"O monólito", Exposição Nacional da Suíça 2002, por Jean Nouvel
Capítulo 1: O RAPTO DO TABLADO
Na década de 70, os festivais de música eram muito populares: havia o da TV Record, que revelou nomes como Chico, Caetano, Mutantes e Gilberto Gil, mas, estranhamente, premiou artistas dos quais pouco se sabe hoje em dia, como o lendário Geraldo Vandré e o ótimo Taiguara, este último falecido em 1996. Em São João, a coisa não era diferente, e músicas como Edith Pólvora e Cid Navalha, ambas do Márcio Velasco, levavam o povão ao delírio com suas letras irreverentes, reforçadas pelas apresentações vibrantes do Pytomba.
Com a popularidade, o conjunto era chamado para apresentações em clubes, casas, quintais e qualquer lugar onde a galera resolvesse se juntar. E se vocês pensam que, pelo fato da coisa ser assim meio performática, abríssemos mão do planejamento, vocês estão enganados. Tudo era precedido de reuniões, normalmente marcadas para o terraço da casa do Márcio. Feitos os relatos originais, falava-se de tudo, menos do baile que iria acontecer. Depois, todos desciam para a varanda, exceto os que ficavam dormindo lá em cima. Ali, continuavam os debates, via-se o movimento e, para evitar a dispersão, passavam todos para a sala, exceto os que ficavam cochilando na varanda. Na sala, geralmente alguém ligava a televisão e, se estivesse passando o Sábado Som, aí é que não rolava nada mesmo, até terminar o programa. Então, quando ia ter início, efetivamente, a reunião, ficava pronto o café da Helci, e iam todos para a cozinha, inclusive os que haviam dormido, com a finalidade de também filar os cigarros do Márcio. Tomado o inesquecível café, todos se sentavam na escada do terreiro e deliberavam, solenemente: “Fica decidido que... será preciso agendar outra reunião”, quando, então, era escolhido o local, sendo aclamada, por unanimidade, a casa do Márcio para o novo encontro. Não sei o que era mais fantástico: aquela intensa movimentação para não decidir nada, ou o sorriso calmo da Tia Irineia, admirando toda nossa inquietação.
Foi após uma dessas reuniões “proveitosas” que, para servir de palco a uma apresentação que ocorreria também na casa do Márcio, elegemos, democraticamente, o tablado da mãe do Sílvio Heleno. Este, conhecendo a dificuldade de convencer a genitora a ceder a desejada peça, resolveu arquitetar, junto com todo o grupo, o sequestro da mesma.
Fãs incondicionais dos Incas Venusianos, esgueiramo-nos pela mansão dos Picorone e, ninjamente, fomos saindo, pé ante pé, carregando o indigitado tablado quando, ao ranger do portão, olhamos pra trás, e vimos, na varanda, quem? Exatamente, a Dona Mariana que, com seu vozeirão típico de mãe com raiva, trovejou:
- AMANHÃ, BEM CEDINHO, EU O QUERO, AQUI DE VOLTA!
Como já era de se esperar, este tablado jamais voltaria e muitos de nós passaríamos meses, e até anos, entrando e saindo da casa de Silvio Heleno escondidos, às vezes disfarçados de carteiros.
Quase dois anos depois, quando imaginávamos que aquele fato já fazia parte de um passado distante, ao entrarmos pelo portão, ela nos pega desprevenidos e pergunta:
- E aí pessoal!!! E o meu tablado?!!! Nesta hora, foi gente saindo de fininho para todos os lados.
A última noticia que tivemos dele – do tablado - é de que teria se transformado num garboso portão na casa da Tia Irineia, que também não sabia de nada.
(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)
Nossssa, O TABLADO, dá até filme; boas lembranças de tia Irinéia e de Da MAriana véia (carinhosamente a chamávamos assim)! Abraços!
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