Antigamente,
eu achava que, para ser feliz, tinha que dirigir um cadillac. O homem não
tinha, ainda, ido à lua, e eu não tinha muita noção sobre esse negócio de
espaçonaves. Caía uma chuvinha fina em São João Nepomuceno no dia da minha
primeira comunhão e, de repente, me deu uma curiosidade danada sobre aquela
coisa de morder a hóstia e sair sangue.
Desci
magnífico em calção branco e camisa de tricoline pela ladeira da Igreja do
Rosário, morrendo de fome. O jejum, que às vezes era social por aquelas bandas,
havia sido canônico, mas me prometeram um pão de creme da Padaria do Totó.
Pai e
mãe, empertigados em suas roupas de domingo, me traziam pela mão como quem
conduz um príncipe para a cerimônia de coroação. O tempo úmido roubava um pouco
da minha paisagem, mas cumprir aquele desejo dos pais era tão bom que quase
esquecia que eu era eu e achava que fazia parte dos salmos.
Minha
vida sempre foram mandamentos cumpridos, seguidos de uma chuva e de um pão de
creme com claybon. Mas aí, de uma hora pra outra, comecei a ler o tal livro do
Nietzsche e aí, meu amigo, ser feliz ficou mais difícil do que subir a
escadaria do São José. O maldito filósofo, de uma só vez, me fez vomitar pão de
creme, claybon e todo o resto que havia no estômago. Foi em abril.
Poesia:
Jorge Marin
Foto : Erich Ferdinand, disponível em https://www.flickr.com/photos/erix/
A ignorância (ignorar algo) às vezes é uma perdição, às vezes uma benção.
ResponderExcluirDiferentemente da hóstia e do pão, certos saberes e sentimentos, quando digeridos, não saem de nós... e cada um que se vire com sua (in)digestão!
Ainda bem que os efeitos do mundo sobre nós, já ensinava o velho Spinoza, passam batidos muitas vezes, o que é bom por um lado (pois não piramos de vez) e a parte ruim sai no divã.
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