sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O REIZINHO DA CARIDADE


Vendo as batalhas, as controvérsias e as violência que estão prestes a ocorrer em mais uma mudança da tão sofrida Educação Brasileira, não há como não me lembrar com saudades do meu querido Grupo Escolar Dona Judith Mendonça.

Em tempos simples, de cantigas doces e poesias gaguejadas e aplaudidas, recebi meu primeiro título, outorgado por uma fantástica diretora. Dona Terezinha de Almeida Isbele, ao me ver diariamente na fila dos que contribuíam com legumes para a merenda dos menos favorecidos, me apontava, franzino, e dizia: “lá vem o Reizinho da Caridade!”.

Nem é preciso dizer que aquele título, com a escola toda me olhando, e as professoras aplaudindo, me enchia de uma alegria e de um orgulho, que hoje não sei bem se eu era caridoso mesmo ou só exibido.

O fato é que o tempo passou, depois me tornei vicentino, e aquele sentimento cristão de ser caridoso me acompanhou por um tempo, embora, confesso, me sentia meio incomodado quando, nas visitas aos pobres no bairro Santa Rita, sentava-me com os demais confrades, e ficava ali com a roupinha limpinha, enquanto os filhos daqueles que recebiam o desejado “vale” brincavam sujos nas ruas sem calçamento do bairro.

Hoje, a caridade praticada daquela forma ainda me incomoda. E por dois motivos. O primeiro é político: tenho em mim essa impressão de que ir levar recursos que me sobram para os pobres é uma coisa assim meio prepotente da minha parte. Penso que o Estado tem a obrigação de dar uma vida digna aos menos favorecidos e, antes que se apressem em me rotular, já vou logo dizendo que esse é um preceito constitucional, ou seja, é Lei.

O outro motivo pelo qual a prática da caridade me incomoda tem a ver com a psicanálise: ser bom e, o que é pior, ter a obrigação de ser bom, além de uma carga narcísica muito grande, me joga numa ciranda obsessiva muito perigosa e pouco saudável.

Hoje, para apaziguar os meus ímpetos de Reizinho da Caridade, tento ser gentil. Adoro: ceder lugar para as pessoas no ônibus, sorrir para as crianças, ser paciente com imbecis, não ser excessivamente sincero e, principalmente, evitar conflitos.

Porém, até essa coisa doce e desejável de ser gentil tem sido difícil. As pessoas nos julgam o tempo todo: se cedemos o lugar no ônibus para uma mulher, dizem que somos machistas; se sorrimos para as crianças, podemos ser algum tipo de pedófilo e até mesmo evitar conflitos revela algum traço de frouxidão, de covardia.

Por isso, resolvi abdicar aqui hoje, 50 anos depois, do meu título de Rei da Caridade. A gentileza ainda quero continuar exercendo. Se me deixarem!

Crônica: Jorge Marin
Foto     : acervo pessoal do autor

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