quarta-feira, 3 de agosto de 2011

PLURIVERSOS

Arte digital por Bleihn Micer

Acordo, e o dia está maravilhoso: claro, temperado, não muito frio e nem muito quente. Exatamente o tempo que eu gostaria que fizesse num lugar que eu fosse morar para o resto da vida. Minha esposa discorda: que, pena, hoje não dá pra lavar roupa! Esta situação se repete, principalmente dentro da cena conjugal: muitas vezes, o marido chega em casa, todo pimpão, cheio de amor pra dar, e é recebido pela esposa com cara de Dilma em fim de mandato (imaginem a cena!) que está sentida por algo que o marido fez – e a magoou – e ela não fala porque entende que ele deveria saber a besteira que fez. Só que, se soubesse, provavelmente não teria feito.
Lacan dizia que o mal-entendido é inevitável, e até mesmo que a psicanálise só faz explorá-lo... o mal-entendido. Mas, acabo chegando à conclusão de que a coisa vai além do mal-entendido: nesta convivência nossa do dia a dia, é como se não existisse universo. Já ia dizer um único universo, caindo assim num pleonasmo vicioso, pois a palavra universo já significa “tornado um”. A coisa me parece como se cada um tivesse seu próprio universo; por isso, o título “pluriversos” da postagem.
Senão, vejamos: vamos combinar que, tudo, mas tudo mesmo, na vida, só diz respeito a nós mesmos, concordam? Quem não concordar, pode tentar perceber alguma coisa com um sentido que não seja seu. Ah, mas quando eu vejo a Mona Lisa, estou vendo uma forma de beleza vista pelos olhos de Leonardo da Vinci. Nada disso: quando vejo a Mona Lisa, vejo minha leitura de uma forma criada por Leonardo para representar a percepção que ele teve, naquele dado momento, de uma pessoa, que dizem que pode até ter sido ele mesmo no espelho.
Mas, por que se preocupar então com uma questão tão eminentemente filosófica quanto esta, que mais parece um enunciado budista? A questão é que, como achamos que outras pessoas, que entendemos mais sábias, mais santas ou mais famosas, emitem opiniões sobre a visão delas, do universo delas, incorporamos aquelas palavras, belas ou não, como se fossem nossas. Ora, ora, mas como existem centenas, talvez milhares de pessoas que aprendemos a cultivar com adoração, vamos carregando milhares de universos nas costas, e como estamos o tempo todo a pensar nessas galáxias virtuais (eis que são virtuais mesmo!) não nos resta tempo pra nada, e ficamos reclamando da falta de tempo.
A esta altura da reflexão, uma questão alarmante nos assalta: se é verdade, então, que tudo não passa de um bando de leituras do universo, que cada um faz, ou, se é verdade que tudo não passa de ilusão, então não existe nada? E é aí que a coisa pega, porque ilusão não significa que a coisa não exista, mas somente que está sendo percebida de uma forma incorreta, ou grosseira, ou até mesmo... pouco inteligente.
Vou dar um exemplo prático: fui ao médico, há uns vinte anos atrás, e este senhor, considerado na cidade onde eu morava, como o melhor na sua área, me disse que eu poderia estar com um câncer no pescoço. Saí do consultório arrasado, me descabelei (há vinte anos, ainda possuía um pouco de cabelo) e chorei muito. Até que um mestre – na verdade um coroa que ficava num boteco tomando campari e comendo torresmo – me falou: olha, rapaz, isto que esse cara falou é uma opinião pessoal dele, baseado num ensinamento que ele entendeu da fala de um professor que, por sua vez, leu num livro uma opinião de um cientista que se baseou numa observação estatística que pode ou não ter sido corretamente observada num tempo em que podia ser ou não válida. Não consegui acompanhar completamente o pensamento do meu amigo bebum, mas o fato é que, graças a Deus, o médico estava errado.
O fato é que o filósofo de botequim estava correto: até mesmo quando estamos seguindo uma religião, sei que este assunto é polêmico, mas estamos seguindo uma opinião pessoal de um sacerdote baseada num livro escrito por um determinado escritor que resolveu destacar uma frase ou ideia que ele afirma que um avatar falou.
A solução para esse problema, ou o busílis, como gostava de dizer o meu avô é o seguinte: primeiro, esquecer tudo o que foi lido aqui; depois, botar esse tanto de universos alheios no chão, e viver o seu próprio. Com muita calma. E atenção.

(Crônica: Jorge Marin)

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