Mais de uma vez comentamos aqui no Blog sobre a dificuldade de viver longe de São João Nepomuceno, “nossa terrinha” conforme o Serjão. Tendo que sair para “fazer carreira” em outros locais, percebo, tanto em mim, quanto em muitos conterrâneos, essa sede de retornar, essa hesitação na hora de transferir o título de eleitor, essa presença constante nos feriados.
Às vezes
prejudicado na tão decantada carreira profissional por esse sentimento, sempre
me questionei, afinal de contas, do que se trata esse apego à terra natal. Hoje
aposentado e vivendo a pouco mais de uma hora da terrinha, percebo que a coisa
é muito mais profunda e até mesmo meio arquetípica.
Explico à
maneira de Rousseau, filósofo que nos levava a baixar consideravelmente o nível
do chope do antigo bar do Paulinho Cricri. O meu colega de debates era o
Gilberto Bertolini, ele também exilado de São João por um certo tempo. O
argumento era o seguinte: se eu fosse um gato, certamente poderia viver, sem
problema algum no sul de Minas, no sudoeste de São Paulo ou nos confins do
Amapá. Ou seja, se eu fosse um gato, possivelmente não teria essa necessidade
de voltar.
Os
animais em geral não têm problema na condução de suas vidas, pois, conforme
explicava aquele filósofo suíço, já nascem perfeitos, com seu comportamento já
previamente “programado” pela natureza. Isto é, um cachorro que, sabe-se hoje,
possui uma grande carga afetiva, age da mesma forma que o cachorro de Abraão,
da mesma forma que os cachorros do filósofo Heráclito (que, por ironia,
causaram a sua morte).
Já com o
homem a coisa é diferente, pois este, por possuir a capacidade de controlar os
seus instintos, tem o atributo que Rousseau chamava de “perfectibilidade”, ou
seja, organizar a sua vida de forma a vivê-la da melhor forma possível.
Percebam que este é um conceito de ética.
E é aí
que eu quero chegar: saídos de nossa cidade, onde tínhamos todas as referências
para guiar nossas vidas, seja através dos nossos pais, ou da religião, ou da
proximidade dos vizinhos, vemo-nos, de repente, vivendo em um ambiente que nos
é absolutamente alienígena. “Que bom”, alguns comentam, “agora ninguém vai dar
conta da minha vida”. Ledo engano! As intromissões, as fofocas, as conversinhas
fiadas existem em qualquer grupamento humano.
O que, no
entanto, nos marca na completa liberdade rousseauniana é uma coisa terrível: a
ANGÚSTIA, gerada justamente por não saber como agir para viver a vida como ela
deve ser vivida. Este é, aliás, o afeto por excelência desde que nos tornamos
existencialistas, ou seja, a partir do momento em que deixamos de ter
referências, e passamos a viver a vida como uma pessoa única dentro de um mundo
cada vez mais sem sentido e absurdo.
Assim,
São João surge para nós como uma metáfora, como se aquela vida boa,
inesquecível e agradável fosse o tal “estado de natureza” do qual, lentamente,
nos afastamos. É lógico que os que ficaram em São João também sentem angústia,
mas, vamos combinar, é bem melhor ficar angustiado num banco da Praça do
Coronel do que na fila do ônibus de alguma metrópole barulhenta.
Crônica:
Jorge Marin
Foto : Kev disponível em https://www.flickr.com/photos/kparnorthstonehouse/
Você disse tudo, Jorge.
ResponderExcluir"ai que saudade me dá... ai que saudade me dá... do bate papo, do disse me disse "
Vontade de assentar no banco do Coronel e bater papo, jogar conversa fora, ver conhecidos passarem.