sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O SAGRADO E A INDONÉSIA


Afinal, o que é sagrado? O ataque terrorista à revista francesa Charlie Hebdo, que publicava charges ofensivas ao profeta Maomé deixou algumas reflexões que acabam por afetar a todos nós, e aos nossos conceitos, ou preconceitos.

Um dos nossos ídolos de juventude, Tony Bellotto, dos Titãs, é enfático em sua coluna dO Globo: “nada é tão sagrado que não mereça uma profanação ou uma sacanagem”. Mesmo com toda a isenção e com todo o liberalismo ou libertarismo que tento imprimir em minha vida, não consigo corroborar a opinião do meu ídolo titã.

Explico: admito uma vida vivida sem nenhum tipo de referência a qualquer tipo de deus. No entanto, não consigo prescindir da existência do sagrado, não no sentido proselitista ou canônico, mas no reconhecimento de uma Lei, seja esta cultural, mesmo não escrita ou institucionalizada. A Lei existe justamente como um balizador do que é ou não permitido em determinada sociedade.

Podem perguntar: mas não é possível, como ocorre muito no Brasil, de se driblar a lei? Sim, é possível, mas há consequências. O que tento dizer é que, por mais abominável que seja o terrorismo (e é!), uma pessoa que, deliberadamente, achincalha, debocha ou desqualifica determinado símbolo que é sagrado para determinada cultura, está, de certa forma, cometendo uma violência. Não digo que uma charge deva ser retaliada com um tiro, mas entendo que provocar pessoas ou grupos é um ato que não deve vir acompanhado da certeza de uma resposta tolerante ou compreensiva.

Talvez, na realidade, eu seja um medroso, mas jamais vou desrespeitar a crença de ninguém: pessoas tocam meu interfone e me oferecem aqueles panfletos sobre o fim do mundo e a ressurreição dos mortos, e a minha reação é cumprimentá-las, agradecê-las pela preocupação com a minha salvação, mas dizer, com toda a calma, que, infelizmente, não compartilho daquela crença. Só isso.

Talvez no Brasil dos últimos anos tenhamos nos tornado moderninhos demais, liberaizinhos demais e, quando se trata de Lei, os nossos ídolos são aqueles que a burlam, que a contornam, que a enrolam. E basta ver as pessoas nas quais votamos para nos representar politicamente que iremos constatar a veracidade do que eu digo.

Por isso, quando um conterrâneo nosso desembarca num país estrangeiro onde, claramente, explicitamente, está registrado na lei que o tráfico de drogas é punido com a morte, e esse indivíduo trafica droga, nós, brasileiros, ficamos na dúvida: o que será que vai acontecer com ele? Quando a resposta, mais do que lógica, vem na forma de uma bala cravada no coração do criminoso, reclamamos: é barbárie, é uma paisinho atrasado. Gente, não é um país atrasado: é a maior nação islâmica do mundo, com mais de 230 milhões de habitantes!

Percebem que, nos dois casos, o que está em jogo é o respeito, ou não, a outras culturas? E, também em ambos, trata-se de consequências sinistras a atos de transgressão a tais culturas? Eu não faço defesa de nenhuma postura. Acho apenas que, mais do que qualquer lei sagrada, a terceira Lei de Newton é bem esclarecedora.

Crônica: Jorge Marin
Foto     : Catedral de Jakarta, disponível em https://www.flickr.com/photos/chocky_halomoan/6492246785/

3 comentários:

  1. Jorge, muita boa sua crônica. Penso exatamente assim.
    Telma

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    Respostas
    1. Obrigado, Telma. Não sei se é por estar ficando velho, mas, às vezes, tenho essa sensação horrível de sentir vergonha de ser um cumpridor da lei, como se estivesse indo contra a maré, ou como se fosse um total imbecil.

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  2. Estou com você Jorge. Sua postura , a meu ver, é a ideal.
    Mika

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