Todas as
vezes em que retorno à casa onde passei minha infância em São João, passo horas
olhando o velho portão. É um portão como os outros, antigo, descascado, mas,
para nossa mãe, que o trancava e nos deixava do lado de dentro, aquele portão
era uma proteção do mundo.
Fechados
em nosso quintal, eu e meu irmão não tínhamos contato com a poeira, a sujeira e
a violência das brincadeiras que poderiam nos causar algum dano ou mesmo piorar
a nossa saúde que, acreditava ela, era mais frágil do que a das outras crianças
da rua. O portão também funcionava como uma barreira contra palavrões, maus
hábitos, bebidas alcoólicas e ideias negativas.
Simples,
porém antenada com as tendências modernas do seu tempo, minha mãe acreditava
piamente na importância do “pensamento positivo”. Era moda achar que pensar
coisas positivas atraía coisas positivas.
Ainda hoje
vejo muita gente comprando livros com esse tipo de pensamento. Mas, depois de
quase seis dezenas de anos, e muitas pancadas e tombos na vida, a gente sabe
muito bem que o fato de ficar repetindo que “tudo é bom, tudo é legal e tudo
vai dar certo” vai criando uma região de sombra, inconsciente, que nos toma de
assalto, feito um tsunami, e nos arrasa.
E nos
arrasa, justamente, porque sobre aquilo que a gente não tem consciência, a
gente não tem nenhum tipo de controle. Assim, deixando de lado a ilusão de que
tudo está sempre bem, podemos entrar em contato direto com nossas dores,
frustrações, lutos e perdas. Tendo consciência desse nosso lado negro, podemos
ter algum nível (baixo) de controle.
Saber que
estamos na Terra, um planeta com uma gravidade que nos faz cair, uma topologia
áspera e um meio-ambiente hostil, onde a sobrevivência depende de devorar
outras espécies o tempo todo, é um convite a não esperar amenidades, paraísos
ou felicidades perpétuas.
Quanto
menos expectativas sobre a vida terrena, maiores as chances de nos encantar com
coisas simples, com dádivas que a natureza nos apresenta e muitas vezes passam
despercebidas. Por outro lado, quanto mais positivos os pensamentos, quanto
mais mantras sobre beleza, perfeição e justiça dos homens, maior o tombo, maior
a decepção.
Assim,
quando resolvemos assumir a consciência das dores e dos sentimentos que
tentamos esconder, obtemos um melhor nível de autoconhecimento e até mesmo um
certo autocontrole, essencial na relação com os outros. E de certeza, uma só: a
de que, no final das contas, jamais seremos capazes de nos conhecer totalmente,
não importa o lado do portão no qual nos coloquemos.
Crônica:
Jorge Marin
Foto : Oliver,
disponível em http://www.deviantart.com/art/cure-for-optimism-84518488
Acredito que quanto maior é a consciência do que somos e do que nos cerca, maior é a necessidade de escolher o otimismo como solução, senão o trem fica feio...
ResponderExcluirZatamente, Sylvio, escolher o otimismo como solução, e não como ilusão a priori.
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