quarta-feira, 10 de agosto de 2011

TRABALHANDO O PSICOLÓGICO

Arte digital por Monika Skalak

Conversando outro dia com o Mazola, colega de ginásio e também comentarista aqui do blog, chegamos à conclusão que, por mais que tentemos nos atualizar, acompanhar os filhos, twittar, facebookar e outros, esbarramos com alguns conceitos que, simplesmente, não conseguimos entender. Não é por burrice, nem por preguiça. São alguns termos que, em nosso tempo tinham uma conotação, e hoje tem outra totalmente diferente.
E olhem que eu não estou falando sobre gírias, não! Vejam o caso, por exemplo, de um participante de um reality show, chamado “A Fazenda”, que declarou, na semana passada que se considerava preparado para vencer pois, antes de ir para o programa, trabalhou muito o seu psicológico. Foi eliminado.
O técnico do Cruzeiro disse, também, que o time não estava acertando porque o técnico anterior não estava trabalhando bem o psicológico da equipe.
E, finalmente, nesta semana, num caso policial em que uma menina, rejeitada pelo namorado, supostamente se jogou de uma ponte, a família pediu a prisão do namorado que, segundo a parentada, “matou o psicológico” da moça.
Acho que o uso contínuo do computador tem gerado essa confusão, de que, a exemplo da máquina, também nós, humanos, possuímos um hardware e um software, sendo que este último pode ser trocado e até “trabalhado”. É como se existisse uma região chamada “psicológico” que pudesse ser malhada ou fortalecida. Nesse aspecto, o psicólogo surgiria, talvez, como um personal trainer, que pudesse orientar um fortalecimento desse conjunto de... comportamentos?
Ora, mas não é isso mesmo que um psicólogo faz? E eu respondo: absolutamente não. Primeiro, porque o trabalho do psicólogo não se restringe apenas aos comportamentos. A Psicologia tem um pé na Filosofia, que foi de onde ela saiu. Psicólogo não treina: ele estuda, ele investiga, e tenta compreender (e eventualmente explicar) o comportamento do indivíduo dentro de um contexto social.
Depois, porque não existe essa coisa de “psicológico”, como se fosse um dente siso, ou uma vesícula biliar. Somos seres humanos integrais, completos e complexos. Iluminados por uma centelha de vida, que cada qual vai explicar de acordo com sua crença, não somos fragmentados a ponto de ter nosso lado psicológico roubado, ainda que seja para fortalecê-lo.
Preocupo-me com esse novo conceito de “psicológico”, porque a maioria das pessoas acaba comprando a ideia, e se descuida de coisas básicas, como, por exemplo, ensinar os filhos a ter, e a defender, sua dignidade. Moças, que são constrangidas por seus namorados a adotar determinados comportamentos restritivos, não estão tendo o seu “psicológico” atacado: elas estão, na verdade, abrindo mão de sua dignidade. Se um namorado exige, como condição para continuar o namoro, que a namorada se comporte assim ou assado, vista roupas de um determinado padrão e até desista de certas amizades, e a namorada aceita essa imposição, não foi porque o namorado matou o psicológico dela, mas porque ela aceitou essa condição. É claro que a aceitação da chantagem muitas vezes se dá em virtude de imaturidade da pessoa. Nesses casos, seria legítima uma intervenção da família, orientando, corrigindo e mesmo coibindo um relacionamento doentio do tipo insegurança com baixa estima.
Seres humanos são o que são: às vezes divinos, às vezes diabólicos, mas, acima de tudo, donos de suas escolhas, do seu livre arbítrio. Este é o nosso maior legado, o que dá riqueza às nossas vidas.
A preocupação não deve ser com o psicológico, que vai, algumas vezes, bem; outras, mal. A preocupação deve ser, sempre e sempre, com o patológico.

(Crônica: Jorge Marin)

Um comentário:

  1. Texto muito bom , Jorge.
    Temos uma avalanche de informações a cada dia e, a maior parte delas, não passa de equívocos, péssimas informações. Precisamos de pessoas que sejam capazes de criticar e esclarecer. Estas podem fazer a diferença.
    Parabéns!
    Mika

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