sexta-feira, 25 de março de 2016

TIRO DE GUERRA 04-151: MISSÃO SEMANA SANTA


Muitos leitores do Blog, principalmente quando o Serjão publica alguma matéria sobre o “nosso” passado, têm a ilusão (porque é um tipo de ilusão) de que, nos idos de 1970 e poucos, vivíamos num paraíso terrestre: São João Nepomuceno era uma cidade limpa, ordeira e as pessoas, todas, eram absolutamente honestas e trabalhadoras.

Grande parte dessa percepção se deve ao fato de que nós, na época jovens, estávamos tão focados em nossas aventuras, romances e descobertas, que nem percebíamos as coisas “feias” que nos rodeavam.

Uma das minhas ilusões favoritas é acreditar que, na Sexta-Feira da Paixão, todos vivIam uma atmosfera de respeito, contrição e retiro. Mas, a realidade não é bem essa, e é isso que vou tentar mostrar ao relatar uma das missões quase impossíveis que me foram delegadas pelo então Sargento José Carlos Matildes dos Reis no nosso glorioso Tiro de Guerra 04-151.

Corria o ano de 1975 e, para vocês terem uma ideia desta distância temporal, Bill Gates acabara de fundar a Microsoft, e a gente não tinha a mínima ideia do que era aquilo e nem para que servia. O Sargento me chamou na sua sala, impecavelmente faxinada por nós, e disse:
- Dezoito, pegue os seus homens e distribua as luvas brancas, pois vocês irão participar da Procissão do Enterro, junto com o time do Dois! Percebam que é uma grande honra pra nós, e não me decepcionem!

Esse “não me decepcionem” me preocupou muito, pois eu conhecia muito bem os “meus homens”, um bando de moleques bagunceiros que, quando fazíamos a faxina, “surfavam” pelos corredores usando justamente aquela cadeira na qual o sargento estava sentado.

Enfim, o grande dia chegou e lá estávamos, com nossas fardas de gala, para carregar o esquife do Senhor Morto.
- É pesado? – perguntou o Trinta e Dois. Eu não tinha a menor ideia, mas, pensando apenas na imagem, afirmei que era só uma imagem de gesso e deveria ser levinha. E, como éramos os mais baixinhos, me ofereci para dar o exemplo e carregar, junto com ele e outros dois nanicos, o tal caixão.

Meus amigos, aí é que a coisa ficou preta. Tá certo, a imagem não é muito pesada, mas o esquife... não sei se já repararam na procissão, mas é um ataúde enorme, alto e de madeira maciça. Aquele trem, sozinho, devia pesar uns cinquenta quilos! Aí pedi a ajuda do outro cabo, o Dois, mas ele estava ocupado anotando o nome de quem estava conversando. Os atiradores protestavam dizendo que estavam rezando, mas o Dois continuava a sua vigia, enquanto eu quase morria. Pensava: daqui a pouco vamos ter o Senhor Morto e o cabo morto!

Finda a missão, depois de percorrermos todas as ruas da Garbosa (para nós, foi como se tivéssemos ido a Bicas e voltado), fomos convidados pelo chefe do comitê organizador da Semana Santa, o saudoso Milton de Jesus, a aproveitar uma surpresa que havia sido reservada apenas para nós, bravos atiradores do TG. O Treze comentou:
- Oba, deve ser pão com mortadela. Adoro! – mas não era bem essa a nossa surpresa.

Todo feliz, e com um brilho de fé nos olhos, o Milton nos revelou:
- Vocês terão o privilégio de serem os primeiros a beijar o pé do Cristo!

Crônica: Jorge Marin

Foto     : Marcus Martins, disponível em http://grupopitomba.blogspot.com.br/2015_04_01_archive.html

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