Tentando
voltar pra casa, em Juiz de Fora, às seis e meia da tarde, na véspera do
feriado municipal, percebo que é impossível.
Os ônibus, simplesmente, não sobem a Rio Branco, as pessoas se
impacientam, xingam e eu tento manter o meu presente do Dia dos Namorados intacto
no meio daquela turba.
Dentro
do vozerio, uma cena me chama a atenção: um rapaz, aparentando uns
dezesseis-dezessete anos chora ao telefone.
Conversa com uma senhora. É impossível
deixar de ouvir naquele aperto no ponto de ônibus:
- Eu
sei, dona Márcia. Também gosto muito da
senhora. Tanto que, quando começamos a
nos relacionar, eu pedi a ELA que me apresentasse aos pais. Tem muita gente por aí que não quer nada, mas
eu quis conhecê-los.
Começo
a achar que é muita falta de educação ficar escutando conversa alheia, mas o
que faço? Ou pulo para a pista, e
arrisco minha vida, pois alguns ônibus estão passando (por coincidência os que
não servem pra mim), ou vou mais para trás, e perco meu lugar na fila. De qualquer maneira, se eu não escutar o drama
do rapaz, outra pessoa, certamente, vai escutar.
- A
questão toda, dona Márcia é que isso que ELA me fez é uma coisa assim que faz
com que a gente não possa nem sair na rua de cabeça erguida, sabe. O que foi, dona Márcia? A senhora conversou com ela? Ela disse que está arrependida? É bom mesmo, dona Márcia, pois não sei o que
vai ser da minha vida sem ela. - E
recomeça o choro convulso...
Naquela
hora, eu poderia fazer o papel de pai da moça mas, não sei porquê, fiquei do
lado do rapaz e, vendo-o chorar, resolvi dar um conselho; seria uma coisa do
tipo “sei que hoje é Dia dos Namorados, mas nenhuma mulher merece esse tipo de
investimento amoroso”. Entretanto,
percebo que o moço resolveu dar mais uma chance à arrependida.
- A
senhora sabe onde ela está, dona Márcia?
Ah, no shopping, né?
Então
se algum ônibus aparecer, vou dar um pulim lá e procurá-la, viu. Fique tranquila e, por favor, dê um abraço no
senhor Agostinho, tá? Fica com Deus,
dona Márcia!
Olho
pra ele quando desliga o telefone. Estou
com aquela frase de Nelson Rodrigues na ponta da língua. De repente, me lembro que minha namorada está
em casa, preparando uma jantinha especial pra mim. Pego o meu presente e resolvo subir os dois
quilômetros da avenida a pé. E ainda vou
assobiando uma música do Rei...
O amor
é assim mesmo: a gente, de repente, morre e acha... Acha não, tem certeza de que o Outro é o
céu. E alguém que ouse dizer o contrário... Eu hein?
Crônica:
Jorge Marin
Foto: Jonathon
Reed, disponível em http://jonathoncomfortreed.deviantart.com/art/Nothing-lasts-258612871
Amigo Jorge,
ResponderExcluirSou "desnamorado" de muitos anos e, hoje, quase convicto celibatário ("o celibatário fica a moer seu próprio chocolate", como disse o mestre Marcel Duchamp).
Então, concordo com a frase de Nelson Rodrigues.
Somente não concordo com vc subir a Rio Branco "assobiando música do rei" (sei que isso vc não faria, mesmo!?).
Duchamp também desenvolveu muito trabalho a partir do Rei e da Rainha; mas, do jogo de Xadrez; como por exemplo uma pintura de 1912. com o título de "O Rei e a Rainha rodeados por rápidos nus".
Portanto, querido amigo e namorado apaixonado, este seu texto ficou ótimo... porém, essa de "música do rei", foi figura de linguagem para seu texto ter um certo cunho popular... Foi isso?
E meus parabéns a todos os namorados que estão "na certeza de que o Outro é o céu". Isso é o verdadeiro amor que mantem casamentos reais?...
Quanto a mim, penso tb que "amar é dar razão a quem não tem"; e entro em contradição nisso. Meu maior amor é a Arte, império da razão, segundo Leonardo Da Vinci: "pintura (arte) é coisa mental".
Sendo assim, por ironia do destino, eu deveria tomar umas lições com vc sobre "assobiar música do rei"
"E cortem as cabeças!" como grita continuamente a Rainha de Copas" no "Alice no país da maravilhas".
E chega de brincadeiras, parabéns pelo texto meu querido amigo Jorge, eterno namorador.
Abraços,
César Brandão
www.cesarbrandao.com
Brandão,
ExcluirApaixonARTE é o que te define melhor, meu amigo. Por isso, não se preocupe com eventual ausência aí do seu lado. Pois, como dizia Drummond:
"Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim."
Ah, e a música do rei foi "É preciso saber viver".
Abração.
Muito bom, amigo Jorge, seu comentário ao meu comentário anterior.
ResponderExcluir"A ausência é um estar em mim", e isso é a inteligente visão de Drummond do "É preciso saber viver". Você é um gênio, amigo.
Mas também um sacana. Lembra-se no início dos anos de 1980, um frio danado em Juiz de Fora, e eu era macrobiótico ferrenho, e nem chegava próximo a açúcar.
Resolvo ver filme de Fellini, e ao passar pela bomboniere do cinema, louca vontade de chocolate me invade. Compro simples "choquito", e entro na sala escura, a procurar de lugar... e acho cadeira vazia no corredor.
Olhando para a tela, saliva de desejo na boca, lentamente abro meu chocolate. Aí alguém me fala: Aí, Brandão, vc não é macrobiótico coisa alguma!...
Olho ao meu lado, e é você. E, de imediato digo, trouxe para você. E esse meu querido amigo Jorge agradeceu, pegou o chocolate, e o devorou.
Mas o filme foi muito bom... Lembra-se, Jorge?...
Acho que ainda "não sei viver", mas deixei aquela coisa de macrobiótica, e bebo cerveja, como carne, chocolate, e outras "cosidas mas"... "porque a ausência assimilada (daquele choquito), ninguém a rouba mais de mim".
Então, "danço e invento exclamações alegres"... E me lembrei de Tabacaria de Fernando Pessoa: "Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates".
"E (...) ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, deito tudo ao chão, como tenho deitado a vida".
Grande Fernando Pessoa, grande Carlos Drummond de Andrade, grande Jorge Marin; amigo maior.
abraços, e ao leitores de Pitomba também abraços.
Brandão
www.cesarbrandao.com
Amigo Brandão, engraçado é que o filme do dia do choquito (que, na hora pra você, foi um grande choque), era Amarcord, palavra que, no dialeto de Rimini, a cidade onde ocorrem grande parte das cenas, significa "eu me lembro".
ExcluirE, enquanto leio os comentários do Blog, leio também Fernando Pessoa: "viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida".