sexta-feira, 10 de abril de 2015

A INUTILIDADE DO PENSAMENTO POSITIVO


Todas as vezes em que retorno à casa onde passei minha infância em São João, passo horas olhando o velho portão. É um portão como os outros, antigo, descascado, mas, para nossa mãe, que o trancava e nos deixava do lado de dentro, aquele portão era uma proteção do mundo.

Fechados em nosso quintal, eu e meu irmão não tínhamos contato com a poeira, a sujeira e a violência das brincadeiras que poderiam nos causar algum dano ou mesmo piorar a nossa saúde que, acreditava ela, era mais frágil do que a das outras crianças da rua. O portão também funcionava como uma barreira contra palavrões, maus hábitos, bebidas alcoólicas e ideias negativas.

Simples, porém antenada com as tendências modernas do seu tempo, minha mãe acreditava piamente na importância do “pensamento positivo”. Era moda achar que pensar coisas positivas atraía coisas positivas.

Ainda hoje vejo muita gente comprando livros com esse tipo de pensamento. Mas, depois de quase seis dezenas de anos, e muitas pancadas e tombos na vida, a gente sabe muito bem que o fato de ficar repetindo que “tudo é bom, tudo é legal e tudo vai dar certo” vai criando uma região de sombra, inconsciente, que nos toma de assalto, feito um tsunami, e nos arrasa.

E nos arrasa, justamente, porque sobre aquilo que a gente não tem consciência, a gente não tem nenhum tipo de controle. Assim, deixando de lado a ilusão de que tudo está sempre bem, podemos entrar em contato direto com nossas dores, frustrações, lutos e perdas. Tendo consciência desse nosso lado negro, podemos ter algum nível (baixo) de controle.

Saber que estamos na Terra, um planeta com uma gravidade que nos faz cair, uma topologia áspera e um meio-ambiente hostil, onde a sobrevivência depende de devorar outras espécies o tempo todo, é um convite a não esperar amenidades, paraísos ou felicidades perpétuas.

Quanto menos expectativas sobre a vida terrena, maiores as chances de nos encantar com coisas simples, com dádivas que a natureza nos apresenta e muitas vezes passam despercebidas. Por outro lado, quanto mais positivos os pensamentos, quanto mais mantras sobre beleza, perfeição e justiça dos homens, maior o tombo, maior a decepção.

Assim, quando resolvemos assumir a consciência das dores e dos sentimentos que tentamos esconder, obtemos um melhor nível de autoconhecimento e até mesmo um certo autocontrole, essencial na relação com os outros. E de certeza, uma só: a de que, no final das contas, jamais seremos capazes de nos conhecer totalmente, não importa o lado do portão no qual nos coloquemos.

Crônica: Jorge Marin
Foto     :  Oliver, disponível em http://www.deviantart.com/art/cure-for-optimism-84518488

2 comentários:

  1. Acredito que quanto maior é a consciência do que somos e do que nos cerca, maior é a necessidade de escolher o otimismo como solução, senão o trem fica feio...

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    1. Zatamente, Sylvio, escolher o otimismo como solução, e não como ilusão a priori.

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