Acho que,
no último domingo, vivi um dos melhores carnavais da minha vida. Após atear
fogo a uns carvões, fiquei, em silêncio, esperando o braseiro se formar,
sentado numa espreguiçadeira, enquanto pássaros há muito esquecidos da minha infância
invadiram, para minha surpresa, aquilo que chamam cafonamente de espaço gourmet.
São canários
da terra, tico-ticos, bem-te-vis e, ao abrir a torneira para regar minhas
espadas-de-são-jorge, fui surpreendido por um autêntico sabiá laranjeira
cantando a plenos pulmões na desolada paisagem urbana. Como diz o samba
campeão: “é água de benzer, água pra clarear, onde canta um sabiá”.
O samba é
cantarolado baixinho, como a lembrar que, apesar de distante da folia, eu sou
bom sujeito e não sou ruim da cabeça. O pé, herança de uma genética austríaca,
ainda é meio de chumbo.
O fogo
vai ardendo e é assim que deve ser. Alcanço uma caneta e, como nos tempos do
Bar Xodó em São João Nepomuceno, pego um guardanapo e resolvo escrever... uma
poesia? O tal samba volta à minha mente: “vai inspiração, voa em liberdade,
pelas curvas da saudade”.
Mas...
vão perguntar: e o Carnaval? Assim mesmo, com maiúscula. Onde estão os
passistas, ritmistas, bateria e porta-bandeira? Aponto para a TV ligada (sem
som) e digo: lá! E eu... aqui! Quietinho, com minha passarada. Assim como eu,
parece que eles comemoram a ausência de trânsito, de barulhos e de vozerio.
Esse foi
meu carnaval. Não que eu critique ou despreze aquela festa maravilhosa da qual,
aliás, participei ativamente por muitos anos. Torço, sinceramente, para que
cada vez mais e mais pessoas possam se reunir lá, na Bahia, no terreirão, nas
praias, nos sambódromos. E que seja uma festa linda, com muito ritmo, calor e
sensualidade!
Mas,
principalmente, que nos deixem aqui, eu, a família e os passarinhos.
Minha
esposa, que está jardinando, me traz uma flor. E o danado do samba teima em
martelar na minha cabeça: “o perfume da flor é seu, um olhar marejou sou eu,
quem nunca sentiu o corpo arrepiar ao ver esse rio passar”.
O fogo,
finalmente, esquenta.
Crônica:
Jorge Marin
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