Mais uma
Sexta-Feira da Paixão e, já distante daquelas semanas santas da minha infância,
a vontade que dá é de cair no lugar comum e dizer: já não se fazem mais
quaresmas como no meu tempo.
Menino,
me lembro do fuzuê das pessoas logo após a Quarta-Feira de Cinzas. O estoque de
panos roxos das Casas Pernambucanas acabava logo, pois todo mundo acorria a
todos os cômodos da casa, embrulhando, ou ensacando, imagens de santos (e eram
muitas naquele tempo) e os espelhos.
Além de,
logicamente, não se comer carne, naqueles quarenta dias sagrados, não se
varriam as casas, muita gente não lavava a cabeça, os homens não se barbeavam e
o rádio, quando muito, era ligado baixinho, mesmo assim apenas às três da
tarde, para ouvir a Consagração a Nossa Senhora Aparecida, pelo Padre Vítor
Coelho de Almeida.
Na
quarta-feira que antecedia a Paixão, uma procissão imensa saía da Igreja do
Rosário, e outra, igualmente numerosa de uma das outras igrejas, para se juntarem
na Procissão do Encontro, e caminharem, em silêncio sepulcral, para a Igreja
Matriz.
A
Procissão do Enterro, na sexta-feira de São João Nepomuceno, era um espetáculo
que vou guardar para sempre em minha memória, independente do que eu acredite
ou não. Sentados no passeinho do Correio, víamos passar as pessoas com suas
velas, algumas choravam, outras caminhavam de olhos fechados.
Moleques
que éramos, dávamos um sorrisinho maroto quando víamos passar, na fila dos
contritos, algumas “meninas” que conhecíamos de locais bem menos santos: a
Cearense, a Glória e uma gordona cujo nome não lembro e ficava no caixa.
Terminado
o cortejo, seguíamos em silencioso respeito no final da fila, com as mãos para
trás, porém atentos a qualquer sinal de um bar aberto. A procissão já ia bem
adiantada, quando encontramos uma biboca meio aberta na esquina da Duque de
Caxias com a Barão de São João.
Um tanto envergonhados, pois todas as mesinhas de lata estavam vazias, sentamo-nos e,
baixinho, pedimos duas bramas. O garçom veio rapidamente, colocou as duas
garrafas geladas sobre a mesa, mas a culpa bateu. Um dos presentes, acho que
foi o Nilson, questionou se ainda era sexta-feira. Faltam dois minutos para a
meia-noite, respondeu o Júlio.
Em
silêncio, esperamos, ansiosos, a chegada do Sábado de Aleluia. Foram os dois
minutos mais longos da minha vida!
Crônica:
Jorge Marin
Foto : Marcus Martins, disponível em http://www.galeriamm.com/index.php
Bela postagem Marin, por sinal, com um tema bastante significativo. Estamos numa sociedade detonada e que não para pra nada. Longe das igrejas, não mais se respira pela cidade datas como o Natal, Semana Santa. Entre umas e outras coisas ficamos observando os altíssimos decibéis dos automotivos sendo despejados naturalmente como se estivéssemos no carnaval. Foi triste ver certa vez, um desse parado na esquina com o som a toda altura esperando que uma procissão passasse. Como agravante eram disparados os alarmes de alguns veículos estacionados nas proximidades. Tudo tem seu momento e lugar principalmente, quando ha respeito e bom senso ao próximo.
ResponderExcluirObrigado! O que me preocupa não é o fato de Deus ter "morrido", como queria Nietzsche, mas sim essa necessidade meio irracional de eliminar tudo o que é sagrado. Precisamos ter, no dia a dia, a dimensão sagrada das coisas, como o convívio familiar, a tradição, a pureza das nossas crianças e a atenção devida aos idosos. Certas coisas, como o respeito ao outro, têm que permanecer.
ExcluirEm meio a tantos dias de correria no ano, acho aconselhável e saudável tirar alguns poucos para reflexão de alguns (inevitáveis) lutos. Penso que assim nos tornamos mais gratos pelo que temos e conscientes do que somos.
ResponderExcluirQuando eu era jovem considerava esse fervor e convenção como algo desnecessário. Hoje percebo como um belo e útil tempo de reciclagem espiritual, ou pelo menos sua tentativa.
Disse tudo, Sylvio, se não entramos em contato, ainda que ritualmente, com os nosso lutos, como viver uma vida livre de sintomas?
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