sexta-feira, 13 de setembro de 2013

REFLEXÕES AO BARBEAR


De repente, você acorda e não gosta nem um pouco da imagem que vê refletida no espelho.  Não é uma observação estética, cosmética, mas sim uma certeza primordial: aquele espelho, que uma vez refletiu os olhos brilhantes de um menino, mostra diversas imagens contraditórias... uma legião!

Do horror metafísico de não se ver sozinho, como se sabe que se é, à dor profunda de ter seu reflexo invadido por alienígenas forjados da própria intimidade, nasce um desamparo: que fiz da minha vida, senão acumular certezas certificadas por discursos odiosos que, no entanto, aplico-me?

E, como a espuma de barbear na lâmina, a inteligência escorre por um ralo interminável de arrependimentos cujo retorno putrefato nenhum sifão é capaz de impedir.

Há vida antes da morte? – pergunto.  E aí já não sou eu perguntando, mas é o meu pai que fala pela minha boca, junto com o meu avô e todas as pessoas olhando seus reflexos em espelhos, lagos e rios congelados.

E não há resposta, porque percebo, claramente, que na verdade, não há morte nem começo de vida: tudo não passa de uma água de torneira jorrando sem parar enquanto tentamos, em vão, explicar cada gota.

Lágrimas também descem junto com a água corrente e vejo que o menino de olhos de diamante (que na verdade nunca existiu) entra correndo pela porta e, de um só golpe, quebra o espelho!

Sobram apenas cacos, cacoetes...  E possíveis cortes.

Reflexão: Jorge Marin

4 comentários:

  1. Excelente texto, Jorge. "...Apenas cacos, cacoetes... E, cortes'.

    Não faço barba mais de trinta anos, apenas mando barbeiro aparar; mas, quando acordo, e olho no espelho, sinto o mesmo que vc diz na crônica: "legião de imagens contraditórias".

    Muito sonho perdido, muita paixão incrustada em cantos vários do coração. Apenas a certeza da pinguela, oscilante, entre útero e túmulo.

    Parabéns, meu querido amigo.

    Brandão
    www,cesarbrandao.com

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    1. Obrigado, amigo Brandão, o curioso é que, ao escrever esse texto ontem, duas imagens me vinham à mente: uma é do evangelho de Marcos que fala de um homem atormentado por demônios que, quando confrontado com o mestre Jesus, afirma que seu nome é Legião.

      A outra recordação era de um poema que falava de morte, mas eu não me lembrava nem o nome nem o autor. Você acredita que, no exato momento em que acabei de escrever este post, o Sylvio Bazote (do Blog historiasylvio.blogspot.com.br) me mandou um e-mail convidando para ler a poesia Versos Íntimos, do Augusto dos Anjos.

      Pensei: é, o velho Augusto, que morreu em Leopoldina há 99 anos, não só veio psicografar o meu post como ainda mandou e-mail para lembrar!

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  2. É, Seu Jorge...
    O reflexo dos anos muitas vezes não se mostra generoso!

    Psicografias, vibes e inconscientes coletivos à parte, faz tempo que penso que não existe vida após a morte e, em alguns casos, não existe vida nem durante a vida. Então, vamos aproveitar com gratidão e consciência cada gota, antes que a fonte seque.

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    1. É isso mesmo, Seu Sylvio. Sobre o assunto, aceito e adoto a prática budista, como explicado pelo Monge Genshô:
      "Os homens sofrem porque pensam em início e fim das coisas, não compreendem que a vida é um imenso fluxo em que nada tem um começo definido nem um fim claro, todas as coisas têm uma continuidade. Temos, aqui e agora, nossos ancestrais presentes em nossos rostos e mãos. Eles continuam em nós e dessa forma toda a vida nada mais é do que herança sem fim."

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