quarta-feira, 13 de março de 2013

O HOMEM QUE DESface-SE NO AR



Falava da conversa fiada.  E em como, de repente, um assunto idiota, sem brilho, sem lastro e sem beira nenhuma, encorpava-se e facebookava-se como facebookam-se os cães, as orações e os torsos nus dos adolescentes.

Naquela confusão de fotos e memes, parecia que havia conteúdo, mas eram apenas películas, calígulas e gárgulas com finalidade específica de vender algum tipo de prazer massificado.

O homem ficou em frente ao monitor, parado, envelhecido.  Assim, do nada, a trepadeira de um vaso próximo teimou (atraveu-se?) a ir subindo pelo corpo já alienado pelos byte-mes frenéticos.  Tentava mover a ponta do dedo em direção a um antigo mouse analógico, mas tudo que conseguia era um suspiro.

Aquilo que fora outrora uma pessoa já não ousava pensar.  Alienara-se no conforto fraterno das correntes utilitárias, mergulhara sem “esc” em scripts previsíveis.  Autodeletara-se de uma realidade incompreensível em off.

Tinha pensamentos coloridos de uma banda de rock, de uma mulher de véu e de um natal feliz, mas já não conseguia distinguir se eram memórias randômicas ou pop-ups recorrentes.  Na tela azulada, nada era diferente: a sucessão de formas obedecia a padrões intencionais de simulacros de beleza.

De pronto, um relâmpago deve ter acontecido lá fora: a luz apagou, o mouse caiu e partiu-se ao meio.  Num último esforço, o homem ergueu-se com dificuldade, saiu arrastando os vegetais, chegou à janela, abriu-a depois de anos de reclusão e, sem pensar, pulou...

Ventava muito.  Era o décimo andar e ainda chovia bastante.

Conto curto: Jorge Marin

3 comentários:

  1. Meu amigo Jorge... belezura de conto! Tô bobo!
    Ler seu texto me causou a sensação de como deve ser quando você está falando algo e inesperadamente leva um tapa na cara, aí fica alguns segundos num torpor estático, tentando entender onde está e o que aconteceu.
    Algumas pessoas estão deixando de ser animais e se tornando vegetais? Cruzar certas fronteiras é perigoso, porque talvez não tenhamos como voltar.
    Sua viagem psico-virtual está perigosamente possível e assustadoramente próxima.
    Para a situação de fragmentação aqui exposta, o que posso dizer que está cada vez mais prejudicial a perda de conexão, com a Net e com o mundo.

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    1. Brigadu, Sylvio. É engraçado que todo o tempo eu tinha em mente aquela imagem do início do filme The Wall, do Pink Floyd. Se houvesse Facebook na época, quem sabe o muro nem teria sido derrubado.

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  2. Fica aqui o registro tardio: que imagem significante a deste homem...
    Estamos evoluindo ou regredindo?

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BRIGADU, GENTE!

BRIGADU, GENTE!
VOLTEM SEMPRE, ESTAMOS ESPERANDO... NO MURINHO DO ADIL