Enfim, consegui acessar esse ser que suscita
tantas emoções e certezas: o DOTÔ.
Herança do nosso passado rural e resquício do paternalismo anterior ao “ecce
homo” da segunda metade do século XX, o médico, junto com o pai e o sacerdote,
ainda exercem, principalmente em nós, mais velhos, uma vontade inescapável de
baixar a cabeça, num “sim, senhor” infantil e ridículo.
E esse médico, em questão, mostrou-se um
digno representante da aristocracia hipocrática. Após uns quarenta e cinco minutos da hora
marcada para a consulta, interfonou para a secretária e informou que eu seria
atendido. Com aquele sorriso
característico das atendentes, ela nos encaminhou, eu e minha esposa, até aquela
câmara homeostática.
O Dotô nos saudou: boa noite, sentem-se por
favor! O assento destinado aos pacientes
(eu quase já ia dizer clientes, que horror!) eram umas cadeirinhas, na verdade,
um sofazinho baixo. Sabem aquelas
mesinhas nos restaurantes japoneses tradicionais, onde se come sentado sobre os
joelhos? Pois é, é mais ou menos daquela
altura. Eu, que tenho uma canelinha de
quarenta centímetros, ainda fiquei com ela flexionada, enquanto o médico,
sentado em sua poltrona de encosto alto, e atrás de sua mesa que, do chão,
devia medir uns noventa centímetros, ficava balanço os pés. Ou
seja: aqui de baixo, eu quase não o via atrás da mesa e ele, por sua vez, se
encostasse na cadeirona, não me via também.
Aproximando-se da mesa, ele pegou a
radiografia (que o laboratório parceiro dele já havia encaminhado, lembram?) e
sentenciou: eu não estou vendo nada aqui.
Qual a sua queixa? Se ele já não
viu nada na minha radiografia dos seios da face, como é que eu teria coragem de
falar, como acabei falando, baixinho: sinusite? Não, meu amigo – retrucou ele – isso,
certamente, você não tem.
Envergonhado, tentei argumentar que poderia
ser algum problema de bronquite, já que eu estava tendo um pouco de falta de ar. Aí, acabei tomando outra descompostura: ah,
meu senhor, mas aí eu não posso fazer nada, pois o senhor pegou apenas um
pedido para seios da face. O SENHOR
TINHA QUE TER PEGADO UM PEDIDO PARA RAIO-X DO TÓRAX! No entanto, vendo o meu desamparo, resolveu
me conceder a benesse de um exame.
Passamos a uma salinha contígua onde pediu
que me sentasse numa cadeira, também baixa, e foi examinar minhas narinas com
um aparelho. Pediu que me
aproximasse. NÃO TANTO ASSIM, por
favor! Afastei-me e ele, escrupulosamente,
introduziu o aparelho nas minhas narinas e afirmou: é, como eu disse (na
verdade, foi a radiografia), o senhor não tem nada de nariz!
Voltamos à sala onde o médico fez o pedido do
exame de raio-X de tórax, passou a receita de um remédio para pingar no nariz
(???) e um outro para a tosse. Estou
acabando de rasgar o tal pedido agora.
Vou esperar dois meses e marcar com o médico de minha confiança pois
este, graças a Deus, ainda existe.
Na semana que vem, vou voltar ao assunto “refrigerador”. Acreditam?
Crônica: Jorge Marin
Foto: Disponível em http://inverticiario.blogspot.com.br/
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