quarta-feira, 12 de junho de 2013

AMAR É DAR RAZÃO A QUEM NÃO TEM (DISSE O NELSON)


Tentando voltar pra casa, em Juiz de Fora, às seis e meia da tarde, na véspera do feriado municipal, percebo que é impossível.  Os ônibus, simplesmente, não sobem a Rio Branco, as pessoas se impacientam, xingam e eu tento manter o meu presente do Dia dos Namorados intacto no meio daquela turba.

Dentro do vozerio, uma cena me chama a atenção: um rapaz, aparentando uns dezesseis-dezessete anos chora ao telefone.  Conversa com uma senhora.  É impossível deixar de ouvir naquele aperto no ponto de ônibus:
- Eu sei, dona Márcia.  Também gosto muito da senhora.  Tanto que, quando começamos a nos relacionar, eu pedi a ELA que me apresentasse aos pais.  Tem muita gente por aí que não quer nada, mas eu quis conhecê-los.

Começo a achar que é muita falta de educação ficar escutando conversa alheia, mas o que faço?  Ou pulo para a pista, e arrisco minha vida, pois alguns ônibus estão passando (por coincidência os que não servem pra mim), ou vou mais para trás, e perco meu lugar na fila.  De qualquer maneira, se eu não escutar o drama do rapaz, outra pessoa, certamente, vai escutar.

- A questão toda, dona Márcia é que isso que ELA me fez é uma coisa assim que faz com que a gente não possa nem sair na rua de cabeça erguida, sabe.  O que foi, dona Márcia?  A senhora conversou com ela?  Ela disse que está arrependida?  É bom mesmo, dona Márcia, pois não sei o que vai ser da minha vida sem ela.  - E recomeça o choro convulso...

Naquela hora, eu poderia fazer o papel de pai da moça mas, não sei porquê, fiquei do lado do rapaz e, vendo-o chorar, resolvi dar um conselho; seria uma coisa do tipo “sei que hoje é Dia dos Namorados, mas nenhuma mulher merece esse tipo de investimento amoroso”.  Entretanto, percebo que o moço resolveu dar mais uma chance à arrependida.
- A senhora sabe onde ela está, dona Márcia?  Ah, no shopping, né?  Então se algum ônibus aparecer, vou dar um pulim lá e procurá-la, viu.  Fique tranquila e, por favor, dê um abraço no senhor Agostinho, tá?  Fica com Deus, dona Márcia!

Olho pra ele quando desliga o telefone.  Estou com aquela frase de Nelson Rodrigues na ponta da língua.  De repente, me lembro que minha namorada está em casa, preparando uma jantinha especial pra mim.  Pego o meu presente e resolvo subir os dois quilômetros da avenida a pé.  E ainda vou assobiando uma música do Rei...

O amor é assim mesmo: a gente, de repente, morre e acha...  Acha não, tem certeza de que o Outro é o céu.  E alguém que ouse dizer o contrário...           Eu hein?

Crônica: Jorge Marin

4 comentários:

  1. Amigo Jorge,

    Sou "desnamorado" de muitos anos e, hoje, quase convicto celibatário ("o celibatário fica a moer seu próprio chocolate", como disse o mestre Marcel Duchamp).

    Então, concordo com a frase de Nelson Rodrigues.

    Somente não concordo com vc subir a Rio Branco "assobiando música do rei" (sei que isso vc não faria, mesmo!?).

    Duchamp também desenvolveu muito trabalho a partir do Rei e da Rainha; mas, do jogo de Xadrez; como por exemplo uma pintura de 1912. com o título de "O Rei e a Rainha rodeados por rápidos nus".

    Portanto, querido amigo e namorado apaixonado, este seu texto ficou ótimo... porém, essa de "música do rei", foi figura de linguagem para seu texto ter um certo cunho popular... Foi isso?

    E meus parabéns a todos os namorados que estão "na certeza de que o Outro é o céu". Isso é o verdadeiro amor que mantem casamentos reais?...

    Quanto a mim, penso tb que "amar é dar razão a quem não tem"; e entro em contradição nisso. Meu maior amor é a Arte, império da razão, segundo Leonardo Da Vinci: "pintura (arte) é coisa mental".

    Sendo assim, por ironia do destino, eu deveria tomar umas lições com vc sobre "assobiar música do rei"

    "E cortem as cabeças!" como grita continuamente a Rainha de Copas" no "Alice no país da maravilhas".

    E chega de brincadeiras, parabéns pelo texto meu querido amigo Jorge, eterno namorador.

    Abraços,

    César Brandão
    www.cesarbrandao.com

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    1. Brandão,

      ApaixonARTE é o que te define melhor, meu amigo. Por isso, não se preocupe com eventual ausência aí do seu lado. Pois, como dizia Drummond:

      "Não há falta na ausência.
      A ausência é um estar em mim.
      E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
      que rio e danço e invento exclamações alegres,
      porque a ausência assimilada,
      ninguém a rouba mais de mim."

      Ah, e a música do rei foi "É preciso saber viver".
      Abração.

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  2. Muito bom, amigo Jorge, seu comentário ao meu comentário anterior.

    "A ausência é um estar em mim", e isso é a inteligente visão de Drummond do "É preciso saber viver". Você é um gênio, amigo.

    Mas também um sacana. Lembra-se no início dos anos de 1980, um frio danado em Juiz de Fora, e eu era macrobiótico ferrenho, e nem chegava próximo a açúcar.

    Resolvo ver filme de Fellini, e ao passar pela bomboniere do cinema, louca vontade de chocolate me invade. Compro simples "choquito", e entro na sala escura, a procurar de lugar... e acho cadeira vazia no corredor.

    Olhando para a tela, saliva de desejo na boca, lentamente abro meu chocolate. Aí alguém me fala: Aí, Brandão, vc não é macrobiótico coisa alguma!...

    Olho ao meu lado, e é você. E, de imediato digo, trouxe para você. E esse meu querido amigo Jorge agradeceu, pegou o chocolate, e o devorou.

    Mas o filme foi muito bom... Lembra-se, Jorge?...

    Acho que ainda "não sei viver", mas deixei aquela coisa de macrobiótica, e bebo cerveja, como carne, chocolate, e outras "cosidas mas"... "porque a ausência assimilada (daquele choquito), ninguém a rouba mais de mim".

    Então, "danço e invento exclamações alegres"... E me lembrei de Tabacaria de Fernando Pessoa: "Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates".

    "E (...) ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, deito tudo ao chão, como tenho deitado a vida".

    Grande Fernando Pessoa, grande Carlos Drummond de Andrade, grande Jorge Marin; amigo maior.

    abraços, e ao leitores de Pitomba também abraços.

    Brandão
    www.cesarbrandao.com



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    Respostas
    1. Amigo Brandão, engraçado é que o filme do dia do choquito (que, na hora pra você, foi um grande choque), era Amarcord, palavra que, no dialeto de Rimini, a cidade onde ocorrem grande parte das cenas, significa "eu me lembro".

      E, enquanto leio os comentários do Blog, leio também Fernando Pessoa: "viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida".

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