Meninos,
íamos ao Campo de Aviação, e aquilo lá nos encantava de uma maneira que não
sabemos bem explicar. Corríamos,
soltávamos papagaio e, mais do que tudo, adorávamos ver o avião. Havia um no hangar, mas poucos de nós já o
havíamos visto voar.
Quando
exagerávamos nas brincadeiras, ou mesmo quando entrávamos em algum recinto
proibido, havia um tomador de conta que vinha e dava um “puxão de orelhas”. Não literal, mas uma chamada de atenção, como
era comum na época, já que tínhamos o costume de respeitar os mais velhos.
Era o Valdo! Uma pessoa um tanto sombria, com um imenso
bigode e que não parecia assim muito inteligente. Aliás, parecia ter a mesma idade que
nós. Mas, de qualquer forma, ele era
autoridade naquele local. E a gente não
abusava.
Um dia,
quando estava indo para o grupo, vi o Valdo passando na caminhonete da polícia,
sentado. Estava com a cabeça baixa, as
mãos amarradas e com um soldado junto, com um fuzil na mão. Meu Deus!
Como é que pode? O Valdo, lá do
Campo de Aviação, foi preso...
Lá na
escola, foi aquele alvoroço, todo mundo querendo saber o que havia ocorrido. Mas, sabem como é, era tempo de silêncio, e
ninguém queria comentar esses assuntos.
Diziam que o Valdo era subversivo.
- O que
que é subversivo, mãe? É quem é contra
os militares, meu filho. Mas não fica
falando essas coisas por aí, não. E o
pior é que não podíamos nem ir brincar mais no Campo de Aviação, pois aquele
avião tinha queimado e diziam que era o nosso conhecido que o queimou de
propósito. Eu sabia que era tudo
mentira, pois ninguém gostava mais daquele avião do que o Valdo. Mas...
O tempo
passou, o Valdo sumiu. No ano seguinte,
já estávamos no terceiro ano, quando resolvemos, um dia, dar um pulo lá... Pois é, no Campo de Aviação; só que, ao invés
de ir pela Santa Rita, como sempre fazíamos, iríamos por baixo, pela estrada
(na época, não tinha nem o trevo ainda).
E assim
fizemos... Só que, sem saber,
protagonizaríamos um dos casos mais extraordinários das nossas vidas. Eis que, chegando ali pra cima da fazenda do
sêo Gabi, vimos um homem descendo a
estrada a pé, cambaleando. Pensando se
tratar de um bêbado fomos lá ver quem era.
Mas, não era um bêbado e sim... o Valdo.
Barbudo,
maltrapilho, ficamos depois sabendo que um advogado lhe dera um atestado de
insanidade e que o haviam internado em Barbacena, mas ele, inconformado, e sem
entender bem toda aquela parafernália, fugira e viera, A PÉ, de volta para São
João. Um colega correu e pegou um pouco
de água da mina pra ele. Ainda meio
tonto, bem abatido, ele parece nos ter reconhecido e, como num pedido de
desculpas, ficava falando: foi um acidente, foi um acidente!
Era o
ano de 1965 ou 1966. Começou a cair uma chuvinha fina, e voltamos para a cidade
com o nosso velho amigo.
Crônica:
Jorge Marin
Foto: Phosphotovescence,
disponível em http://phosphotovescence.deviantart.com/art/Cola-Man-135123057
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