Fui, finalmente, assistir ao filme A Garota no Trem, do
diretor americano Tate Taylor.
Sentado no escuro, vendo Emily Blunt interpretar uma alcoólatra
que admira a paisagem no trem, fui remetido aos meus tempos de juventude,
quando viajava no início e no final da semana durante, pelo menos, cinco horas.
No ônibus, do alto da serra de Bicas, ficava olhando uma casinha lá embaixo com suas luzes trêmulas. Pela hora, adivinhava que a família jantava em silêncio ao som da Ave Maria, um hit muito comum naqueles
tempos. Pensava comigo: como essas pessoas devem ser felizes, vivendo aqui
junto à natureza!
Enquanto isso, no trem, Rachel, a personagem principal do
filme, via um casal numa bela casa, se abraçando, fazendo coisas juntos. Recém-divorciada do seu marido Tom, a moça só pensava o mesmo pensamento meu: como essas
pessoas devem ser felizes!
Voltando de São João no domingo à noite, subindo à serra,
não resisti em olhar para o tal casebre abençoado. Passava um pouco das sete,
chovera muito no final de semana e a tal casa, simplesmente, não existia mais. Um
mar de lama tinha invadido a baixada e nem o rádio ficou para contar a
história.
Naquele dia, ao contemplar a residência do casal feliz,
Rachel descobriu, estarrecida, que Megan, a esposa, estava abraçada... a outro
homem (não vou contar quem). Atordoada, Rachel vai cambaleando até o final do
vagão para conferir se era mesmo outro homem. E era. As pessoas xingam.
Na segunda, me desespero, pensando naquelas pessoas que
moravam na casinha. Da mesma maneira que adivinhava suas vidas felizes, tenho
certeza de que devem ter passado um inferno, sem poder fugir daquele dilúvio.
Pra piorar, o jornal Tribuna de Minas não circula às segundas, e fico sem
notícias até a terça-feira. Não havia, na época, emissora de televisão local.
Rachel pira: vai até a casa do ex-marido e, para terror da
nova esposa dele, Anna, rapta o bebê do casal, mas se arrepende e deixa a
criança... no chão. Não tem muita certeza de seus atos e recebe uma notícia
terrível: a esposa feliz desapareceu. Preocupada, a agora abstêmia Rachel busca
o marido da moça, Scott. Fingindo ser amiga da esposa, que só conhecia de vista,
enfrenta o dilema: fala ou não da traição? Será que o amante matou a moça?
Chega o Tribuna. Não há nem sequer uma única linha sobre a
casa desaparecida na enchente. Percebo que, por mais cruel que isso possa
parecer, aquelas pessoas só eram importantes pra mim por causa da inveja que eu
sentia quando as via supostamente felizes. Nunca soube nada do destino da
família.
Rachel descobre o que ocorreu com Megan. O desfecho a afeta
profundamente. Mas, da mesma forma que eu, percebe que idealizar uma vida maravilhosa
para os outros, é garantia de sofrimento pessoal, com certeza!
Crônica: Jorge Marin
Foto : frame do
filme A Garota no Trem
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