Meu pai era homem observante, matreiro, escutador
de ordens superiores; e sido desse modo desde São José dos Cabritos, na roça de
camisolão ou pelado pelos matos, segundo pareceres judiciosos de assistentes,
quando especulei das lidas lá dele.
Do que me lembro até agorinha, ele não tinha
parecença assim de mais iletrado nem mais vexado do que os outros pais, visitas
de vez em quando, congregados marianos em sua maioria. Só assuntava. Minha mãe
era quem prescrevia, e espinafrava nos remoinhos das doideiras nossas de
moleques – meu irmão e mais eu.
Pai não desconcordava, mas guardava atrás dos
lampejos das vistas cansadas da fiação, um risco de lembrança que resplandecia,
e era um vislumbre mesmo alumiado, coisa de gente que vê, caboclos ou
vaticinadores ainda não de todo exercitados nas artes.
Via um cinema debaixo da testa. Não que fosse
conhecedor dessas maravilhas, o máximo que percorria era a porta onde nos levava
depois da missa. Namorar os cartazes. Dizia que as línguas estranhas não lhe
cabiam. Minha mãe experimentava que não era isso. Ele nem não sabia e nem
enxergava muito bem as palavrinhas, os deseinzin dizia ele. Mas ria, não se
amofinava na modernice dos tempos. Assistia o Repórter Esso e nisso mestrou-se
de dar palpite em notícias de lugares inventados, achava ele.
Dizer o que ele via não posso jamais. Sei que
eram coisas que ele fazia no que hoje chamam Ituí, mas era dentro do rio. Uma
vez revelou, reservado pra não nos fornecer ideias, sobre umas cabaças que
punha na cintura. Pra nadar, mas quase que as embiras arrebentadas levaram ele
e o irmão mais novo lá pro lado de lá, sem volta. Não contava onde, eu que mais
sabido adivinhava quando mãe lia a Bíblia inteira, modo de falar, pra nós
meninos, criminados.
No domingo depois de quando fui pra escola, mãe
ficou asmática com meu irmão novo, e fomos só eu e pai cumprir obrigações de
Missa, eu ainda no catecismo não podia manducar o corpo do Nosso Senhor Jesus
Cristo. Pai me levava junto na fila, mãos agrestes, e eu só mirava as
benzeções. Padre Trajano era cego.
Corolário de teimosias minhas que queria porque
queria, pai aprovou que fôssemos apressurados no cinema. E eu ainda queria uma
brevidade que vendia na Padaria do Popó. Fomos, meu pai açodado, suava dentro
da camisa bem passada. Azul céu, fumava meio escondido cigarro Continental.
Na porta do Cine Brasil, meu pai meio vergonhoso
da fumaça pra não me sufocar, ficou só apreciando meus interesses pelos
cartazes. Até que aconteceu, não sei como foi, de eu intentar, e desvendar de
ler: “Marcelino”. Meu pai, que não tinha esses costumes de
aproximações corporais, jogou o cigarro fora, agachou, me abraçou. Chorou. Não
vi, mas senti os soluços. Era dia 23 de fevereiro de 1964.
Crônica: Jorge Marin, imitando Guimarães Rosa
Foto : Roberto
Capri, do livro “Minas Gerais e seus Municípios”, de 1916
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