sexta-feira, 26 de setembro de 2014

ADJETIVOS PRIMITIVOS


Ainda falando sobre a ida a São João na semana passada, encontrei um colega que brincava parcialmente comigo quando éramos crianças. Eu digo parcialmente porque, enquanto ela jogava futebol, rolava na lama, corria atrás dos caminhões pra roubar cana, eu, simplesmente, assistia a tudo isso.
- Você era asmático – justificou ele.

Pensando naquele tanto de aventuras que eu perdi, tenho que reconhecer algumas verdades: primeiramente, que pode ser que eu não suportasse tanta ação assim e nem estivesse vivo aqui pra contar este causo; em segundo lugar, a culpa não foi da asma que, por sinal, até o presente momento, não deu ainda o ar da sua graça, ou desgraça.

Na verdade, vejam vocês, a culpa foi do ADJETIVO! Prestem bastante atenção e vejam se não estou certo. As famílias, principalmente as daquele tempo, sempre precisaram de um bode expiatório, uma ovelha negra, um desajustado, um esquisitão. Enfim, uma pessoa em que se pudesse depositar os sintomas todos e, dessa maneira, a família funcionava bem. Mas aquele sujeito... era o “pobremático”. Ou pobre asmático, como era o meu caso.

Não estou, com isso, tirando a responsabilidade sobre as minhas escolhas, nem deixando de reconhecer que já tive algumas crises de bronquite. Mas, daí a ser um asmático é um exagero. Quando muito, uma pessoa influencionável, vaquinha de presépio como diziam, ou um panguá como se diz hoje. O fato é que a gente, no fundo, acredita naquilo que quer acreditar, às vezes até por preguiça.

Mas, como é que eu faço pra viver minha infância agora? A rua em que a gente brincava na lama foi asfaltada, no futebol já pendurei as chuteiras e a usina de açúcar de Roça Grande fechou; então não tem mais cana pra roubar.

Pelo menos, uma coisa posso fazer, e esta coisa é MUDAR O ADJETIVO. Saio correndo, meu amigo já ia descendo ali em direção à ponte quebrada do antigo campo do Mangueira, quando eu o chamo e grito, cá da esquina:
- Cara, você entendeu mal: eu não era asmático; eu era fantástico. Era desse jeito que meus pais me chamavam.

Ele ficou meio assim sem saber se eu estava brincando, ou delirando. Sorriu e continuou em direção à escadaria que antigamente levava ao Bar Turumbamba de Angola. Fiquei todo satisfeito e voltei correndo para o quintal lá de casa: eu, realmente, não fiz aquelas atividades todas, mas faço, ainda hoje, outras tantas. Vivo, amo, escrevo e sonho. Acho que até eu próprio entendi mal; eu sou mesmo é fantástico!

Mas, como seguro morreu de velho, aconselho a todos vocês: fiquem espertos, e cuidado com os adjetivos!


Crônica: Jorge Marin
Foto    : frame do filme Bubble Boy, disponível em http://allyouneedismovies.tumblr.com/post/10641192348/bubble-boy-2001

2 comentários:

  1. Como mudanças de ares permitem novas conexões que geram novas reflexões (e emoções)...
    A rotina realmente entorpece os sentidos!

    Recomendo frequentes visitas do amigo Jorge a São joão Nepomuceno para revigoramento dos pulmões e do espírito.
    Os amigos e o blog lucrarão com este tratamento!

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    1. Brigadu, Sylvio! Mas a pessoa, quando envelhece, fica assim mesmo. Se não é um amigo passar na casa, pegar e levar, o ser fica ali paralisado. De qualquer forma, é bom reencontrar velhos fantasmas, pelo menos para rir deles. Como se diz no interior: "sombração véia num mete medo"!

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BRIGADU, GENTE!

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VOLTEM SEMPRE, ESTAMOS ESPERANDO... NO MURINHO DO ADIL