quarta-feira, 31 de agosto de 2011

DEPENDÊNCIA OU MORTE

Foto publicada no blog sacraliza.blogspot.com

Alguns fatos, repetidos, podem ser indicadores de alguma tendência. Coroas de hoje, gostamos de ser moderninhos e acompanhar as tendências para não corrermos o risco de sermos chamados de ultrapassados.
Numa festa, fico intrigado por quê uma senhora, magra, recusa os salgadinhos deliciosos, servidos pelo bufê. Ela me explica que não pode engordar. Percebo que ela é bem esguia e, no entanto, afirma que tem feito uma dieta severa porque o marido não admite que ela engorde.
Saindo de uma clínica, encontro com uma médica, conhecida, que está na porta. Aguardando táxi, doutora? – pergunto. Ela me explica que, na verdade, está esperando o marido, que vem buscá-la, no carro dela. Quero deixar claro que, nem no primeiro caso, nem neste, perguntei nada, só fiquei curioso. Mas, em ambos, as mulheres fizeram questão de dar explicações. A doutora me explicou que o carro é dela, que ela tem carteira de habilitação, mas não dirige porque o marido entende que ela ainda não tem a segurança necessária para conduzir um veículo.
O curioso desses fatos é que se trata de casais jovens e, nem o marido do primeiro caso é nutricionista, nem o marido do segundo é examinador do Detran.
Mas, qual é o motivo da minha perplexidade? É o seguinte: nós vivemos um tempo de transição. Entre a figura austera e monolítica dos nossos pais e avôs, e a emergência das mulheres no mercado de trabalho, ficamos no meio de um tiroteio: se agimos à antiga, somos trogloditas e machões, e a esposa reclama. Se ficamos no cê-qui-sabe e esperamos que esta tome as decisões, ela reclama também. Aí, depois de muita discussão, e, às vezes, muita terapia, conseguimos, finalmente, um ponto de equilíbrio: oba, não há mais dependência, as decisões agora são tomadas por consenso.
Aí, quando estou começando a acostumar com essa história de consenso que, por sinal, dá um trabalho danado, vêm essas senhoras contemporâneas, antenadas, com essa história de “meu marido não deixa”. Será que eu vou ter que começar tudo outra vez?
A coisa toda, no entanto, tem uma origem mais profunda. Desde sempre, temos, em primeiro lugar, uma necessidade muito grande de aprovação e, em seguida, uma mania muito estranha (estúpida?) de achar que tem sempre alguma autoridade, algum mestre, algum dotô, capaz de me dizer o que é que eu devo fazer. Assim, saímos de casa, mas, mesmo distantes dos pais que, muitas vezes, até já faleceram, continuamos no joguinho de pedir a benção. E não é por respeito não, é que é mais fácil seguir os conselhos, as instruções de um outro. Se eu me dou bem, está tudo ótimo. Se não, a culpa é do outro. Além do que, ficar dependente de uma pessoa tem a grande vantagem de me permitir reclamar do outro. E vejam bem que eu não perguntei nada para as mulheres, mas elas fizeram questão absoluta de dizer o quão vítimas elas eram de seus maridos.
São Paulo dizia, na primeira epístola aos Coríntios, que, “no Senhor, nem a mulher é independente do homem, nem o homem é independente da mulher”. Outra afirmação nesse sentido, do mestre Buda, diz: “Eu existo porque você existe, você existe porque eu existo.” Fica claro que viver, seja qual for a linha de pensamento empregada, implica em conviver, implica numa interdependência. Mas a dependência, nesse caso, não é aquela da drogadição. Pelo contrário, somos dependentes de nossos cônjuges da mesma forma como dependemos do sol, do ar e da água. É mais significação do que aprovação, é mais sentimento do que ação, é mais paz do que submissão. Isto é uma coisa da qual devemos ter plena consciência. E é por isso que Drummond afirmava que o sofrimento é opcional. Se iludir menos, aconselhava ele, e viver mais.

(Crônica: Jorge Marin)

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