sexta-feira, 4 de novembro de 2011

ASSOMBROSA PAIXÃO - CAPÍTULO 3

Arte digital por Keri LeMaster

De noite, no cemitério de São João, trovões, a chuva quase caindo e aquela gatinha, que eu já nem sei mais se queria tanto assim, irredutível:
- Temos que ir lá em cima... no Cruzeiro.
- Lá aonde? Cê tá brincando! Não sei se você sabe, mas o Cruzeiro fica quase no meio do cemitério! Tem certeza que não podemos rezar daqui mesmo?
- Serjão! Temos que acender a vela no Cruzeiro! Rapidinho a gente chega lá! Vamos logo antes que a chuva caia de vez - concluiu.
- Leve a mal não, mas daqui não passo nem a porrete!
- Se você não for, eu vou ter que ir sozinha! Já que viemos até aqui vamos fazer a coisa direito!
Aí, já pensando na minha reputação, e vendo a possibilidade dela subir sozinha, fui de imediato respondendo:
- Claro que vou! Mas precisa ser mesmo hoje? Não pode ser outro dia?
Então, após respirar fundo, lá fomos nós.
Enquanto subíamos, fui surpreendido quando, de repente, ela me deu a mão para caminharmos juntos. Fiquei todo assanhado e, por minutos, me esqueci até daquele cangaço que estava passando. Confesso que comecei até a gostar da ideia.
Subindo em passos largos e carregando uma vela na mão, começamos a nos aproximar.
Alguns pingos começaram novamente a cair. Relâmpagos cortando o céu e uma forte ventania chegou de vez.
Se existia algum poste no trajeto, deveriam estar todos eles com as lâmpadas queimadas, pois um breu total seguia nos acompanhando. Tínhamos, como única referência, os relâmpagos, que, vez ou outra, clareavam nosso caminho.
Enfim, conseguimos chegar até o Cruzeiro. Eu já estava suando, de medo e de emoção.
Silêncio total. A não ser o barulho do vento e dos trovões, não se escutava absolutamente mais nada.
- Vamo logo, vamo logo! Pedi que fosse o mais breve possível.
Enquanto ela rezava, eu ficava de olho no clarão dos relâmpagos, tentando monitorar cada centímetro ao nosso redor. De antemão, já havia dito que qualquer coisa diferente que se mexesse, eu despencaria de lá num pé só.
Nossa adrenalina estava tão aguçada, que um simples vaga-lume, que piscasse ao nosso redor, iria deflagrar uma correria sem precedentes.
Mas tudo foi transcorrendo dentro do possível, até que, ao pegar a vela pra acendê-la, fomos descobrir que havíamos nos esquecido dos fósforos.
- Vai ficar é apagada mesmo! - Pensei.
Ledo engano. Pois foi aí que a coisa danou de vez.
Neste exato momento, sob um forte clarão de relâmpago, uma voz pausada e grossa sussurrou próximo da gente:
- Se ôceis pricisá de fósfo, eu tem!
Aaaaaaaaai...
SEMANA QUE VEM: foice, fuga e gato preto, o último capítulo.

(Crônica: Serjão Missiaggia)

Um comentário:

  1. Que roubada,Serjão!...
    A Dorinha está gostando desta estória ? Aposto que ela está torcendo para que venham foices, gato preto e tudo o mais.
    Mika

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