sexta-feira, 19 de setembro de 2014

MEDO DE CAMALEÃO


Na sexta passada, passeando por São João Nepomuceno, estive, depois de muitos anos, no quintal da minha infância. Pouca coisa mudou: os carrapichos, os picões e a jabuticabeira continuam lá, embora o córrego, testemunha – e divisa – das nossas guerras entre tribos de crianças, tenha desaparecido. A árvore de mamona, com a qual abastecíamos nossas “armas”, infelizmente se foi também.

Meu filho não me acompanhou na aventura, pois um temível camaleão teimava em ficar correndo pelas folhas secas, fazendo aquele barulhinho de coisa rastejante que nos deixa de orelha em pé. Por mais que insistisse, meu filho não sentiu seguro em encarar o quintal.

Um artigo do psicanalista Contardo Calligaris na Folha de São Paulo de ontem fala sobre a insegurança das crianças. Diz ele que, quando criança, passava horas e horas sozinho, sem a supervisão de nenhum adulto. Voltei, imediatamente, a São João: saíamos, eu, Magela, Toinzin, Geraldin pela Cônego Reis abaixo, com uma caixa de papelão, gritando: “é hoje, é hoje, é hoje... o Circo Bimbolino”. Andávamos a “longa” distância de uns dez metros até o Botequim do Vilela, e voltávamos para a minha casa, onde, aproveitando que minha mãe ainda estava na Fábrica, colocávamos um bambu em cima da cama e usávamos a sua colcha preferida como lona do circo.

Quando o espetáculo acontecia na casa do Zé Lúcio, a coisa era mais elaborada, com direito a trapezistas, corda bamba, malabarismo e até uma tentativa de engolir fogo que acabou em palmadas. Eu, como todo bom asmático, era o cantor do circo e o meu hit era a música “Beijo Gelado”, que era originalmente cantada por Adilson Ramos.

O que mudou? Diz o psicanalista que é o nosso medo do mundo que, aumentando, faz com que queiramos exercer uma vigilância de 24 horas diárias sobre nossos filhos. Existe ainda a culpa, muito comum nos dias atuais, dos pais não brincarem com os filhos.

Ora, ora... pelo que me recordo, minhas melhores experiência de infância foram justamente aquelas nas quais meus pais NÃO estavam presentes. E vejam que, por uma suposta asma que, graças a Deus, até o momento não se manifestou, eu era monitorado pela minha fiel madrinha. Mas, quando ela bobeava, eu corria e ia viver a minha vida. Que, diga-se de passagem, era muito boa! E eu nem tinha medo de camaleão...

Crônica: Jorge Marin

2 comentários:

  1. Um conhecido certa vez me disse sua "filosofia" sobre como cuidava de seus dois filhos:
    "Nasceu já está jogado ao vento, eu só oriento!"
    Ele é fã das revistas de Conan, o bárbaro! Talvez isso explique a rusticidade...
    Fato é que, sem frescuras ou dramas existenciais desnecessários, sua filha e seu filho romperam vivos, tranquilos e bem adaptados a barreira dos 18 anos e são donos de seus narizes para fazerem com eles o que bem entenderem (e arcar com as consequências).

    Um pouco de sofrimento é algo inevitável e, quando bem direcionado, pode ser tão útil quanto desagradável!
    O mundo nunca foi um lugar seguro ou pacífico então, além dos cuidados e orientações óbvias, vamos deixar os jovens ralarem pela vida para sintam em suas cicatrizes as lembranças e convicções necessárias para terem sua própria forma de existir.
    De resto, é torcer para que bons ventos nos levem...

    Como disse o “sábio” Kick Buttowski: “Viva até doer!”

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    1. Essa coisa de querer manter os filhos "debaixo das asas" até os 40 anos, ou mais, é uma instituição brasileira, ou latino-americana. Nos Estados Unidos, o cara foi aceito na faculdade, já "rapa fora".

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