Essa matéria
de quarta-feira do Serjão sobre carrinho de rolideira me trouxe à memória a
figura inesquecível do meu querido padrinho Manoel da Silva Florindo que, a
exemplo do seu Tunin Missiaggia, também fez para mim um carrinho de rolimã sem
rolimã.
Aliás,
o Padrinho fazia todos os meus sonhos em madeira: espadas e facas sem corte dos mais
diversos tipos, tabuleiros e pedras de dama, resta-um, bilboquê, uma exclusiva
manivela com oito aros, traves pra um jogo de futebol de botões cujos jogadores
meu pai “contratou” na relojoaria do seu Tozatto, e, finalmente, um bodoque que
era uma mistura de atiradeira e arco que atirava bolas de barro endurecido, mas
que, conhecendo bem a minha personalidade, o Padrinho preferiu não entregar,
transformando-o num arco com flechas com pontas rombudas de bambu para atirar
nas bananeiras, embora, confesso, sobrava para alguns gatos da vizinhança.
O
Padrinho era um dos sacristães do Monsenhor Trajano Leal do Bonfim, o padre
cego; o outro era o seu Juquita. Dizem que eles tinham um código com o padre
para identificar as moças que iam receber a sagrada comunhão com blusas sem
mangas e a quem era logicamente negado o corpo de Cristo. Meu padrinho jurava
que o padre sabia e que o seu papel era somente posicionar a patena.
Cientista,
meu padrinho misturava remédios homeopáticos, fazia enxertos de plantas,
criando espécies híbridas como limão-mexerica e outras das quais não me lembro mais.
Além disso, curava gogo de galo, choco de galinha e fabricava um doce de leite
de tacho como ninguém.
Quando
criança, contava ele, não podendo brincar com os filhos dos patrões pois o seu
pai era empregado (feitor de escravos), brincava com os filhos dos negros e
fazia questão de comer da comida que eles comiam: um angu de fubá de moinho com
miúdos de boi. Talvez essa dieta tenha dado tanta vitalidade ao padrinho que,
aos 80 anos, empunhava um regador de cinco litros e regava sua horta
fantástica. Na volta, trazia nos dedos uma abelha para tratar do reumatismo da
minha madrinha, a dona Doze, com os segredos, doídos, da apiterapia.
Numa
certa manhã fria em São João Nepomuceno, no porão da ainda inconclusa sede da
Sociedade de São Vicente de Paulo na rua Cônego Reis, o Padrinho foi o único
confrade a comparecer à reunião da Conferência de São João. Tranquilo, pegou
uma vela, acendeu, colocou uma imagem do nosso santo padroeiro na cabeceira da
mesa de reuniões e procedeu normalmente. Na ata, a presença de três pessoas:
Vicente de Paulo, João Nepomuceno e Manoel Florindo.
Por
isso, foi tão fácil ir para o céu: deitado em sua cama, chamou meu pai, pediu
para rezarem um rosário “antes”, meu pai o acompanhou, rezaram, o Padrinho
beijou o crucifixo, pediu para guardar o terço e fechou os olhos. Suavemente.
Crônica:
Jorge Marin
Foto : François Marclay, disponível em http://www.francoismarclay.com/jim-wheeler/
Tem gente que marca sua presença no mundo por atos simples e memoráveis!
ResponderExcluirGostaria muito de ter conhecido esse impressionante Manoel!
Sempre pensamos que os santos são pessoas capazes de atos grandiosos, como grandes milagres ou sofrimentos extremos. Eu digo que o padrinho Manoel Florindo era um homem santo porque foi um homem absolutamente justo, ponderado, manso e forte.
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