quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O QUE HÁ DE NOVO NO DIVÃ? - III

Cena da novela "Morde e Assopra" da TV Globo

A vantagem de atender muitas mulheres no consultório e, principalmente, de ser casado com uma mulher, é que a gente vai aprendendo a olhar. E perceber as coisas que estão em volta.
A paciente coloca a bolsa Louis Vuitton em cima do divã, e se senta do lado. Está um pouco ansiosa, arruma o cabelo, relógio Michael Kors, acho que, se fumar fosse chique, ela iria pegar uma daquelas piteiras da Audrey Hepburn, e acender um Dunhill. Tenho que parar meus devaneios consumistas, porque a demanda está ali, pronta para explodir.
- Acho que a minha fibromialgia não tem mesmo jeito. Já tentei tudo: pilates, acupuntura, shiatsu, até mesmo um remédio importado que um amigo traz de Nova Iorque, mas nada. Eu não consigo nem dormir. O Carlos Maurício deita, depois do jogo do Fluminense dele, e dorme igual a uma pedra. E eu fico enrolando, com o tablet na mão, leio alguma coisa, e só vou dormir de madrugada.
Ela é gerente de uma multinacional e o marido trabalha em algum desses órgãos do Poder Judiciário. Levam uma vida financeiramente tranquila, moram num condomínio com vigilância 24 horas, viajam regularmente para o exterior, e têm carreiras aparentemente bem sucedidas. Lá, a miséria é de outra ordem:
- Chegou o resultado dos exames, meus e dele, e dizem que não temos nada. Tenho seguido todas as orientações médicas, leio tudo sobre fertilização humana, sou quase uma doutoranda no assunto, e não consigo engravidar...
Os olhos se enchem de lágrimas, disponibilizo a caixa de lenços de papel. Ela para de falar um pouco. Desde que seus pais se separaram, tem planejado sua vida nos mínimos detalhes, estudou Administração, namorou um colega de faculdade, colocou um DIU antes de ter a primeira relação sexual, temendo que um filho pudesse atrasar sua carreira, foi sempre a melhor aluna, casou-se tão logo concluído seu mestrado e começou a trabalhar nessa empresa. Nomeada gerente de divisão, resolveu então engravidar, mas não consegue, e preocupa-se:
- Já estou com 35 anos, daqui a pouco não vai mais ser possível. Por que é que isso acontece? Temos feito tudo direitinho, estamos bem... Por que, meu Deus, por que?
É impressionante como a pessoa constrói um castelo para si, vai morar lá dentro, onde se protege de tudo e de todos. Às vezes se apequena para caber na sua fortaleza e, uma vez emparedada, não recebe ninguém (nem um bebê?) e também não consegue sair.
- Os meus exames deram todos dentro dos parâmetros esperados, leucócitos, triglicérides, plaquetas, tudinho equilibrado. Fiz até esse novo exame, o antimulleriano, e os números estão todos em conformidade. (Disso eu não tinha dúvidas, penso.) E os do Carlos acho que também estão legais.
- Você não viu os exames dele? – pergunto.
- Não, mas ai dele se tiver alguma coisa e ele estiver me escondendo. Eu como ele vivo!
- Você come ele? – pergunto, me fazendo de desentendido.
- Como assim? – responde ela, devolvendo a pergunta e o “como”.

(Conto: Jorge Marin)

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