Eu devia
ter uns treze anos quando me vieram aquelas dúvidas. Sem ter a quem recorrer,
perguntava à minha mãe:
- Por que
é que, nos Evangelhos, um diz que Cristo foi crucificado entre dois ladrões,
outro diz que era um bom e um mau, e o outro nem fala em ladrões?
Preocupados,
meus pais me chamaram para uma conversa séria, na qual contaram a história de
Santo Agostinho que, andando pela praia tentando desvendar o mistério da
Santíssima Trindade, foi abordado por um menino (ou um anjo, segundo a
história) dizendo que colocaria toda a água do mar num buraquinho cavado na
areia. Ante a dúvida do célebre teólogo, a criança teria dito:
- É mais fácil
colocar toda a água do oceano neste pequeno buraco na areia do que a
inteligência humana compreender os mistérios de Deus!
-
Acredita agora, meu filho? – perguntava minha mãe, sorrindo, tentando reanimar
a minha fé.
- Só se
eu encontrar esse menino e falar com ele.
Quando eu
era criança, era muito importante essa questão da FÉ. E não apenas a fé em
Deus. Tínhamos fé nos militares, que haviam botado os comunistas pra correr. Fé
nos remédios modernos que os médicos nos receitavam, fé nos antibióticos. Vocês
acreditam que tinha gente que acreditava no Jornal Nacional? Bom, dizem que tem
gente que acredita até hoje, mas eu não boto fé nisso.
Crescendo
um pouco mais, eu passei a estudar a vida do próprio Santo Agostinho e, vendo
as traquinagens que ela aprontou quando jovem, aí é que passei a questionar
TUDO mesmo. Afinal de contas, perguntava, por que é que temos que ter fé? E hoje,
aos sessenta, época em que Agostinho havia escrito “A Cidade de Deus”, eu
começo a perceber qual a utilidade (se há) para esse trem de FÉ.
A fé,
primeiramente, nos tranquiliza. Vejam bem: naquele meu tempo de criança,
enquanto eu ficava questionando aquele bando de coisas, os outros adolescentes
da minha idade fingiam que ouviam o evangelho, mas ficavam conversando,
paquerando, cochilando. Ou seja, todos tinham fé, enquanto eu, naquela minha
dúvida, não conseguia ter paz.
Outra
coisa: a fé permite que nos juntemos a grupos maiores de pessoas. Por exemplo:
se sou católico, estou junto com um bilhão e trezentos milhões de pessoas mais
ou menos. Se sou ateu, estou numa turma de 750 milhões, mas sem uma sede, ou um
clube pra bater papo. Ou um canal de TV.
Portanto,
vou lhes dar duas notícias, uma boa e outra má (não vou dizer qual é boa e qual
é má). Primeira: se vocês tiverem fé, vão ter que aceitar a orientação do grupo
ao qual pertencem, sem questionar. Segunda: se vocês não tiverem fé, e
preferirem pensar por suas próprias cabeças, vão ter que abandonar os seus
grupos e viver de forma mais solitária e reflexiva. Acreditam?
Crônica:
Jorge Marin
Foto : disponível em https://www.theodysseyonline.com/life-black-sheep
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