quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

DO MAL ATENDIMENTO E DO MAU ATENDENTE - 6


Enfim, consegui acessar esse ser que suscita tantas emoções e certezas: o DOTÔ.  Herança do nosso passado rural e resquício do paternalismo anterior ao “ecce homo” da segunda metade do século XX, o médico, junto com o pai e o sacerdote, ainda exercem, principalmente em nós, mais velhos, uma vontade inescapável de baixar a cabeça, num “sim, senhor” infantil e ridículo.
E esse médico, em questão, mostrou-se um digno representante da aristocracia hipocrática.  Após uns quarenta e cinco minutos da hora marcada para a consulta, interfonou para a secretária e informou que eu seria atendido.  Com aquele sorriso característico das atendentes, ela nos encaminhou, eu e minha esposa, até aquela câmara homeostática.
O Dotô nos saudou: boa noite, sentem-se por favor!  O assento destinado aos pacientes (eu quase já ia dizer clientes, que horror!) eram umas cadeirinhas, na verdade, um sofazinho baixo.  Sabem aquelas mesinhas nos restaurantes japoneses tradicionais, onde se come sentado sobre os joelhos?  Pois é, é mais ou menos daquela altura.  Eu, que tenho uma canelinha de quarenta centímetros, ainda fiquei com ela flexionada, enquanto o médico, sentado em sua poltrona de encosto alto, e atrás de sua mesa que, do chão, devia medir uns noventa centímetros, ficava balanço os pés.  Ou seja: aqui de baixo, eu quase não o via atrás da mesa e ele, por sua vez, se encostasse na cadeirona, não me via também.
Aproximando-se da mesa, ele pegou a radiografia (que o laboratório parceiro dele já havia encaminhado, lembram?) e sentenciou: eu não estou vendo nada aqui.  Qual a sua queixa?  Se ele já não viu nada na minha radiografia dos seios da face, como é que eu teria coragem de falar, como acabei falando, baixinho: sinusite?  Não, meu amigo – retrucou ele – isso, certamente, você não tem.
Envergonhado, tentei argumentar que poderia ser algum problema de bronquite, já que eu estava tendo um pouco de falta de ar.  Aí, acabei tomando outra descompostura: ah, meu senhor, mas aí eu não posso fazer nada, pois o senhor pegou apenas um pedido para seios da face.  O SENHOR TINHA QUE TER PEGADO UM PEDIDO PARA RAIO-X DO TÓRAX!  No entanto, vendo o meu desamparo, resolveu me conceder a benesse de um exame.
Passamos a uma salinha contígua onde pediu que me sentasse numa cadeira, também baixa, e foi examinar minhas narinas com um aparelho.  Pediu que me aproximasse.  NÃO TANTO ASSIM, por favor!  Afastei-me e ele, escrupulosamente, introduziu o aparelho nas minhas narinas e afirmou: é, como eu disse (na verdade, foi a radiografia), o senhor não tem nada de nariz!
Voltamos à sala onde o médico fez o pedido do exame de raio-X de tórax, passou a receita de um remédio para pingar no nariz (???) e um outro para a tosse.  Estou acabando de rasgar o tal pedido agora.  Vou esperar dois meses e marcar com o médico de minha confiança pois este, graças a Deus, ainda existe.
Na semana que vem, vou voltar ao assunto “refrigerador”.  Acreditam?

Crônica: Jorge Marin
Foto: Disponível em http://inverticiario.blogspot.com.br/

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