À
medida que vamos envelhecendo, percebemos que o corpo é uma coisa maravilhosa.
Poderão, maldosamente, dizer: é, a gente só dá valor quando perde. Para esses,
eu respondo da mesma forma que meu pai fazia aos sessenta: “o meu corpo está
tinindo!”.
No entanto,
se há descasos com o corpo, e com a saúde, há também excessos. Hoje, a
preocupação com a forma corporal atinge as raias da paranoia, e o descaso com o
espírito é total. Embora, no nosso tempo de criança essa proporção fosse
totalmente invertida.
Lembro-me
que, na confissão para a minha gloriosa primeira comunhão, o padre me disse:
“Jorge, lembre-se de que o seu corpo é a morada de Nossa Senhora; nunca se
esqueça disso!”. Confesso que, franzino e com meu corte de cabelo “príncipe
Danilo”, saí do confessionário meio curvado. Afinal, ter uma inquilina daquele
porte era uma tremenda responsabilidade. Foram anos e anos de análise para a
reintegração de posse do meu corpo, alienado pelo padre Oswaldo numa manhã de
São João na Igreja do Rosário.
Mas,
isso é outra história! O que eu quero falar hoje é do beijo. Já houve um tempo,
e muitos contemporâneos meus vão se lembrar disso, em que a experiência do
primeiro beijo era um acontecimento na vida das pessoas, mesmo dos rapazes.
Enquanto hoje em dia, em eventos como Carná-não-sei-o-quê se beija a quilo, ou
a metro, NAQUELE tempo, embalados pela cultura, religião ou outras fantasias,
achávamos que o primeiro beijo seria... o BEIJO.
Assim
foi que, aos quinze anos, o babaca que vos fala encontrava-se num dos bancos do
Bar Xodó, ouvindo o Yes executar “And you and I” pela décima-quinta vez, quando
chegou ao recinto uma menina morena, bonita, e, sem que ninguém a conhecesse,
sentou-se conosco (éramos uns cinco na ocasião) e começou a contar causos e rir
das nossa piadas, como se mineira fosse, mas, segundo ela, estava vindo do
Piauí, e passeando pelo Brasil.
O fato
é que, sem esforço algum diga-se de passagem, conseguimos arrastá-la, no bom
sentido, para a Pracinha do Coronel onde as palhaçadas, movidas a hormônios, continuaram
a todo vapor até que, numa daquelas brincadeiras de incendiar peido, eu saí da
galera e me sentei em outro banco, um pouco à esquerda da cena.
Enquanto
a bobeira rolava solta, veio até mim a tal piauiense e, de forma delicada porém
decidida, tirou os meus óculos de fundo de garrafa e, antes que eu pronunciasse
um “a”, me lascou um beijo molhado na boca. Mas um beijo bem beijado mesmo,
daqueles que causam arrepio desde o dedão do pé! Tchau! – falou, e desceu
rebolosa ali pelos lados da casa da Dona Glorinha Torres. Custei a achar de
novo meus óculos que ela deixara sobre o banco de cimento. A essa altura, meu
coração estava a mil por hora.
Sabem o
que eu pensei na hora? Nadinha!
Crônica:
Jorge Marin
Foto :
disponível em http://www.nahorah.net/noticia.php?n=37150
Beijar é algo muito bom e, dependendo da pessoa e ocasião, nos faz – literalmente – nos sentir sem chão, flutuando nas nuvens.
ResponderExcluirSão momentos tão raros como deliciosos! Dão água na boca, e não estou falando necessariamente apenas da saliva...
É isso, Sylvio, como dizia o Ignácio Loyola de Brandão em seu livro: o beijo NÃO vem da boca!
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