Já havia alguns
dias que minhas tias tinham recebido a notícia de que os “tóchicos” estavam
invadindo São João. Naquele glorioso ano de 1972, não se falava de outra coisa
na cidade.
Muitos apregoavam
o fim dos tempos, outros citavam a Bíblia naquela parte sobre Sodoma e Gomorra,
pois, diziam alguns, as tais drogas faziam as pessoas agirem diretamente no
pecado, mesmo sem vontade. Contam que uma certa moça, moça de família, até
concordou em fornicar com o seu namorado, mesmo sem ter nem noivado.
- Isso é
coisa de “cumunista” – dizia o sô Arnaldo, nosso vizinho.
Eu, na
bocozice dos meus quatorze anos, morria de medo dessas coisas estranhas. Embora
estivesse autorizado a sair de casa, para ir trabalhar lá no Banco Commércio e
Indústria, eu jamais me arrisquei a ir num dos tais "barzinhos"
porque me disseram, com conhecimento de causa, que lá eles colocavam uma tal de
maconha na sua bebida. Aí, você endoidava de vez!
Teve um
dia que eu fui lá na Delegacia, entregar umas correspondências pro Monteiro, e,
na saída, um soldado disse que o delegado, que era novo na cidade, queria falar
comigo. Cagão que só, morri de medo, mas entrei todo solícito com minha
pastinha, e o tal homem mandou eu sentar, e disse solenemente:
- Você
sabe que você está na lista?
Bom, é
preciso abrir um parêntese para explicar essa coisa de lista: nos tempos da
ditadura militar, era muito comum os policiais procurarem células comunistas
nas cidades. Assim, havia o grupo dos onze, que era um tipo de organização
criada pelo Brizola para apoiar o Jango. Aí, a polícia ficava fazendo uma lista
pra tentar adivinhar a “escalação” completa dos onze do grupo.
Mas, como
espionar comunista é pouco, eles também tinham uma lista dos “viados” (naquele
tempo podia falar) e outra, mais recente, dos maconheiros, e era nesta que eu
estava. Quase desmaiei quando o delegado falou, pois embora eu já tivesse lido
sobre a maconha num livro de botânica, e soubesse que ela era fumada e não
bebida (coisa que as minhas tias jamais concordaram), eu nunca tinha visto um
cigarro daqueles, mesmo porque eu detestava cigarro, acho que é porque eu tinha
bronquite.
- Eu não
acredito que você, um jovem trabalhador, use essas coisas não, meu filho, mas,
se seu nome está na lista, é porque você deve conhecer quem usa. Aí, eu só
queria saber mesmo é o nome das pessoas, pra dar, assim, uma orientação, sabe
como é.
Imaginem
vocês que, já naquele tempo, me ofereceram a “delação premiada”, mas, tanto em
1972 como hoje, eu sempre tive um ódio mortal de dedo duro. Eu não me lembro
como, mas eu saí e fui subindo a rua Capitão Basílio, preocupado, pensando
assim:
- Não
adianta nada ser inocente, pois se o seu nome tá na lista, aí já era!
Crônica:
Jorge Marin
Foto : disponível em http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/propagandas-antigas-de
.
Meu amigo Jorge na lista do tóchico... ê injustiça, sô!
ResponderExcluirPor sugestão, poderia ter se tornado uma espécie de Cristiano F., 14 anos, drogado e prostituído; mas seguiu o (bocó) caminho dos bons e se tornou um cara legal (e legalizado)!