NA SEMANA PASSADA, iniciamos esta série de
Discursos e a ocorrência de um acontecimento trágico – a morte de 235 jovens no
incêndio de uma casa noturna no Rio Grande do Sul – foi o mote para a emissão
de centenas de discursos, todos “rigorosamente” corretos (segundo sua própria
afirmação) e todos com o objetivo de poupar mais vidas, evitar futuras
ocorrências da espécie ou confortar as famílias das vítimas.
Gente, vamos pensar uma coisa: você está em
casa, já preocupado (eu fico sempre) pois seus filhos estão na balada. Assim, do nada, você recebe a notícia de que
eles morreram queimados dentro da boate.
Que tipo de discurso pode dar conta da dor, do desespero e do desamparo
desses pais?
Tudo bem, o discurso da presidenta da
república não teve pretensões e refletiu o pensamento e agonia que a maioria
dos pais sentimos. Logo em seguida,
vieram os discursos dos telejornais, cada um refletindo sua ideologia própria:
uns moralistas, outros piegas, ou informativos demais (dando detalhes do estado
dos corpos, coisas desse tipo).
Os dias que se seguiram foram marcados pelos
discursos dos especialistas: em segurança, arquitetura, fogos de artifício,
doenças do aparelho respiratório, luto e
outros. Sempre escutava, maravilhado, a
esse tipo de discurso, mas, à medida que vou envelhecendo, e mesmo sabendo que,
para aprender, somos obrigados a nos alienar, a acreditar nesses “mestres”;
ainda assim, me pergunto: qual é a utilidade disso tudo?
Meu telefone toca e a resposta vem logo em
seguida: uma moça com boa dicção e com aparência vocal de extremamente educada
me pergunta (ela sabia meu nome) se eu conheço uma determinada sigla. Digo que não e ela começa a explicar as
benfeitorias de uma determinada organização beneficente. Interrompo-a, também educadamente, e informo:
pelo início da sua ligação, percebo que você vai falar das maravilhas que a sua
organização faz e, como não tenho o menor interesse em contribuir ou aderir à
mesma, quero lhe propor que interrompamos a conversa: dessa maneira, você
economiza discurso e eu economizo tempo, ok?
Acabo de desligar o telefone e vem outra
notícia do Sul: o advogado do dono da boate faz uma declaração (um discurso) em
que afirma que a culpa da tragédia é do resgate dos bombeiros! Sei que ainda vai surgir um especialista
explicando que a culpa é das pessoas que lá estavam.
Tudo isso me enoja e reforça a necessidade de
denunciar esses discursos, não pelo caráter alienante, mas pela orientação
perversa. Enquanto isso, vamos rezar por
esses meninos e meninas e pelas suas famílias.
...
Crônica: Jorge Marin Foto: Felipe Dana / AP Photo, disponível em:
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