quarta-feira, 20 de outubro de 2010

OS ADOLESCENTES QUE ÉRAMOS

(Digital art: Samantha Eddleston)

Na adolescência, vivíamos a ciência da biologia em estado pleno, ou a saliência da antropologia em estrado plano. Não nos assustávamos com o clero nem com as sombras das casernas. Não carregávamos peso nenhum, a não ser nossos corações que, bombas atímicas, pulsavam ferozes, velozes, regidos pela lei da paixão.
Tínhamos asas completas que nos levavam em qualquer lugar, e nossas bocas, ávidas de beijos, cantavam, gritavam e bebiam. Quem nos visse na rua, de madrugada, não imaginava a importância dos rituais das noites de sábado. Quem ouvisse nossas conversas atravessadas de risos e xingamentos, jamais diria que seríamos pais, avós ou funcionários públicos.
Os romances eram sempre definitivos; as dores, irrecuperáveis; e os prazeres, manipulados para significar uma intensidade que queríamos fantástica, absurda, incomparável. O rock, onipresente, era uma desculpa esfarrapada, assim como os jeans, para matar aula, chupar bala, chapar cuca, quebra regras.
Naqueles tempos de Pink Floyd, os chicletes grudavam nas palavras, as chuvas não molhavam e nem usávamos guarda-chuvas ou sombrinhas. A Matemática era incompreensível e os poetas, guerrilheiros. Não sabíamos falar inglês, rezar a Salve Rainha, nem jogar gamão.
Ah, mas amar, sabíamos bem! Apaixonávamos a cada momento, os pensamentos escureciam, o coração mandava e, indestrutíveis super-homens e supermoças, mergulhávamos na cratera do vulcão, no olho do furacão, na doce ilusão de ser feliz para sempre.
Quantas bravatas, quantas serenatas, risos, rosas e carnavais. Na multidão, éramos únicos; nas procissões, tímidos; e nas exposições, bêbados. Os nossos heróis morriam de excesso de sonho, os nosso amigos eram temidos pelos amigos dos nossos inimigos, e bandidos só existiam nas telas dos durangos kids, james bondes e outros xerifes.
Era um tempo de almas claras e esperançosas, falava-se em aquarius, cenários e woodstocks. As roupas eram toscas, leves e diáfanas. A moda era vestir o que se queria, falar o que se pensava, e sonhar sempre e sempre. Nunca tínhamos fome, nem sentíamos saudade e chegávamos, pasmem, a burlar a própria lei da gravidade.
Nossos ombros nus jamais carregavam planetas; nossos planos projetavam comunidades, violões, canções de amor e danças por noites e dias. Havia algumas certezas, claras, transparentes: não queríamos viver como nossos pais; não desejávamos a guerra, seja lá o que isso fosse, e o trabalho seria, no máximo, em algum palco, ou numa praia, ou fazenda do planeta Krypton.
Viajávamos com Jethro Tull, Genesis e Mike Oldfield. Nossos quartos eram repletos de vinis, gibis e pôsteres de marylins. Não arrumávamos as camas, não penteávamos os cabelos e recusávamos a decorar a tabela periódica dos elementos. Vivíamos como se fosse só hoje, não dormíamos em momento algum e gastávamos todo o dinheiro que chegasse às nossas mãos.
E éramos felizes, e éramos dourados. Nada ou ninguém nos interessava, se não fizesse parte do nosso mundo, do nosso universo paralelo, dos nossos versos parafrásicos, da nossa lógica parafrênica.
O curioso é que, embora alguns tenham ido, muitos de nós permanecemos e, apesar de termos feito tudo o que fizemos, e vivermos como nossos pais, não somos mais os mesmos: adotamos, finalmente, a lei da gravidade; carregamos alguns habitantes do planeta nos ombros; e assombramos os mais jovens com a dureza de algumas certezas descabidas.
Se algum salmo nos diz que somos deuses, sabemos que não é verdade. Começamos, de repente, a sentir saudade; a sorrir para a vida, e a amar as flores.

(Texto-poesia: Jorge Marin)

Um comentário:

  1. Sylvio disse:
    Dependendo do que se ignora, a ignorância é uma benção.

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