Arte digital por Kate Abask5
Estava
a Formiga, tranquilinha, refestelada no sofá, curtindo as Olímpiadas de
Londres. Assistir àquilo tudo, ainda
mais depois da eliminação do time da xará no futebol feminino, ficou meio
tedioso, pois as provas não tinham muita emoção: levantamento de folha, 100
centímetros rasos em poça dágua, e arremesso de pólen. Dava uma tremenda vontade de cochilar e foi o
que ela fez para curtir o final das férias... ATÉ QUE... TOC TOC TOC. Alguém bateu na porta. Quem seria o chato para me interromper,
pensava Formiga e, de pantufas e roupão, foi até a porta.
Quase
teve um ataque cardíaco! Sabem quem
estava lá do lado de fora, como se não fosse inverno? Ela mesma: a Cigarra, com um casacão tipo
Matrix e um charuto na boca. A Formiga,
como todos sabem, não dá muita trela para a Cigarra e a recebeu de pé mesmo, na
porta. Mas a Cigarra estava só de
passagem, para entregar um santinho de uma candidata do PT (Partido das
Tecelãs). Papo vai, papo vem, e a
Cigarra falou que passou uns perrengues quando o inverno começou, mas, seguindo
sua vocação para a oratória e para a música (vagabundagem, pensou a Formiga),
resolveu fazer uns jingles para tocar nos carros de som de candidatos às
eleições e acabou por fazer a campanha toda.
A
Formiga não podia acreditar naquilo: a vida inteira, ela deu um duro danado, trabalhando
de sol a sol, carregando pesados fardos, enquanto a Cigarra ficava só na boa
vida, cantando, tomando chope ou só no Facebook colocando fotinhas de flores,
essas coisas. Agora ela, Formiga, já com
quase oito semanas de vida, bem coroa, tinha que aguentar aquela inútil ali, na
sua porta, bem vestida, cheia da grana e, pior, fazendo propaganda política
para o partido das formigas, o Partido das Tecelãs.
- Como
é que uma cigarra consegue fazer campanha para uma formiga? – perguntou a
Formiga, indignada.
-
Relaxa, Form (ela detestava que a Cigarra a chamasse assim). Até o presidente do seu partido, o Presidente
Pupa, fez um pacto político com o líder dos gafanhotos!
A
Formiga ficou vermelha de raiva, mas teve que escutar aquela conversa fiada
caladinha, sobre tudo ser no interesse do eusocial, sobre a importância dos
pactos, sobre as cotas para tanajuras, sobre a lei de proteção às formigas
assexuadas da Amazônia. Enfim,
política...
A Cigarra
foi embora cantando uma daquelas musiquinhas irritantes, mas em cima dos seus
sapatos importados:
- Quem
diria – suspirou a Formiga – de La Fontaine a Louboutin! Que progresso...
Naquela
noite, a Formiga não dormiu. Sempre aprendeu
que, para ser boa cidadã, deveria trabalhar, e trabalhar, e trabalhar. Quando o inverno chegasse, ela ficaria
tranquila, enquanto aqueles insetos preguiçosos, como a Cigarra, iriam morrer
de frio. Mas, percebia agora, a coisa
não era bem assim: havia altos impostos, a Cigarra não precisava mais de
empréstimos, e ela própria, a Formiga, estava usando quase todo o limite do seu
cheque especial.
Lá
pelas três da manhã, resolveu tomar um Lexotan e apagou. No dia seguinte, bem cedinho, acordou, olhou
no espelho, tomou um banho, passou no banco e viu quanto tinha de saldo. Foi até uma loja em frente, chamou o
atendente e, baixinho, perguntou:
- Aqui,
quanto custa uma viola?
(Fábula:
Jorge Marin)
Um clássico conto infantil adaptado para o século XXI e/ou para a meia idade.
ResponderExcluirÊta inteligência porreta essa do compadre Jorge.
Parabéns pela ótima estória, com uma moral leve e útil.
Jorge, sua paródia ficou muito boa e de alto nível.
ResponderExcluirLeitura agradável do princípio ao fim.Excelente.
Mika