sexta-feira, 9 de março de 2018

ADÃO E ÉTICA



Dizem por aí que “feliz foi Adão que não teve sogra nem caminhão”. Mas, se a gente pensa bem, o motivo da felicidade de Adão não tem muito a ver nem com a sogra e nem com o caminhão.

A felicidade de Adão, pra quem ainda não sacou, devia-se à ausência de outra pessoa que pudesse lhe impor algum tipo de limite. Não existe aquele outro adágio que “a minha liberdade termina onde começa a do outro”?

Pois é, como não tinha outro, Adão andava pelado, arrotava alto, jogava casca de banana no chão, além de outras porqueiras que nem vou relatar aqui porque sempre vai ter alguém pra argumentar: "ah, mas ele foi feito à imagem e semelhança de Deus”. Pois é, mas isso é uma coisa que NÓS é que falamos, ou seja, que parecemos com Deus. Não se esqueçam que, devido a um comentário desse, Lúcifer se lascou todinho.

Voltando à metáfora adâmica, é possível que os primeiros seres humanos fossem desse jeito, ou seja, naturais, assim como um gato, ou um ornitorrinco ou até mesmo uma ameba. Todos esses animais, aí incluído nosso ancestral Adão, simplesmente viviam, mas não tinham um sentido para as suas vidas, seus atos eram automáticos: acordar, caçar, comer, digerir, dormir e procurar ficar o mais distante possível dos seus predadores.

Quando Deus lhe fez uma companheira, Adão não sabia que ali, naquele momento, acabava a sua liberdade irrestrita (porque ele não deveria fazer algumas coisas que pudessem deixar Eva triste), assim como ela, por sua vez, também teria que respeitar as particularidades de Adão.

Mas, vejam só, ao criar o primeiro relacionamento, Deus introduziu dois conceitos que seriam muito caros (até hoje) ao homem: a tristeza e a felicidade. A partir daquela CONvivência, Adão percebeu que ele não mais poderia ser feliz sozinho, fazer o que quisesse, porque a felicidade do CASAL era um bem mais importante a ser atingido.

Milhões de anos depois, vem um ser à sua porta, trazendo uma potente caixa de som, ou no carro ou com aquela alcinha tipo mala, e, em plena noite de sábado, resolve despejar aquela coluna de decibéis amplificados pelo seu cérebro a dentro. E, questionado, ainda diz que tem o direito de se divertir e que a rua é pública.

Fico pensando: o que leva uma pessoa a pensar que tem o direito de sair do lado de lá do paraíso e vir aqui para o SEU paraíso, aquele lugar onde, segundo o artigo 5º da Constituição, são INVIOLÁVEIS a intimidade e a vida privada do cidadão, para te obrigar a ouvir uma música que você não quer, num volume que te machuca, com um conteúdo que te constrange?

Essa questão é muitas vezes negligenciada por nós “porque sempre foi assim”, “porque não vai dar em nada” ou talvez porque, na verdade, sejamos apenas conformistas e medrosos, escondidinhos atrás das nossas telas do Facebook.

Mas quem conhece o significado da palavra “cidadania” sabe que a felicidade é um bem coletivo que visa a melhora da qualidade de vida de TODA a sociedade. Ela não é dada, é conquistada. E faz todo sentido. Exceto, talvez, para Adão, os gatos e as amebas.

Crônica: Jorge Marin
Foto     : disponível em http://solodemaria.com.br/anjos-do-silencio/

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