ( nem para dançar não chegam perto um do outro)como antigamente
    "dar uma fungada no cangote".
    Eles têm toda a tecnologia em favor deles, muito mais facilidades, já não se usa nem mesmo "A VINTE É MINHA" .Ôôôô TEMPO BÃO SÔ, E BÃO HEIN?
    MAZOLA

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  3. Caro Jorge e Serjão,

    Essa de “o ouvido não ter pálpebra”... é ótima!... Mas costumo dizer, em referência às artes visuais, que o ouvido é sábio; e o olho é burro.

    O ouvido sabe o que é música de qualidade, e também sabe qual é brega, o que é clássico, erudito, popular, rock, jazz, samba, pagode, sertanejo, axé, barulho, etc (gostar é outra história, e é opção e direito de cada um).

    Mas em artes visuais tem essas variações todas, e nosso olho não sabe distinguir uma coisa (de qualidade) da outra (sem importância).

    E, lamentavelmente, põe tudo no mesmo saco, e mistura a “coisa mental” de Leonardo Da Vinci com qualquer bobagem ou lixo produzido por pseudo-artistas.

    Assim, o território das artes plásticas se tornou quase que somente de especialistas. Uma pena! É um bem cultural inaugurado pelo homem nas cavernas, origem de múltiplas linguagens artísticas, e é fascinante.

    Porém é certo, e garantido, que a culpa não vem das pálpebras.

    Um abraço,

    Brandão
    www.cesarbrandao.com

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