sexta-feira, 21 de março de 2014

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS DORES


Tomando café com a mulher, ela pergunta:
- Então quer dizer que o verão acabou?
- Ontem já era outono – respondo. Quando eu estudava no “Judith Mendonça”, o verão começava no dia 21. Mas agora, parece que mudaram tudo, sei lá...
Minha mulher pousa a xícara no pires e me desafia:
- Então, onde é que estão as águas de março?

Olho pela janela, venta, um sol maravilhoso desafia os discursos, os preceitos, os tratados e até mesmo a música de Tom Jobim.  De repente, éramos crianças e, ali em frente ao antigo Tiro de Guerra, era 1964 e o governador de Minas vinha em comitiva trazendo boas novas.

Católicos, fazíamos uma fila imensa, que ia até a esquina da Rua do Descoberto e aplaudíamos.  Militares passavam com suas fardas de honra, luvas brancas e coturnos (já ia escrevendo soturnos) bem engraxados.

Meio libertário, já um tanto rebelde, mesmo me arriscando a perder a nota de Comportamento e encarar a fúria da Dona Renée, fiz a minha primeira rebelião e, num gesto impensado, saí da fila e, com meu amigo Helinho, atravessamos no meio dos atiradores em parada e ficamos sozinhos do outro lado, o lado proibido.

Não havia tempo para nos resgatarem, o Governador vinha passando, sorrindo e acenando para todos. As escolas com suas professoras e alunos ficaram todos do lado direito, na subidinha do Ginásio.  Eu e o Hélio, vejam só, resolvemos ir para a esquerda.

Como estava descendo para a Prefeitura, também do lado esquerdo, o Governador nos viu ali, sozinhos, passou pelo meu amigo, me cumprimentou e, olhando nos meus olhos, perguntou:
- Tudo bem, menino? – e me abraçou. Se eu fosse algum tipo de profeta, ou menos ingênuo, poderia ter dito:
- Não, não está.  Eu não quero que nada disso aconteça.

Mas, como já falei, eram outros tempos. Me lembro que voltei todo feliz pra casa, coloquei a minha roupinha de PM, e saí cantando pelo terreiro:
- Marcha, soldado, cabeça de papel...

Crônica: Jorge Marin

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