segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

CASOS CASAS & detalhes



Sempre falamos com saudades dos "bons tempos", como se, apenas pelo fato de não termos responsabilidades, tudo fosse mais fácil.  No entanto, basta deitar num divã de psicanalista para elegermos esses mesmos tempos como a origem de todas as nossas neuroses.  Eram dias mais leves, com certeza, mas também eram tempos difíceis, com recursos escassos e informações limitadas.

Dessa forma, o Cine Brasil era a nossa Internet, e era o point para as paqueras, e era também um portal para outra dimensão, a dimensão onírica, a dimensão fantástica e aventuresca.  Lembro-me de um filme do Fellini (acho que Amarcord) onde as pessoas entravam num cinema onde não haviam poltronas, mas camas!  E o brilhante Federico (que, se vivo fosse, estaria completando, ontem, 92 anos) estava completamente certo: cinema é lugar de sonhar.

No Cine Brasil, eu, geralmente na companhia do Reynaldo Soares e do sr. José Henriques, dois cinéfilos inveterados, encontrávamos, TODOS AS NOITES, com Anita Ekberg, Sophia Loren, Gina Lollobrigida e, assim que completei os dezoito anos, Brigitte Bardot.  Cavalgamos também juntos, muitas, vezes, com John Wayne, James Coburn, Giulliano Gemma e o carrancudo Charles Bronson.

O Cine Brasil era a forma mais eficiente de sonhar com um mundo existente, mas, ao mesmo tempo mítico.  Transformado, hoje, no Centro Cultural Gabriel Procópio Loures (o Tio Gaby das nossas crônicas de sexta-feira), continua como um portal para a FANTASIA, embora cada vez menos pessoas consigam a chave.

Fotos: Serjão Missiaggia
Texto: Jorge Marin

2 comentários:

  1. Me fez pensar a parte em que se afirma que cada vez menos pessoas consigam a chave para entrar no portal da fantasia...
    Parece-me que atualmente os sonhos sociais são desnecessários e as fantasias já vêm pré-fabricadas, em sites e filmes com efeitos cada vez mais realistas.
    Na demora de um sonho artesanal, que brotava da própria cabeça tempos atrás, havia mais tempo para regá-lo e podá-lo com cuidado. O resultado talvez fosse mais simplório do que atualmente, mais a satisfação em saborear seus frutos era maior, devido à expectativa nutrida e a sensação de realização.

    Os cinemas tinham personalidade, com arquitetura característica e serviços diferentes entre si. Hoje estão mais eficientes e confortáveis, mas padronizados demais para o mesmo gosto. Não existe mais “O cinema” de sua preferência, e sim “um cinema” disponível.
    Nos antigos cinemas, como o da foto desta postagem, entre esperar na fila da calçada (às vezes sob sol forte ou chuva), ansiava para poder usar o banheiro e, no meu caso, comprar meu inseparável “Mentex” para ficar chupando durante os filmes. A grana não dava para muita coisa além disso.
    Depois do filme, tínhamos tempo para conversar com os amigos (se estivéssemos em grupo) sobre nossas opiniões e “viagens” sobre o filme que tínhamos acabado de assistir, e depois voltar para casa, deitar na cama e viajar novamente, em carreira solo, sobre os melhores momentos e possíveis desdobramentos do que foi assistido.
    Isso ainda é possível hoje, mas há tantos estímulos na rotina das pessoas, que entre o fim do filme e o deitar na cama muito se perdeu, e a lembrança e avaliação do filme ficam resumidos às cenas finais, sem muito tempo ou espaço para criar e modificar ideias. Aí as chaves para as portas da percepção vão sendo esquecidas nas gavetas das memórias e acabamos andando pelos corredores do óbvio, sem entrar nos quartos das possibilidades. Acabei fazendo uma reflexão filosófico-imobiliária meio tosca-poética, mas a essência da ideia está valendo...
    Melhor me despedir por aqui antes que digite outras asneiras! Inté +

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  2. Sylvio, suas reflexões são sempre bem-vindas. Quase repetindo Pessoa, podemos dizer que "viajar é preciso" e a fórmula pronta é a base do discurso pronto que, após o filme, serve para vender o livro, a série, o sanduíche, a roupa e a ideologia. Estamos iniciando a série OS DISCURSOS que trata do tema. Abração.

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