quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

OS DISCURSOS: 2 - De Anjos e Demônios


NA SEMANA PASSADA, iniciamos esta série de Discursos e a ocorrência de um acontecimento trágico – a morte de 235 jovens no incêndio de uma casa noturna no Rio Grande do Sul – foi o mote para a emissão de centenas de discursos, todos “rigorosamente” corretos (segundo sua própria afirmação) e todos com o objetivo de poupar mais vidas, evitar futuras ocorrências da espécie ou confortar as famílias das vítimas.

Gente, vamos pensar uma coisa: você está em casa, já preocupado (eu fico sempre) pois seus filhos estão na balada.  Assim, do nada, você recebe a notícia de que eles morreram queimados dentro da boate.  Que tipo de discurso pode dar conta da dor, do desespero e do desamparo desses pais?

Tudo bem, o discurso da presidenta da república não teve pretensões e refletiu o pensamento e agonia que a maioria dos pais sentimos.  Logo em seguida, vieram os discursos dos telejornais, cada um refletindo sua ideologia própria: uns moralistas, outros piegas, ou informativos demais (dando detalhes do estado dos corpos, coisas desse tipo).

Os dias que se seguiram foram marcados pelos discursos dos especialistas: em segurança, arquitetura, fogos de artifício, doenças do aparelho respiratório,  luto e outros.  Sempre escutava, maravilhado, a esse tipo de discurso, mas, à medida que vou envelhecendo, e mesmo sabendo que, para aprender, somos obrigados a nos alienar, a acreditar nesses “mestres”; ainda assim, me pergunto: qual é a utilidade disso tudo?

Meu telefone toca e a resposta vem logo em seguida: uma moça com boa dicção e com aparência vocal de extremamente educada me pergunta (ela sabia meu nome) se eu conheço uma determinada sigla.  Digo que não e ela começa a explicar as benfeitorias de uma determinada organização beneficente.  Interrompo-a, também educadamente, e informo: pelo início da sua ligação, percebo que você vai falar das maravilhas que a sua organização faz e, como não tenho o menor interesse em contribuir ou aderir à mesma, quero lhe propor que interrompamos a conversa: dessa maneira, você economiza discurso e eu economizo tempo, ok?

Acabo de desligar o telefone e vem outra notícia do Sul: o advogado do dono da boate faz uma declaração (um discurso) em que afirma que a culpa da tragédia é do resgate dos bombeiros!  Sei que ainda vai surgir um especialista explicando que a culpa é das pessoas que lá estavam.

Tudo isso me enoja e reforça a necessidade de denunciar esses discursos, não pelo caráter alienante, mas pela orientação perversa.  Enquanto isso, vamos rezar por esses meninos e meninas e pelas suas famílias. 

...


Crônica: Jorge Marin 
Foto: Felipe Dana / AP Photo, disponível em:

http://media.thestate.com/smedia/2013/01/29/10/45/955-1gSjnd.St.55.jpeg

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