quarta-feira, 24 de agosto de 2011

ÉDIPO 2 - MAIS FUNDO

Arte digital por Kadri Umbleja

Semana passada, falávamos do destino. E muita gente veio me falar que não existe destino, que nós fazemos o nosso caminho, através de escolhas e por aí vai. Eu insisto em dizer que, quando conhecemos a estrutura, o destino acaba sendo mais previsível do que poderíamos supor. Eu falei em nadar sem a pranchinha, e isto é uma escolha que posso fazer. No entanto, pela minha estrutura, posso afirmar, com certeza, que meu destino é não respirar debaixo d’água.
E não precisamos ser tão óbvios assim. Conhecendo, por exemplo, a estrutura do gabinete da presidente Dilma, poderíamos afirmar, também com certeza, que haveria algum tipo de corrupção, talvez não tão cedo quanto ocorreu.
Há pessoas que passam a vida reclamando que o mundo lhes é cruel, que são vítimas de algum tipo de mau olhado ou da possessão de um espírito maligno. No entanto, embora pareça se tratar de um caso único, é, na realidade, um tipo de estrutura em ação.
Conhecemos, em nossas famílias, ou na nossa comunidade, exemplos clássicos de pessoas, cujo destino é totalmente previsível: é o caso, por exemplo, da pessoa boazinha, aquela que faz tudo pelos outros, ajuda todo mundo, carrega, como dizem, os outros nas próprias costas. Invariavelmente, o destino dessa pessoa é a ingratidão. Cada um de nós mesmos, se já assumimos esse papel, certamente nos frustramos.
Há outro caso clássico, que é o da mulher abusada pelo marido. A princípio, a coisa começa com algum tipo de violência verbal, um xingamento, uma proibição ou um grito. Depois, uma agressão leve, um aperto no braço, um empurrão. A mulher reclama, fala com a família (ou não), mas suporta. Nesse caso, também, não é preciso ser adivinho, para saber o que vai acontecer: ela vai apanhar feio, aí vai sair de casa, ou denunciar o marido. E, algum tempo depois, ele vai voltar arrependido, talvez até sinceramente arrependido mesmo. Ela vai aceitá-lo de volta, achar que ele é outro homem, que está diferente, não está mais bebendo, e o ciclo recomeça de novo.
Por que falo sobre isso? É porque muitas pessoas vão seguir acreditando que são vítimas de alguma maldição, de algum “trabalho”. Outras, um pouco mais esclarecidas, dirão que sabem que adotam um comportamento autodestrutivo, mas não têm como evitá-lo. E talvez não tenham mesmo, porque isso que faz os neuróticos agirem dessa forma, vai se repetindo indefinidamente. Como um DVD riscado, cujo destino, sabemos de antemão, é suprimir a imagem quando o leitor chegar naquele setor defeituoso.
A coisa é tão séria, que, até mesmo na terapia, o indivíduo repete os comportamentos: se é uma pessoa compulsiva, vai fazer um monte de “mudanças” só para agradar ao terapeuta; se é uma pessoa histérica, vai falar de suas misérias com uma riqueza de detalhes digna de um filme do Tarantino, serão rios de sangue, dores lancinantes e sofrimento insuportável, porém temperados com uma dose de sensualidade e insinuação.
Mas, afinal, tem solução? E aí vamos dizer que não podemos falar propriamente de uma solução, mas um despertar da consciência naquele exato momento em que somos compelidos a repetir um movimento autodestrutivo. E o primeiro passo, acredito, é não fugir do destino. Édipo teve o triste fim que teve justamente por fugir do próprio destino. E não estamos falando de escrito nas estrelas, mas inscrito na carne, no coração e na fala.
Saber que o espírito maligno, o vudu, o mau olhado, sou eu mesmo no espelho. É entender que o importante, como dizia Sartre, não é o que os outros fizeram de mim, mas o que é que eu vou fazer com aquilo que os outros fizeram de mim.
Enfim, cair na piscina, sem a tal pranchinha, ter consciência de que não vai, nunca, ter guelras lá no fundo. E, no entanto, subir à tona. E respirar...

(Crônica: Jorge Marin)

2 comentários:

  1. Jorge,
    Ao ler seu texto, me veio á cabeça muitas relexões, mas um texto não me saiu da cabeça. Percebo, que estou dando uma quinada de 180 graus, porém, não posso deixar de pensar no Pedro que quis andar sobre as águas e que conseguiu por alguns segundos, mas acabou afundando.
    Então ele gritou e o socorro veio...
    Mt.14,25-31
    Mika

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  2. Mika,
    Acho que a chave do conflito neurótico pode estar mesmo em Pedro que, igual ao mestre, andou sobre as águas também! Mas, teve medo, e afundou... Mas, que ele andou, andou.

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