quarta-feira, 29 de outubro de 2014

MEU CARRINHO DE ROLIDEIRA


Tempos atrás, dando uma espiada no Facebook, deparei-me com essa foto acima que muito chamou minha atenção. Mas não foi pelo Pedrão não, por sinal, pessoa esta finíssima, grande amigo da família e mais do que merecedora, e sim pela preciosidade que segurava em suas mãos e acabara de construir.

Essa foto me remeteu a uma época em que pedi a meu pai pra que construísse um desses carrinhos pra mim. Somente não imaginava que a habilidade de meu velho em lidar com madeiras o faria construir algo um tanto exótico, principalmente se comparado aos tradicionais existentes.

Pra começo de conversa, meu carrinho era totalmente em madeira, sendo que as rodas tinham um diâmetro no mínimo cinco vezes maior que os demais. Imaginem vocês a velocidade de uma coisa dessas descendo o morro da Matriz e com o eixo todinho ensebado a óleo queimado? Minha ansiedade era grande para testá-lo, e, mal havíamos apertado os últimos parafusos, já estava morro acima, carregando meu possante nas costas.

Enquanto fazia os últimos ajustes diante dos olhares incrédulos e curiosos dos demais que  lá estavam, alguma coisa parecia querer me dizer que algo poderia acontecer. Naquele dia, deveria haver no grid de largada em torno de meia dúzia de carrinhos, e todos se preparando pra fazer uma descida meio que simultânea. Algo assim como uma discreta corrida pra ver quem chegaria primeiro na esquina da casa da vó Pina. Ou não!

Não sei por quê, mas, na hora H, todos acharam que eu deveria descer sozinho.  Acredito que a maioria estaria imaginando que aquilo nem iria partir, ou na pior das hipóteses, que ficaria agarrado pelo meio do caminho. Somente meu saudoso amigo e profeta Beto Preto apostou que o trem iria voar. E não deu outra!

Partida dada e, com um pequeno empurrãozinho do referido amigo, lá fui eu morro abaixo. Mal havia alcançado dez metros, aquela velocidade anormal já começava a causar certo desespero.  Tentei em vão minhas primeiras manobras pra se travar o freio, mas era tarde demais!  Ao sentir que não havia mais retorno, e como única alternativa seria abortar a descida jogando o carrinho para o meio da calçada, comecei a rezar para que pelo menos nada entrasse na minha frente.

O aquecimento daquelas imensas rodas em contato com o eixo, que também, era de madeira, além de fazer um barulho ensurdecedor, deixava pra trás um imenso rastro e um cheiro insuportável de óleo queimado.  Já com os olhos quase que totalmente fechados, devido à ardência causada pela fumaça, meio que no instinto, ao me aproximar da curva e sentindo que a velocidade alcançada fatalmente me proporcionaria uma bela capotada, “relaxei” e deixei que a força da gravidade ou a gravidade da força me levasse naturalmente ao seu destino.

E assim foi quando, simplesmente, passando reto pela curva e saltando do passeio como um kamikaze desgovernado, atravessei quase que simultaneamente a Rua Cavalheiro Verardo e a Rua Zeca Henriques. Aqueles metros finais quase me deslocaram a mandíbula, tal a tremedeira de queixo no momento do atrito daquelas enormes rodas de madeira com os paralelepípedos bico de papagaio.                  

Mesmo tendo este detalhe contribuído bastante para reduzir a velocidade, não impediu que eu batesse de frente com a varanda da casa do Fontenelle.                                                                                                       
Pra trás apenas um rastro imenso de fumaça, cheiro de óleo queimado, pessoas assustadas nas janelas e muita vibração dos retardatários. Além, é claro, de um enorme rabisco de borracha de freio no passeio, parecendo querer mostrar que voltar a velha prancheta seria mais que necessário. E, se possível, com um bom amortecedor.

Mas, o melhor estaria ainda por vir no outro dia, quando meu amigo e profeta Beto Preto teve a infeliz ideia de descer na minha garupa. Uma tragédia!

Crônica: Serjão Missiaggia
Foto     : Facebook do Pedrão Rezende

2 comentários:

  1. Olha os desperdícios do acaso: além dos Fittipaldi, os Missiaggia também poderiam ter entrado para a história brasileira dos construtores e pilotos dos velozes carros (de "madeirimã") de corrida!
    Talvez tenha faltado estar no lugar certo, na hora certa, para ter seus talentos percebidos e conhecidos.

    Esta crônica está mais interessante que as atuais corridas de Fórmula 1!
    Procurei no blog a continuação desta ótima aventura, na saga carupeira, e não encontrei! Assim precisarei tomar um calmante para aguentar a adrenalina...

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    1. Dê um pit stop, Sylvio. Vá aos boxes tomar um cafezin com broa de fubá de muin d'água e depois volte!

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