Cena doméstica: a mulher chega no escritório onde o marido tenta, inutilmente, instalar a nova versão do sistema operacional que, como todos sabem, jamais funciona de primeira. A mulher esbraveja:
- A porcaria do carro que você comprou, desde que voltou do lavador, não funciona mais; não dá nem partida! Aquilo é uma porcaria. Mas você sempre pensa apenas em economizar. Isto é, economia pra mim que preciso do carro, pois com os seus softwares você não economiza nada. O meu pai te avisou pra não comprar esse carro importado, pois ele, por exemplo, sempre comprou carro nacional e nunca teve problema, porque a mecânica é mais barata...
E a conversa foi longe. Só quem convive ou conviveu com uma mulher irritada sabe até onde isso pode levar. O fato é que, quase meia hora depois ela ainda estava falando, e o marido, com aquela tela esquisita na frente, já começava a ter saudades da tela azul. Sem escutar uma única daquelas trocentas milhões de palavras, o marido para, de súbito. Pega um pano de chão e sai pela porta. A mulher ainda grita: espera aí, eu não acabei, onde você vai com esse trapo? Mas o marido já está longe. Vai até a garagem, abre o capô, enxuga a tampa do distribuidor, senta, dá a partida e o carro... liga tranquilamente.
Com aquela pose de herói, entra em casa, vai até a sala de TV e, triunfante, fala para a mulher:
- Mulher, consertei o carro!
Ela, meio hipnotizada pela novela, nem escuta. Ele repete:
- Ô mulher, consertei o carro!
E ela, sem olhar para ele: que carro??
Outra cena: a pessoa no velório de um ente querido, mas muito querido mesmo, sentindo-se como se o mundo houvesse desabado, só quer saber de chorar e não ouvir nada. E chegam os participantes do velório:
- Agora você vai ter que ser forte!
- Ele está num lugar muito melhor!
- Ele está dormindo e daqui há pouco vamos todos encontrá-lo (esta foi um padre que falou).
- Quer tomar um remedinho pra dormir?
Gente, por que é que o mundo anda tão barulhento? Não sabem a resposta? É porque tem gente enchendo o silêncio de besteiras, de bobagens, de imbecilidades e de sons inúteis. Hoje NINGUÉM RESPEITA O SILÊNCIO. E esse presente (sim, pois, para uma pessoa que tem zumbido de ouvido, o silêncio seria o maior presente do mundo), repetindo, esse presente, esse direito de não ouvir nada, principalmente abobrinhas, não está sendo respeitado. E sabem por quê? Porque todo mundo quer reforçar o seu ego falando alguma coisa, ainda que burra. O “cala a boca, Magda” do personagem do Fallabela na TV nunca esteve tão atual.
Vou exemplificar: naquele velório ao qual me referi como exemplo, chegou um amigo do falecido, um caipira, uma pessoa que jamais vem à cidade, um homem do campo que lida o dia inteiro apenas com vacas, porcos, galinhas, patos, e aves que ele alimenta livres em frente à sua cabana; pois bem, esse capiau, como desdenhosamente chamamos, postou-se respeitosamente em frente ao corpo do amigo e, sem dizer UMA ÚNICA PALAVRA, tirou o chapéu, colocou as duas mãos sobre o peito, olhou em direção ao céu, e chorou, ou melhor, deixou duas lágrimas rolarem pelo seu rosto queimado de sol. Foi a homenagem póstuma mais bela que vi em toda a minha vida. (CONTINUA)Crônica: Jorge Marin
Foto: Adam Wisinski, disponível em http://browse.deviantart.com/photography/?q=silence#/d1cutv0
O caso ocorrido com o Tico,quando caiu em mãos estranhas e não queriam devolvê-lo,me fez lembrar um fato acontecido com um amigo há alguns anos.O papagaio dele certa vez desapareceu.Depois de procurar o "penoso falante" por quase toda a cidade,seu proprietário recebeu a informação de onde ele poderia estar.Chegando à casa suspeita,o dono do papagaio bateu à porta e foi atendido por um cara mal humorado.Perguntado sobre o papagaio o dono da casa disse que não sabia de nada.Acontece que,lá de dentro, o papagaio ouviu a voz do dono e começou a gritar seu nome : "Vicente,Vicente,Vicente!".Aí não teve jeito,tiveram que devolvê-lo.
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