Já andei
escrevendo aqui no Blog sobre nosso pé de caqui, o galinheiro e seus empenados,
meu inesquecível pássaro preto e até mesmo um simpático gambá que por estas
bandas certa vez resolveu aparecer. Achando, até então, ter cumprido minha
difícil e prazerosa missão literária doméstica, qual não teria sido a minha
surpresa quando, dias atrás, ao receber um e-mail de meu estimado mano, fui
questionado sobre os motivos de não ter ainda escrito uma única linha sobre
nosso velho RELÓGIO de parede. Relógio este que vem passando, há quase um
século, de pai para filho e do qual, atualmente, tenho a honra de ser o
guardião.
Cheguei
certa vez a apelidá-lo de EL RELOJ em homenagem àquele famoso bolero de Roberto
Cantoral, que inicia sua letra dizendo: POR QUE NÃO PARAS RELÓGIO. Verdade seja dita, se acaso o saudoso
compositor possuísse na época uma preciosidade como essa, com certeza, a música
fatalmente teria começado de maneira um pouquinho diferente, ou seja, POR QUE
PARAS TANTO RELÓGIO?
Sei
apenas que essa relíquia, que até pouco tempo vinha passando meio que
despercebida, hoje é persona grata, membro honorário da família e com lugar
privilegiado na casa.
Semanalmente,
tenho que dar-lhe corda, e se tal não acontecer, o danado empaca feio e nos
deixa na mão. Pra ser mais preciso, terei que executar exatamente dezesseis
giros completos, sentido anti-horário em uma de suas borboletas laterais, mais
precisamente a da direita. Se acaso nos distrairmos ao contar as voltas, basta
somente observar quando uma forte pressão dificultar os movimentos. Nesse
momento, é hora de parar, pois a
próxima, com certeza, será a décima sétima. A borboleta da esquerda, bem mais
suave e fácil de manejar, pouco é acionada, e somente é usada para fazê-lo
despertar.
E já que
falamos em despertador, diria que esse seu mecanismo é tão poderoso e
traumático, que sempre aconselhamos ao dorminhoco de plantão despertar antes
para desativá-lo. Melhor sair da cama dez minutos adiantado que acordar
apavorado. Literalmente, um desperta dor!
Sistemático
como alguns membros da família, não aceita qualquer lugar pra cumprir sua
rotineira missão. Tem que ser superfície lisa, e num prumo que, às vezes, levo
horas pra encontrar. Já cheguei a furar algumas dezenas de vezes uma mesma
parede, somente para tentar encontrar um lugar de seu agrado.
Seu
cheiro sempre me seduziu. Cheguei até a criar uma agradável mania que consiste em,
ao terminar de lhe dar corda ou no final de cada manutenção, ainda antes de fechá-lo,
dar uma boa cafungada no interior de seu gabinete. Incrível como um mesmo aroma
permanece impregnado por tanto tempo. Algo assim misterioso, fazendo lembrar o
mesclar de madeira nobre, lubrificantes, óleo de peroba e outras coisas mais. Genuíno
e puro bálsamo que, forjado no tempo, me faz, a cada cheirada, ser transportado,
por fração de segundos, a algum lugar desconhecido.
É sempre
prudente acertar seus ponteiros deixando-o com dez minutos adiantados, pois
sempre teve o terrível hábito de ficar atrasando pouco mais de um minuto por
dia. Aí eles vão se acumulando, para,
quando chegar o final de semana, acontecer aquele estrago, ou seja, muita gente
chegando atrasado a algum compromisso.
Mas, o
gostoso mesmo é acertar suas batidas, que, por sinal, sempre foi o meu grande
sonho de criança. Quantas vezes eu ficava a olhar admirado meu pai a fazê-lo.
Este era pra mim outro grande mistério (talvez o maior deles) e que também me
fascinava. Não via a hora em que pudesse me tornar adulto e, assim como meu
velho, poder também executá-lo. Era mágico ficar observando quando, ao enfiar
uma das mãos em seu interior, alcançava um lugarzinho misterioso bem atrás das
engrenagens. Por sinal, somente ele sabia chegar nesse ponto e assim acionar um
determinado mecanismo.
E os anos
se passaram até que meu dia chegaria. E qual não teria sido minha felicidade ao
descobrir o tal lugarzinho e poder acionar pela primeira vez o referido
pino. Enquanto criança, já havia tentado
algumas vezes escondido do velho, mas não sei se, pela pressa ou medo, nunca
havia conseguido.
Confesso
que, em muitos momentos, aquela manobra se torna uma tarefa bastante enjoativa
e demorada, pois, dependendo do acerto, teremos que ficar escutando infinitas e
repetitivas badaladas, até que se chegue ao número de batidas desejada.
Falando
em batidas, interpretá-las não era pra qualquer um não, sendo que, somente
depois de muito estudo, doutorado e incansáveis explicações do Sr. Tuninho, que
conseguíamos. A coisa então funcionava mais ou menos desta maneira, segundo o
velho:
“Quando o
relógio bater duas vezes, isso quer dizer que serão três horas, ou melhor, três
e dez, pois, dependendo do dia da semana, possivelmente ele já deverá ter
atrasado aqueles dez minutos.” E, se acaso estiver arrastando as batidas entre
uma hora e outra, é porque está começando a pedir socorro.
Enfim,
esse nosso velho relógio se tornou mesmo um objeto de estimação que, apesar da
insistência de alguns cupins em querer atacá-lo, e de um Tic e Tac pendular que
fica a incomodar algumas pessoas, segue fielmente em seu rotineiro trabalho de
atravessar o TEMPO, sem deixar, por um SEGUNDO sequer, de nos mostrar a HORA.
Crônica e
foto: Serjão Missiaggia, junho de 2013.
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