Dizem por
aí que “feliz foi Adão que não teve sogra nem caminhão”. Mas, se a gente pensa
bem, o motivo da felicidade de Adão não tem muito a ver nem com a sogra e nem com o caminhão.
A
felicidade de Adão, pra quem ainda não sacou, devia-se à ausência de outra
pessoa que pudesse lhe impor algum tipo de limite. Não existe aquele outro
adágio que “a minha liberdade termina onde começa a do outro”?
Pois é,
como não tinha outro, Adão andava pelado, arrotava alto, jogava casca de banana
no chão, além de outras porqueiras que nem vou relatar aqui porque sempre vai
ter alguém pra argumentar: "ah, mas ele foi feito à imagem e semelhança de
Deus”. Pois é, mas isso é uma coisa que NÓS é que falamos, ou seja, que
parecemos com Deus. Não se esqueçam que, devido a um comentário desse, Lúcifer
se lascou todinho.
Voltando
à metáfora adâmica, é possível que os primeiros seres humanos fossem desse
jeito, ou seja, naturais, assim como um gato, ou um ornitorrinco ou até mesmo
uma ameba. Todos esses animais, aí incluído nosso ancestral Adão, simplesmente
viviam, mas não tinham um sentido para as suas vidas, seus atos eram
automáticos: acordar, caçar, comer, digerir, dormir e procurar ficar o mais
distante possível dos seus predadores.
Quando
Deus lhe fez uma companheira, Adão não sabia que ali, naquele momento, acabava
a sua liberdade irrestrita (porque ele não deveria fazer algumas coisas que
pudessem deixar Eva triste), assim como ela, por sua vez, também teria que
respeitar as particularidades de Adão.
Mas,
vejam só, ao criar o primeiro relacionamento, Deus introduziu dois conceitos
que seriam muito caros (até hoje) ao homem: a tristeza e a felicidade. A partir
daquela CONvivência, Adão percebeu que ele não mais poderia ser feliz sozinho,
fazer o que quisesse, porque a felicidade do CASAL era um bem mais importante a
ser atingido.
Milhões
de anos depois, vem um ser à sua porta, trazendo uma potente caixa de som, ou
no carro ou com aquela alcinha tipo mala, e, em plena noite de sábado, resolve
despejar aquela coluna de decibéis amplificados pelo seu cérebro a dentro. E,
questionado, ainda diz que tem o direito de se divertir e que a rua é pública.
Fico
pensando: o que leva uma pessoa a pensar que tem o direito de sair do lado de lá
do paraíso e vir aqui para o SEU paraíso, aquele lugar onde, segundo o artigo
5º da Constituição, são INVIOLÁVEIS a intimidade e a vida privada do cidadão,
para te obrigar a ouvir uma música que você não quer, num volume que te
machuca, com um conteúdo que te constrange?
Essa
questão é muitas vezes negligenciada por nós “porque sempre foi assim”, “porque
não vai dar em nada” ou talvez porque, na verdade, sejamos apenas conformistas
e medrosos, escondidinhos atrás das nossas telas do Facebook.
Mas quem conhece
o significado da palavra “cidadania” sabe que a felicidade é um bem coletivo
que visa a melhora da qualidade de vida de TODA a sociedade. Ela não é dada, é
conquistada. E faz todo sentido. Exceto, talvez, para Adão, os gatos e as
amebas.
Crônica: Jorge
Marin
Foto : disponível em http://solodemaria.com.br/anjos-do-silencio/
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