Arte digital por Graham H220
Na semana passada, estávamos deitados na cama, tranquilamente, quando passou um escorpião sobre as cobertas. O resto vocês já sabem, ou imaginam: não rolou pensamento, não rolou questionamento, não rolou nenhuma justificativa. Quem rolou, da cama, fomos nós. Quando falamos sobre lançar um novo olhar sobre a violência, é isso que queremos dizer: um olhar claro, sem julgamentos, e ação rápida. Isto é zen. Muitos acham que não. Que uma atitude zen seria ficar orando, em algum mosteiro, para que a violência tenha fim.
Outros pensam que a solução da violência é praticar a não-violência. Muito bem, mas o que é a não-violência? Um conceito, um ideal a ser atingido, uma utopia. O fato de criarmos um antônimo não vai parar a violência. Exortações de não-violência sempre existiram (a Bíblia e o Alcorão não nos deixam mentir), mas, apesar de todas as palavras pacifistas dos avatares e dos profetas, continuamos violentos. Então, vamos combinar uma coisa: que tal esquecer a palavra e lidar com a violência real?
Para poder entender a violência, em toda a sua plenitude, você só tem uma forma, que é encará-la da mesma forma que encarou aquele escorpião em sua cama, com toda a clareza e sem nenhum tipo de julgamento ou justificação.
Finalmente, mesmo após ter chegado àquele estado de clareza que permite a resolução imediata do problema, temos um vício, que, na verdade, se trata de um condicionamento cultural, que nos impede de agir no ato. Isto é, por mais que estejamos convencidos da justeza dos nossos propósitos, ou por mais certos que estejamos sobre a importância do assunto, para o nosso bem, para o bem de nossos filhos e da sociedade em geral, geralmente pedimos um “tempo” para pensar. “Tá certo, você trouxe um monte de considerações legais, mas eu quero pensar. Quero ter certeza absoluta de que somos realmente capazes de nos livrar da violência. Vou tentar!”
Este tipo de afirmativa é uma das piores coisas que um ser humano pode fazer. Quando vocês ouvirem uma pessoa dizer “vou tentar” ou “vou dar o melhor de mim”, tenham certeza de que nada vai acontecer. Meu avô dizia que “de boas intenções, o inferno anda cheio” e ele estava totalmente certo.
Quando o assunto é sério, e o assunto aqui trata do futuro do planeta, do bem-estar dos nossos filhos, da sobrevivência da raça humana, não existe essa de “tentar”. Ou você age, ou não age. Imaginem, na semana passada, em pleno tsunami (violência da natureza), um japonês parar para verificar, na Internet, a violência do tremor na Escala Richter.
Tudo o que foi dito aqui são palavras. Talvez influenciadas, ou inspiradas em algumas leitura budistas, ou algumas lembranças do John Lennon. O fato é que vivemos sempre como se estivéssemos no cockpit de um carro de fórmula um: o negócio é correr igual louco e ficar dando voltas e voltando ao ponto de partida, mas sempre na frente dos outros. Dentro desta visão de mundo caótica (imaginem se, a 300 por horas, dá para olhar para o lado?), vamos incorporando conceitos, achando que o desrespeito é normal, que a raiva é legítima, e que o amor é mais um tema da novela.
Como disse, uma vez, Drummond, “chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus, tempo de absoluta depuração, tempo em que não se diz mais: meu amor, porque o amor resultou inútil.” Mas, não dá mais para justificar o mundo, dizendo que ele é assim só porque sempre foi assim. Evoluímos, e sinal disso são nossos filhos que, a cada dia, conseguem negociar seus conflitos com maior justiça, mais paz e mais liberdade. Quem não acredita nisso, pare o carro, pare a corrida, e veja! Violência tem solução, e esta passa por nós.
Em resposta aos versos de Drummond, há outros, de Fernando Pessoa: “há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É tempo de travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”
(Crônica: Jorge Marin)
Uma violência que me parece cada vez mais comum é a que cometemos contra nós mesmos, quando nos conformamos passivamente em viver uma vida que nos desagrada, sem alegrias ou expectativas a curto prazo que façam valer a pena sair da cama para viver mais um dia ao invés de apenas existir mais um dia. Se não temos mais tempo e carinho conosco, dificilmente conseguiremos ter com os outros, daí uma explicação para a amargura e descaso com que tratamos em certas ocasiões as pessoas que nos cercam. A apatia pode causar atos violentos por puro reflexo ou, pelo menos, permite que atos violentos de outros se perpetuem.
ResponderExcluirSylvio