Quando
eu era CRIANÇA em São João Nepomuceno, o mundo era tão fácil: havia um Deus
poderoso no céu, um pai forte na terra e uma família em torno da qual vivíamos.
De
segunda a sexta-feira, íamos com nossos uniformes azuis e brancos para o Grupo
Escolar Dona Judith Mendonça. Pé de
porco, mão de onça, provocavam os nossos “rivais” do Coronel José Braz. No grupo, ouvíamos as palavras amorosas de
Dona Therezinha Isbele, cantávamos o Hino Nacional, entrávamos na Fila da
Caridade para dar coisas da horta das nossas casas para a merenda da Caixa
Escolar, e íamos alegremente para as salas, cantando o Hino à Bandeira.
Salve
lindo pendão da esperança. E voltávamos
pra casa de forma sempre tumultuada.
Cuidado para atravessar a rua, diziam as professoras, mas eram tão
poucos os carros. Pessoalmente, na minha
rua, só me lembro de um carro: o táxi do João Salvador. Enfim, chegávamos sãos
e salvos, e já nos esperava um almoço simples pois, naquele tempo, a comida
também era muito fácil: arroz, feijão, carne moída e angu com uma couve, taioba
ou chuchu.
Comíamos
e não fazíamos logo o Para Casa para não dar congestão. Íamos para o quintal comer a nossa sobremesa
que também era fácil: goiaba, manga, jabuticaba e até mesmo, que nossas mães
não nos ouçam, umas laranjas do quintal do vizinho.
Vem
fazer o dever, minino! E pegávamos, com
todo carinho, os nossos cadernos, para fazer o Para Casa. Fazíamos os deveres com o olho na folha e o
ouvido no rádio onde sempre tinha um adulto escutando a rádio-novela ou mesmo o
assustador “Incrível, fantástico, extraordinário!”. Às três, com deveres prontos, todos paravam
para ouvir a voz rouca do Padre Vítor Coelho de Almeida na Rádio Aparecida. Depois da bênção, voltávamos à vida normal,
que consistia em brincar no quintal ou na rua e, depois que inventaram a
televisão, ir na casa do sô Arlindo assistir o National Kid.
Aos
domingos, colocávamos nossas melhores roupas e íamos para a missa. Lá, após ouvir um monte de frases
incompreensíveis em latim, íamos para a fila da comunhão e tremíamos de medo:
diziam que o Padre Trajano, que era cego, tinha o poder de enxergar os pecados
das pessoas e negar a Hóstia Sagrada, a qual, naturalmente, não mordíamos com
medo de sair sangue. Depois, corríamos até a sede da Sociedade São Vicente de
Paulo para a reunião da Conferência de Santa Rita de Cássia e, após a visita
aos pobres, podíamos, enfim, descansar.
Não sei
bem quando é que o mundo começou a ficar complicado, ou se fui eu que compliquei
tudo. O fato é que AQUELA CRIANÇA ainda
continua sendo eu!
Crônica:
Jorge Marin
Foto: acervo
do autor
Querido Amiguirmão Jorge,
ResponderExcluirLinda sua crônica. Linda sua foto vestido de PM. Li com os olhos em lágrimas. Emociante. Isto que você narra aqui, acontecia comigo também lá em Dumont.
Lá, na antiga Palmyra, eu não estudava em escola no centro da cidade, mas em bairro afastado, depois de meu bairro. Estudava no Grupo Escolar Padre Antônio Vieira, e ao concluir o primário, ganhei medalha de prata (havia uma menina que era melhor aluna que eu).
E naquela pobreza toda, ganhei bolsa para o primeiro e segundo ano de ginásio, após o curso de admissão; e no terceiro ano eu já tinha emprego fixo, com carteira assinada, e pagava meu ginásio, noturno.
Mas no período do primário, também quando apareceu televisão em nossa rua do bairro, víamos o National Kid na casa de colega e amigo vizinho, apelido de Tim, e que hoje é motorista de táxi no principal ponto, em frente à prefeitura, em Santos Dumont.
Envelhecemos, amigo, e ando meio deprimido, quando em poucos dias, serei um senhor de 57 anos. Mas concordo com você. Aquela criança ainda permanece em nós, e é o motivo de eu me dedicar à arte com tanto entusiasmo, como se fosse um "Para casa", para o mundo, para os outros, para a vida...
Arte para mim tem esse binômio: Arte = Vida.
Afetuoso abraço e bom dia das crianças para todos nós. E vivas à Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil!...
Parabéns pela excelente crônica.
César Brandão
www.cesarbrandao.com
Irmão Brandão,
ExcluirTambém escrevi a crônica com os olhos marejados. Se fôssemos espíritas, poderíamos até dizer que somos espíritos gêmeos separados no momento de encarnar.
O que acho interessante dessa história de envelhecer é que tudo que nos emocionava continua do mesmo jeito. Mesmo sem o fervor religioso daqueles tempos, me arrepio ao lembrar do Dia de Nossa Senhora Aparecida, quando o citado Padre Vítor, gritava a pleno pulmão (ele só tinha um!):
- Viva Nossa Senhora Aparecida! - e uma multidão respondia:
- RAINHA!
Não sei se você se lembra daquela minha poesia na qual eu dizia que viver é perceber os cacos "daquele" espelho que refletiu nossa imagem de criança um dia... Ou seja, como a imagem ainda está lá, viver é CATAR-SE. Abração.
Emocionante, tanto a crônica, quanto os comentários. Também me emocionei.
ResponderExcluirAbraços
Mika