quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O QUE HÁ DE NOVO NO DIVÃ - VI

Arte digital por Juergen

Posso dizer que venho me adaptando bem a esse retorno ao consultório, depois de dez anos afastado. Mas, é mentira: é como se um tsunami tivesse passado por aqui e levado aquelas coisas que aprendi e que me serviam de referência: pai, recalque, semblante, foi tudo pelo ralo da modernidade. Chega a paciente das sete e o negócio, então, é a gente ir se reinventando e aprender.
Quando ela passa em direção à cadeira, é impossível não perceber o forte aroma oriental. É Obsession, diagnostico baixinho, sei porque minha orientadora usa, e até ostenta a sua embalagem laranja de Calvin Klein em cima de um aparador meio esquisito.
- Desculpe, eu não estou me sentindo muito bem - diz Malena (segundo ela, o nome dela veio de uma música do Roberto Carlos).
Ficamos em silêncio. Ela é uma mulher muito bonita, já foi Garota alguma coisa no passado, em 1980, lembra sempre.
- Acho que é a oliveira – fala. Eu estou tomando esse chá quatro vezes ao dia. Mas, não pode por açúcar. Sabe como é, não?
Eu, absolutamente, não sei, mas fico olhando, esperando uma definição. Ela continua:
- Este chá é tiro e queda. Já perdi dois quilos. Estou quase chegando ao ideal.
- Você acha que vai chegar ao ideal? – pergunto.
Antes de dizer a resposta dela, quero dizer, para situá-los, que Malena é uma mulher de cinquenta anos, ou melhor, vai fazer em novembro, como sempre faz questão de dizer e tem uma preocupação diuturna com essa questão corporal.
- Ah, o ideal é a Gisele, que tem 86-59-87.
- Você quer atingir as medidas da Gisele? – continuo provocando, porque não sei como é que uma baixinha (ela deve ter a minha altura: 1,65 m) vai conseguir os quase 1,80 da Gisele.
- Não, eu não sou louca: sei que ela é bem mais alta, mas, fazendo uma regra de três posso dizer que estou bem melhor do que ela, pois estou com 45 quilos. Além disso, as minhas medidas estão exatamente iguais às de 1980. Quando o cachorro me ver, ele não vai nem me reconhecer mais.
O cachorro é o ex-marido, um personal trainer de uns 35 anos; ficaram juntos uns cinco anos. Continua:
- É claro: eu não estou fazendo isto por ele, não. Eu faço por mim: nós que estamos na faixa dos 50 temos que nos cuidar, porque a nossa taxa metabólica cai muito, e, no meu caso, ainda teve essa coisa da menopausa e eu, definitivamente, não quero uma doença crônica.
Gente, eu acho que, definitivamente, sou eu que não quero ouvir mais toda essa sabedoria de revista, por mais que concorde a respeito dos cuidados com a alimentação. Mas, há uns vinte anos atrás, eram os jovens que tentavam se afirmar para agradar os pais. Hoje, parece que são os jovens que autenticam os velhos. Essa mulher, já esquelética, chegou nos 45 quilos e quer continuar o regime até quando? E por que? Sei que, por incrível que pareça, ela não tem controle sobre isso.
- Você tem ido no Sérgio (o psiquiatra)? – pergunto.
- Ah, ele cortou o Citalopram. Agora eu estou tomando Zyban e acho que está acontecendo alguma coisa louca com o cigarro porque, depois que estou tomando esse remédio novo, não estou conseguindo fumar.
- Você está achando ruim porque o remédio está fazendo você parar de fumar?
- É lógico. Se eu parar de fumar, vou engordar que nem uma porca. Tá louco?
É...

(Crônica: Jorge Marin)

Um comentário:

  1. Somos responsáveis pelo que entra e sai de nossa boca, seja falando ou comendo, mas parece que na maior parte do tempo não percebemos a importância disso e o fazemos automaticamente.
    Não é só o peixe que morre pela boca...
    Sylvio.

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